O aumento projetado de impostos pode sufocar a produção de grãos e carnes, e inviabilizar exportações brasileiras
Alguns Estados brasileiros estão com gigantescas quedas de arrecadação, outros se declararam em situação de falência, como Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para não paralisar os governos, inclusive pagamento de salários do funcionalismo estadual, projetam criar novos impostos ou aumentar alíquotas dos existentes, e até mesmo desativar algumas isenções concedidas no passado.
Há dois caminhos para revitalizar o aumento das arrecadações estaduais, incluindo especialmente o agronegócio. Na primeira hipótese, cancela-se a norma do Convênio 100/97 do Confaz – Conselho de Secretários Estaduais da Fazenda, que reduziu ou zerou a incidência de ICMS sobre fertilizantes, agroquímicos e máquinas agrícolas, por decisão consensual desde 1997, e que é renovada a cada 4 anos. Com isto, certeza de aumentos nos custos de produção para a lavoura e criação, de uma tacada só, algo na ordem de 20%, em média, isto porque a indústria repassará esses impostos aos produtores rurais.¹
Da mesma forma, haveria incidência de ICMS sobre venda de produtos agrícolas, como grãos e carnes, com destino a outros Estados. Um agricultor, ou criador, que planta ou cria num estado não vai “exportar” para o estado vizinho, mesmo que sua cidade esteja na divisa estadual, porque o comprador vai reduzir o ICMS do preço de venda.
A projeção de aumentos de arrecadação e de alíquotas varia de Estado para Estado, mas todas as análises de planilhas preveem um significativo aumento de arrecadação, o que depende do nível de atividades rurais exercidas em cada região.
Lei Kandir
Num segundo momento, as bancadas de deputados federais e senadores no Congresso Federal discutem ainda um projeto de lei para revogar a Lei Kandir. Criada em 1996, essa lei desonera as exportações de produtos primários e semielaborados da incidência de ICMS. Mas há uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional nº 37 – que é de 2007) em tramitação no Senado. A PEC revoga a não incidência de ICMS na exportação de produtos não industrializados e semielaborados. Autor: senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA) Data: 02/05/2007.
O fim dos benefícios da Lei Kandir aos exportadores e a possibilidade de não renovação do Convênio 100/1997, que isentam de ICMS as exportações e o comércio de insumos agrícolas entre estados, podem provocar prejuízos de cerca de R$ 80 bilhões ao setor agropecuário nacional. O alerta foi feito em março último pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) durante a primeira reunião do ano da Câmara Setorial da Soja, órgão consultivo ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Como todo mundo está “preocupado” com as tuitadas diárias dos políticos, os esquemas de aprovação dessas novidades do ICMS são debatidos na calada das noites e vão aparecer a qualquer momento.
Com o fim da lei Kandir, o agro brasileiro vai pro brejo
Revogando a Lei Kandir, para permitir aos estados brasileiros cobrarem ICMS para aumentar a arrecadação, a atitude dos governos estaduais mostra-se como um tiro no pé. Mesmo que isso possa vir a destruir o agronegócio, que é o principal responsável (48%) por nossa pauta de exportações, e responsável também pelo superávit da balança comercial, isso aparentemente não tem importância.
A anulação da Lei Kandir provocará um grande retrocesso no país, é a maior ameaça ao agronegócio brasileiro, se for aprovada pelo Congresso Nacional. Com a sua aprovação, o ICMS voltará a incidir sobre as vendas ao exterior de produtos como petróleo, minério de ferro, grãos, como soja e café, e ainda fumo, frutas, carnes bovina, avícola e suína in natura, entre outros produtos, tornando-os menos competitivos no mercado internacional. Por tabela, a revogação da Lei Kandir vai desestimular o plantio de soja e café. Segundo cálculos primários de especialistas, a queda na área de plantio de soja pode ser superior a 30% em termos de área, porque é esse o percentual da produção que destinamos às exportações, em soja por exemplo.
A proposta agora vai para votação no plenário do Senado. Como é uma emenda constitucional, o Executivo não tem poder de veto ou mesmo de sancionar o texto aprovado pelo Congresso Nacional, que entra em vigor imediatamente.
A Lei Kandir, em vigor desde 1996, corrigiu um antigo e enorme desequilíbrio no Brasil. Pela simples razão de que governos estaduais taxavam as exportações, e assim o Brasil tinha mais uma jabuticaba, a exportação de impostos, pois nenhum país do planeta exporta impostos. O que se busca com exportações são duas coisas: geração de empregos internos qualificados e a internalização de moeda forte.
Quando se instituiu a Lei Kandir o saldo da balança comercial do agronegócio estava em US$ 12,2 bilhões anuais. A partir daí as exportações tiveram um salto enorme. Em 2016, por exemplo, nosso saldo foi positivo de US$ 71 bilhões. Se for revogada a Lei Kandir teremos mais desemprego, além da queda nas exportações, e as consequências serão o aprofundamento de uma nefasta recessão como a que enfrentamos no país, que provoca enorme desemprego.
Nessa hora os estados não pensam na internalização de divisas, ou que as exportações ajudam a segurar a inflação. E o nosso PIB vai acusar isso, negativamente.
A PEC 37 retira a competitividade brasileira no mercado internacional, e colocará o Brasil como um esmoleiro no mercado. É elementar prever a queda na produção de grãos como soja e café, que somente poderá atender ao mercado nacional. Ao mesmo tempo, a aprovação da PEC 37/2007 não aumentará a arrecadação dos governos estaduais, nem mesmo se considerarmos a incidência do ICMS sobre os minérios, setor em que Brasil tem sérios problemas de competitividade, mesmo inexistindo hoje a incidência de impostos sobre exportação. Ou seja, a PEC 37 vai piorar o que está ruim.
A tentativa de ressuscitar a PEC 37/2007, apoiada por governos estaduais, é uma ação desesperada dos governadores para aumentar a arrecadação e coloca o Brasil na marca do pênalti. Como toda atitude impensada, estabelece-se uma gambiarra na economia e que, por ser uma emenda constitucional, é de difícil alteração no futuro. Não dá para entender a ganância de alguns governadores, pois a Lei Kandir, em contraponto à PEC 37, obriga o governo federal a estabelecer uma compensação aos Estados, através de repasses que cobrem parte da não arrecadação do antigo ICMS que ficou faltando a partir de 2006.
Lamentavelmente, os brasileiros, empresários especialmente, estão sempre a reboque dos políticos. Na sequência, vamos chorar o leite derramado. Na França, como exemplo civilizado de país moderno, quem já andou por lá a turismo sabe que de toda compra feita (exceto perfumes, vinhos, cosméticos, e serviços como hotéis e restaurantes) é só guardar a nota fiscal e apresentá-la no aeroporto na hora do embarque, para receber em devolução o IVA (Imposto de Valor Agregado, equivalente ao nosso ICMS), na hora, em moeda forte, de 12% do que se pagou. Porque os franceses consideram essas compras uma exportação de produtos, e, como tal, devem ser isentas, porque o objetivo é gerar empregos internamente. Mas essa política é seguida também por outros países da comunidade europeia, especialmente a Alemanha.
No Brasil, somos a casa da mãe Joana, o país das jabuticabas, onde o rabo abana o cachorro, os políticos praticam impunemente as besteiras que querem, e ainda são reeleitos.
Resta saber como se comportará a Frente Parlamentar da Agropecuária, vai aprovar essa PEC? Revogar a Lei Kandir, é um crime de lesa-pátria, se se for considerar a atual situação econômica e política do Brasil. Fiquemos atentos, a PEC 37/2007 encontra-se ainda tramitando no Senado, podemos pressionar os senadores, quem se habilita?
Conversando com alguns políticos a respeito do imbróglio da PEC 37, ouvimos argumentos erráticos e equivocados, ou um viés urbano de situação, no sentido de que a PEC 37 poderia estimular a saída definitiva do Brasil da situação de país agrário, que só exporta commodities, para eles, políticos, um tipo de produto sem valor agregado e que gera pouca renda. Alegamos que um grão de soja ou café tem muita tecnologia embutida para a sua produção, tanto quanto um avião. E gera mais emprego e renda do que fabricar avião, seja nas fazendas, seja nas cooperativas, seja até mesmo nas empresas fornecedoras de insumos, nas tradings, bancos, e ainda sobre receita de exportação, para compra de automóveis e todos os outros itens de consumo, como geladeiras, TVs ou celulares adquiridos pelos produtores rurais e demais membros da cadeia do agronegócio.
Se o Brasil deseja agregar valor, não é esse o caminho de renovar um velho imposto, pelo contrário, a PEC trava e engessa qualquer outra política pública de agregar valor ou de facilitar exportação, pois quem paga o imposto é o produtor rural, não o importador. Com esse imposto, diante da baixa rentabilidade dos produtores rurais, e dos riscos inerentes ao agro, como fatores climáticos, pragas e doenças, a PEC desestimula até mesmo o plantio, vai gerar o caos, e nos levar para o brejo.
Afora isso, só nos restam as orações dirigidas ao divino para impedir que os chineses e o mundo árabe não sucumbam às tentações de retaliar o Brasil e reduzir importações de grãos e carnes, pois as habilidades nas relações exteriores não são o forte do Brasil nesse momento, fato que nos faz antever nuvens muito escuras no horizonte próximo, prenunciando tempestades que podem ser evitadas se houver pelo menos bom senso.
1 – Hoje, exatamente 5/4/19, ao publicarmos este artigo, o Confaz deliberou prorrogar as isenções constantes no Convênio 100/97, entretanto, a prorrogação foi por 12 meses, até 30/4/20, quando então voltarão a discutir o assunto.