As características físicas do Pantanal, associadas à ocorrência das inundações anuais, propiciam uma grande produção natural de peixes, que é utilizada pela pesca, razão pela qual tornou-se uma das principais atividades econômicas, sociais e ambientais da região. Essa atividade é praticada em três modalidades, que também configuram os principais atores do setor: pesca profissional-artesanal, amadora (=esportiva) e de subsistência. O manejo ou gerenciamento da pesca, por sua vez, é capitaneado pelo poder público estadual e implica estabelecer regras valendo-se de medidas de ordenamento (petrechos permitidos, estabelecimento de tamanhos mínimos de captura, épocas de defeso, etc), que visam disciplinar essa atividade.
É amplamente aceito que o propósito fundamental do manejo é garantir a produção sustentável dos estoques ao longo do tempo, por meio de medidas de ordenamento que promovam o bem estar econômico e social dos pescadores e dos setores que se utilizam da produção. Contudo, R. Welcomme um dos maiores estudiosos da pesca de águas interiores em nível mundial, juntamente com outros autores, ampliaram esses conceitos, propondo que é necessário redefinir os papéis dos atores da pesca numa nova visão do manejo pesqueiro. Enquanto numa visão anterior a administração da pesca encontrava-se vinculada a um governo central e paternalista, que retinha as informações e assumia a responsabilidade de criar as leis e de exigir o seu cumprimento, as práticas modernas sugerem que muitas dessas responsabilidades agora cabem a instâncias menores de administração e aos próprios atores da pesca. Por sua vez, isto requer que os atores ajam baseados em um maior nível de conhecimento sobre os recursos pesqueiros, criando mecanismos para negociar entre si e com outros grupos os seus interesses. Um novo sistema, portanto, precisa ser configurado para capacitar esses atores no desempenho de suas novas obrigações. Welcomme comenta, ainda, que esses novos sistemas já existem numa certa extensão, mas é necessário buscar novos meios para capacitar os atores locais para o manejo e para solucionar os conflitos entre os diferentes interesses competitivos.
Dentro dessa nova visão, não devemos nos omitir e postergar o direito dos atores locais de participarem do manejo somente quando julgarmos que a sociedade esteja madura para tal. Esse amadurecimento só será alcançado como prática e fruto das discussões, embates e negociações dos interesses entre todos os atores da pesca, num sistema de administração pesqueira que contemple a participação efetiva dos mesmos em todas as etapas de planejamento, ações e avaliação, ou seja, na chamada "gestão participativa da pesca".
Uma das primeiras abordagens dessa nova visão no País foi aplicada no projeto "Administração dos Recursos Pesqueiros na Região do Médio Amazonas, Estados do Pará e Amazonas" - Projeto Iara em 1991, inserido no Programa "Planejamento Pesqueiro Artesanal" sob responsabilidade do IBAMA. Para subsidiar as ações de ordenamento pesqueiro na qual o Projeto Iara promoveu estudos integrados sobre a biologia e ecologia de espécies de peixes importantes para a pesca, tecnologias da pesca e do pescado, aspectos sócio-econômicos das populações ribeirinhas e dos pescadores, além de realizar ações de educação ambiental. Outro exemplo na América do Sul é a política de ordenamento de pesca e aqüicultura praticada na Colômbia. Esta também se orienta por princípios de sustentabilidade ecológica, social, cultural e econômica, permeada pela visão atual de manejo, enunciando explicitamente que "o propósito do desenvolvimento pesqueiro são as pessoas e não os meios (tecnologia, mercado, controle etc.), sem desconhecer que é necessário desenvolver os meios para se obter melhorias na qualidade de vida das pessoas".
Nesse sentido, os recursos pesqueiros do Pantanal, como um bem comum, devem ser utilizados de modo plural, por diferentes setores (atores) da sociedade. É preciso que a gestão da pesca aglutine esses setores, a fim de diminuir as diferenças e buscar o apoio de todos frente ao desafio maior de negociar com outros setores da sociedade (como por exemplo os setores da indústria, agropecuária e produção de energia), e evitar ações que venham a causar perda de qualidade ambiental que leva à redução da produção dos estoques pesqueiros e, por conseguinte, da quantidade de peixes disponíveis para a pesca.
No aspecto político, é preciso evitar que as relações de poder no âmbito da gestão da pesca nos Estados que compartilham o Pantanal privilegiem alguns setores da pesca em detrimento de outros. Deve-se buscar o equilíbrio na distribuição de oportunidades e benefícios entre os diversos segmentos sociais que utilizam recursos dessa natureza, em nível nacional e internacional, como discute o ensaísta político L. Coutinho num artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo sobre a distribuição de recursos entre as nações na política econômica mundial. O Autor adverte que essas relações devem ser revistas frente à reação dos setores excluídos, como temos observado pelas recentes e legítimas ações dos atores da pesca em Mato Grosso do Sul. Coutinho propõe uma reflexão sobre o arranjo das forças geopolíticas e econômicas mundiais em duas vertentes, que podem ser transpostas para a necessidade de uma nova visão do manejo pesqueiro no Pantanal: (1) como regular a economia (neste caso a pesca) para evitar os efeitos deletérios da instabilidade econômica e exclusão social? e (2) como construir um sistema compartilhado de ação e de solução de conflitos regionais e sub-nacionais dentro do respeito à soberania e aos direitos democráticos das nações - em nosso caso, do respeito aos direitos democráticos de todos os atores da pesca -?. Coutinho considera, ainda, que "a negligência neoliberal diante da necessidade de regular as relações econômicas, financeiras e geopolíticas entre as economias, sociedades e Estados nacionais já parece ter ido longe demais". Da mesma forma, estabelecendo um paralelo com a questão aqui discutida, é um direito imediato dos atores da pesca usufruírem uma gestão transparente, participativa e equilibrada para o setor em Mato Grosso do Sul.