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Por uma safra superior a 300 milhões de toneladas em 2023



Opinião Livre

O Brasil reúne as condições e tem a obrigação de estabelecer políticas para viabilizar essa meta em benefício da segurança alimentar global.

Ivan Wedekin1
Roberto Rodrigues2

O País tem mercado, demanda, clientes dispostos a comprar os produtos do agronegócio brasileiro, mesmo pagando os preços elevados vigentes no mercado internacional. 

Temos um compromisso inadiável de aumentar a oferta, reduzir a inflação dos alimentos e atenuar a grave insegurança alimentar que se espalhou pelo mundo a partir da pandemia da Covid-19 em 2020 e se agravou com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Poucos países do mundo têm esse potencial de contribuição histórica.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem conduzido políticas consistentes para o fortalecimento da agropecuária e o do agronegócio. O Governo Federal, o Congresso Nacional e as lideranças da sociedade precisam fazer um chamado à Nação.  O momento é agora!

 1. O ALERTA DA CRISE ALIMENTAR SEVERA

A inflação de alimentos vem aumentando a insegurança alimentar mundo afora. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o índice mundial de preços nominais de alimentos em abril de 2022 estava 68,3% acima da média de 2019, ou seja, antes da pandemia (Figura 1). Nos últimos doze meses até abril de 2022, os alimentos ficaram 29,8% mais caros no mundo.

Figura 1. Inflação mundial de alimentos medida pelo FAO Food Price Index, de dezembro de 2016 a abril de 2022 (valores nominais, base: média de 2019 = 100)

Nesse cenário desolador, a insegurança alimentar campeia solta. Segundo a FAO, a situação é muito mais adversa para as economias emergentes. A combinação de queda de renda, aumento dos preços dos alimentos e depreciação das moedas locais em relação ao dólar dos EUA responde pela maior parte da deterioração da segurança alimentar, principalmente nas economias menos desenvolvidas. 

No mundo todo, mais 148 milhões de pessoas passaram a enfrentar insegurança alimentar severa: o total subiu de 780 milhões para 928 milhões de pessoas entre 2019 e 2020. O quadro deverá piorar quando a FAO divulgar os dados de 2021.

Nos países de renda alta, a proporção da população vivendo em situação de insegurança alimentar severa passou de 1,6% para 1,7% entre 2019 e 2020. No entanto, para os países de renda baixa, o quadro crítico subiu de 25,4% para 28,1% da população nesse período (Figura 2). 

Figura 2. População em situação de insegurança alimentar severa, segundo a renda dos grupos de países, 2014-2020 (em % da população total)

Fonte: FAO  |   Elaboração: Wedekin Consultores


Quando se considera a soma de insegurança alimentar severa e moderada, a FAO indica que 60,9% da população dos países de baixa renda vivia nessa condição em 2020, contra 59,5% no ano anterior. Todavia, a maior deterioração da insegurança alimentar severa e moderada ocorreu no grupo de países de renda média: de 37,6% para 44,2%, entre 2019 e 2020.

 A importância do Brasil para a atenuação da insegurança alimentar fica patente quando se analisa a mudança radical no destino das vendas externas do agronegócio, dos países ricos para os de menor renda.

De acordo com a FAO, na década de 1980, as exportações brasileiras eram destinadas em grande parte às nações desenvolvidas, especialmente os EUA (20,0% do total), a Europa (só a Holanda absorvia 20,3%) e o Japão (6,6%). 

Nas décadas seguintes, os países de renda média ou baixa passaram a responder por frações crescentes entre os destinos das exportações brasileiras de alimentos. No triênio 2015-2017, merecem destaque a China (o principal comprador, com 37,6% do total) e países do Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã, Egito e Emirados Árabes). O Japão e a Holanda recuaram para 3,0% e 2,6%, do total, respectivamente, enquanto os EUA não figuram mais no ranking dos 10 maiores importadores1. 

2. O BRASIL TEM LASTRO PARA OUSAR E PRODUZIR MAIS ALIMENTOS

O desempenho da agropecuária e do agronegócio nas últimas três décadas é explicado por alguns fatores principais: a desoneração das exportações pela Lei Kandir (de 1986); a estabilização da economia a partir do Plano Real (de 1994); a mudança do regime de câmbio fixo para câmbio flutuante pelo Banco Central do Brasil (em 1999); os ganhos recorrentes de produtividade dos fatores de produção e as vantagens competitivas geradas pelo ampliação nas economias de escala na agropecuária. 

Alguns indicadores ilustram a grandeza dos avanços do agro brasileiro nas últimas décadas.

  •  A produção de grãos saltou de 76 milhões para 270 milhões de toneladas entre 1994 e 2021; 
  • A Produtividade Total dos Fatores de Produção (PTF) da agricultura brasileira cresceu 3,18% ao ano no período 2000-2019, enquanto a PTF dos EUA cresceu 0,50% a.a. e a do mundo aumentou 1,66% a.a.2;
  • O crescimento da produtividade resultou em um efeito poupa-terra de 84,7 milhões de hectares entre 1990 e 2019. Essa área teria que ser plantada a mais para obter a mesma produção de grãos, caso a produtividade ficasse estagnada nos níveis de 1990;

  • A exportação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio saltou de 9% em 1997 para 27% em 20211. O mercado interno continua sendo um privilégio da agricultura brasileira: absorve 73% da produção;
  • O Brasil é um dos países que menos subsidia a agricultura no mundo;
  • O crédito alavancou a produção: a relação entre o crédito rural concedido e o PIB da agricultura saltou da média de 24% no período 1990-1994 (antes do Plano Real) para 51% em 2019-2021 (Figura 3). A estabilidade da economia favorece o aumento do crédito.

O crédito rural é o “motor” do investimento no campo. E o investimento faz a transformação competitiva da agropecuária. A prioridade do crédito também é dada para os agricultores familiares e os médios produtores.

Figura 3. Brasil: Cinco décadas do crédito rural, 1970-2021

*Relação entre o valor total do crédito rural concecido e o PIB da agropecuária em cada ano civil
Fonte: IBGE; BCB; Ipeadata   |   Elaboração: Wedekin Consultores

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desenvolveu o indicador  Estimativa de Apoio ao Produtor (PSE, na sigla em inglês) para comparar o apoio à agricultura decorrente das política agrícola. No Brasil, o PSE, como proporção da receita bruta da agropecuária, caiu sistematicamente desde a década de 2000, baixando para apenas 1,35% em 2020 (Figura 4). 

Tomando-se a média do triênio 2018-2020, os resultados do PSE falam por si: 56,5% na Noruega; 41,1% no Japão; 19,5% na União Europeia; 12,5% na China; 12,0% nos EUA; 2,5% na Austrália; 1,5% no Brasil e, como o país que menos apoia a agricultura, vem a Nova Zelândia com 0,7%. 

Figura 4. Brasil: Estimativa de Apoio ao Produtor (PSE) no período 2002-2020 (em % da receita bruta dos produtores)

Fonte: OCDE  |   Elaboração: Wedekin Consultores

A Argentina é o maior exemplo de políticas discriminatórias contra os interesses da agricultura. No período 2018-2020, o PSE foi negativo em 24,4%, caracterizando forte penalização da receita dos produtores rurais.

3. A POLÍTICA AGRÍCOLA BRASILEIRA É EFICIENTE E MUITO BARATA1

Os gastos do Governo Federal com a política agrícola podem ser consolidados a partir do Boletim Resultado do Tesouro Nacional (RTN), da Secretaria do Tesouro Nacional2. Os valores são apurados segundo o conceito de pagamento efetivo, que corresponde ao saque efetuado na Conta Única da União. São os chamados subsídios explícitos ou financeiros. O conceito de caixa difere, portanto, dos valores programados no Orçamento Geral da União. Para efeito de análise, os valores foram agrupados em cinco instrumentos: (i) crédito rural; (ii) renegociação e alongamento de dívidas; (iii) gestão de risco; (iv) apoio a preços; e (v) políticas de suporte setoriais3. 

Nos 21 anos do período analisado (2001-2021), os gastos totais, em termos reais, com a política agrícola oscilaram moderadamente em torno da média geral de R$ 8,7 bilhões por ano, entre o mínimo de R$ 7,81 bilhões, na média de 2006-2010, e o máximo de R$ 9,9 bilhões, no quinquênio 2011-2015 (Tabela 1). 

Os programas de alongamento das dívidas rurais representaram a maior parcela dos gastos na média anual de 2001-2005, com R$ 4,35 bilhões (52,5% do total), registrando queda expressiva nos intervalos subsequentes. Em contraposição, a equalização das taxas de juros dos programas de crédito rural passou a liderar entre os dispêndios com os instrumentos da política agrícola. 

Valores corrigidos para 2018 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE)
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional; SPA/MAPA   |   Elaboração: Wedekin Consultores

O apoio a` gestão do risco da agropecuária se dá por meio do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro, de 1973), gerenciado pelo BCB, e do Programa de Subvenção do Seguro Rural (PSR, de 2004). O Proagro é uma conta em aberto, ou seja, o Governo Federal arca com o eventual déficit entre a receita e as indenizações pagas pelos sinistros. Em contraposição, o PSR integra o orçamento anual do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Os gastos com a gestão de risco rural ganharam relevância após a criação do PSR.

A política de apoio a preços tem por objetivos garantir renda adequada aos produtores e preços acessíveis de alimentos aos consumidores e complementar o abastecimento em regiões onde o consumo supera a disponibilidade de matérias-primas agropecuárias.

Para analisar a situação recente, o detalhamento dos gastos federais com a política agrícola em 2021 (Tabela 2) permite inferir que:

  • A equalização das taxas de juros aplicadas ao investimento e para o crédito para a agricultura familiar são os principais itens das despesas de crédito rural, que no total representaram R$ 5,9 bilhões ou 62,0% dos gastos totais de R$ R$ 9,5 bilhões;
  • Os gastos com alongamento de dívidas estão em forte declínio por conta do encerramento do prazo e da gradativa liquidação dos contratos;
  • Os gastos com gestão de risco foram ampliados pelo grande valor das indenizações do Proagro (R$ 1,7 bilhão) e o recorde aplicado no PSR (cerca de R$ 1,2 bilhão);
  • O apoio a preços, que chegou a alcançar R$ 3,0 bilhões na média do período 2006-2010 (Tabela 1), gerou uma receita para o Tesouro Nacional de R$ 4 milhões. 

Tabela 2 – Brasil: Gastos do governo federal com a política agrícola em 2021 (em R$ milhões e participação em % no total)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional; SPA/MAPA   |   Elaboração: Wedekin Consultores
 

No período recente a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) praticamente entrou em desuso, por dois motivos principais. Primeiro, a melhoria na infraestrutura: os portos do chamado “Arco Norte” representaram cerca de 48% da exportação de milho e 32% da soja em 2021; segundo, os elevados preços dos produtos agropecuários nos mercados externo e interno. A PGPM foi  historicamente a principal atividade operacional pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). As despesas de pessoal e encargos da empresa foram da ordem de R$ 900 milhões em 2020. A Conab atua em parceria com outros órgãos de governo na distribuição de cestas básicas e no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar, que movimentaram R$ 244 milhões e R$ 224 milhões, respectivamente, em 20201. 

Em síntese, a política agrícola brasileira é eficiente em seus instrumentos, alavanca a competitividade, amplia a renda e está fazendo com que o Índice de Desenvolvimento Humano nas regiões agropecuárias cresça mais do que em outras regiões do país. E é uma política barata, com baixo custo para o Governo Federal e para a sociedade. 

O custo total foi de R$ 9,5 bilhões para atender 5 milhões de estabelecimentos rurais no país. A título de comparação, o programa Bolsa Família em 2019 (portanto, antes da pandemia) mobilizou R$ 32 bilhões. O orçamento do programa Auxílio Brasil para 2022 é de R$ 90 bilhões. Os gastos com a política agrícola corresponderam a apenas 0,84% do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) de R$ 1,13 trilhão em 2021.

4. DIRETRIZES DE política agrícola PARA UMA SAFRA RECORDE EM 2022/2023

Em 2022, a formulação da política agrícola para a safra 2022/2023 ocorrerá em um ambiente de mudanças profundas, decorrentes de:

  • Os reflexos da pandemia iniciada em 2020 sobre o emprego e a renda e os programas de apoio para a redução da insegurança alimentar das famílias no Brasil e no mundo;
  • O virtual choque de demanda com o aumento da liquidez mundial e a desorganização das cadeias globais de suprimentos (de matérias primas a chips);
  • A elevação das taxas de juros pelos Bancos Centrais dos principais países, tendo o Brasil saído na frente com a elevação da taxa básica de juros (Selic) de 2,0% no início de 2021 para 12,75% em maio de 2022;
  • Novo choque de preços das commodities (alimentos, minerais e energia) e os problemas decorrentes de abastecimento de insumos (especialmente os fertilizantes) resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia;
  • Os problemas climáticos que afetaram a safra de grãos da região Sul do Brasil. A produtividade caiu cerca de 20% e a produção diminuiu 14 milhões de toneladas em relação a` colheita de 2020/2021; 
  • O aumento em torno de 50% da necessidade de capital de giro para o custeio da produção agropecuária, em função da elevação dos custos de produção; 
  • Os desafios da política econômica, o crescimento reduzido e a perda de poder de compra das famílias, além do clima político em função das eleições de 2022.

Nesse contexto, é fundamental viabilizar a expansão da área plantada para que o Brasil possa colher uma safra superior a 300 milhões de toneladas em 2023 e, assim, contribuir para a regularização do quadro de oferta mundial e a consequente queda dos preços dos alimentos. A demanda por alimentos produzidos no Brasil é enome. E aabe ao país um papel central na redução do quadro de insegurança alimentar global. O Brasil não pode dar as costas para o mundo.

“Há casos em que a economia está em crise e o mercado está saturado, mas quando os fatores do ambiente externo são favoráveis e a empresa permanece em níveis estagnados, isso é um sinal de falha administrativa e curta visão no planejamento estratégico da empresa” (Theodore Levitt, autor de Miopia em Marketing).
 

Nessa perspectiva, os formuladores da política, especialmente no executivo, no Congresso Nacional e nas entidades do setor privado devem considerar que:

  • O Governo Federal não pode fazer ajuste fiscal em cima da agricultura. A agricultura já está “ajustada”, pois os gastos com a política agrícola são pequenos. Ou seja, o governo deve atuar no controle de gastos desnecessários e garantir os recursos necessários para a política agrícola na safra 2022/2023. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estima uma necessidade de recursos orçamentários para equalização de R$ 21,8 bilhões;
  • Deve-se manter o direcionamento dos recursos para aplicação no crédito rural nas suas principais fontes, como os depósitos a vista, poupança, Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), fundos constitucionais e outros. Em que pese os impactos sobre a política monetária e o impacto sobre a taxa de juros para outros segmentos tomadores de crédito, as exigibilidades dos depósitos a vista (MCR 6-2), da poupança rural ((MCR 6-4) e da LCA (MCR 6-8) devem ser aumentadas para aumentar a oferta de crédito rural;
  • A prioridade ao crédito para a agricultura familiar (PRONAF) e para os médios produtores (PRONAMP) deve ser mantida e o crédito para comercialização deve ser estimulado, inclusive por meio do Certificado de Depósito Agropecuário e do Warrant Agropecuário (CDA-WA);
  • A elevação da taxa de juros no Plano Safra 2022/2023 deve ser moderada e ser definida em linha com a expectativa de inflação até junho de 2023;
  • Os recursos alocados ao PSR devem ser de R$ 2 bilhões em 2023 e devem ser determinandos como recursos obrigatórios no orçamento do Mapa. Assim, tais recursos não poderiam sofrer contingenciamentos em sua execução;
  • A PGPM deve ser integrada aos mecanismos de gestão de risco de preços, com os contratos futuros e de opções, negociados nos mercados organizados de bolsa e de balcão, eliminando de vez a intervenção física governamental nos mercados agropecuários; 
  • O sistema privado de financiamento da agricultura, iniciado em 1994 com a Cédula de Produto Rural (CPR) e ampliado com a lei 11.076/2004, que criou os títulos do agronegócio, deve ser estimulado, assim como outras fontes de financiamento (como as fintechs). Dessa forma, serão ampliadas as pontes entre o setor e o mercado financeiro e de capitais, no Brasil e no exterior.

Erros clássicos a serem evitados

A história da agricultura brasileira mostra erros clássicos de política econômica que precisam ser evitados a todo custo. Não há como retroceder ao passado, como os seguintes casos:

    i. Tributar a exportação (em outras palavras, “revogar” a Lei Kandir);
    ii. Impor controles quantitativos ou aplicar restrições na exportação;
    iii. Controlar preços da economia, de qualquer produto ou serviço;
    iv. Fechar a economia e impor barreiras à importação;
    v. Não priorizar a política para o acesso a mais mercados no exterior;
    vi. Tributar os títulos do agronegócio.

O agronegócio brasileiro é gigante e global, mas tem suas raízes fincadas no interior. As novas tecnologias (biotecnologia, comunicação, tecnologia da informação, entre outras) abrirão novas formas para o aumento global da produtividade no setor. A capacidade empreendedora dos produtores rurais é inconteste. A política agrícola brasileira precisa superar o estresse do momento presente e continuar focada na construção do futuro.
 

 

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