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Soja brasileira, um negócio da China



Amélio Dall’Agnol

Responsável pelo ingresso de quase US$ 30 bilhões ou cerca de 15% de tudo o que o Brasil exportou em 2016, a soja ponteia soberana no horizonte do agronegócio nacional. Ela reina no lugar que já foi da cana-de-açúcar (Brasil Colônia) e do café (Brasil Império/República), e tudo indica que não cederá esse espaço tão cedo, de vez que o Brasil é a grande promessa de oferta adiciona futura desse grão dourado, dada a disponibilidade de imensas reservas de terras aptas para o seu cultivo. 

Em 2017, a soja comemora 135 anos de sua introdução no País. Ela entrou pelo Estado da Bahia (latitude 12ºS), onde fracassou como potencial cultura comercial na época, dadas as condições de baixa latitude dessa região para as variedades então disponíveis, todas desenvolvidas para as condições de elevadas latitudes dos Estados Unidos da América (EUA), onde prevalecem latitudes próximas ou superiores e 30°N, desde onde foram trazidas. Dadas as condições desfavoráveis para o seu desenvolvimento na Bahia, a soja permaneceu esquecida como cultura potencial para o Brasil, por mais de meio século. 

Foi somente a partir da década de 1940, quando testada para as condições subtropicais do extremo sul brasileiro Sul (latitudes de 25°S a 32°S), onde predominam condições climáticas semelhantes às do sul dos Estados Unidos (EUA), que a soja despontou como potencial lavoura para o Brasil. 

O primeiro registro de produção comercial de soja no Brasil data de 1941 (Brasil. Ministério da Agricultura. Serviço de Estatística Econômica e Finanças do Tesouro Nacional. Rio de Janeiro, RJ. 1941. v.2): área de 702 ha, produção de 457t e rendimento inferior a 700 kg/ha. Nesse mesmo ano, foi instalada em Santa Rosa, Rio Grande do Sul, a primeira esmagadora de soja do país. Ali, também, teve início o cultivo comercial da oleaginosa em território brasileiro. De 1941 para 1949 a produção evoluiu para 25 mil toneladas (t), para 100 mil toneladas em meados dos anos 50 e para mais de 1 milhão de toneladas (Mt) em 1969, a partir de quando a produção explodiu, alcançando cerca de 15 milhões de toneladas (Mt) em 1979. De produtor periférico, o Brasil foi catapultado para a segunda posição no ranking dos grandes produtores mundiais. Sua participação no bolo global da soja cresceu de 1% em 1960, para cerca de 33,5% em 2017, quando o País desfrutou a colheita recorde de 114 Mt.

Depois de ocupar praticamente todas as áreas disponíveis para o seu cultivo na Região Sul, a soja avançou com fúria sobre a despovoada e desvalorizada Região do Bioma Cerrado no meio-oeste brasileiro, transformando em realidade o sonho de converter a região num celeiro nacional. Em 1977, a soja era uma quase curiosidade no Brasil-Central. Respondia por apenas 7,13% da produção, mas claramente sinalizava na determinação de avançar sobre o ecossistema, apoiada pelos mesmos atores que haviam experimentado o sucesso com a sua exploração no sul do país. A partir dessa época, a produção de soja iniciou uma viagem sem retorno rumo ao centro-oeste, elevando a produção da região de 722 mil toneladas em 1978, para 69,7 Mt em 2017, uma produção quase 100 vezes superior. No mesmo período, a produção da região tradicional (RS, SC, PR e SP) também cresceu, mas incomparavelmente menos: aumentou cerca de seis vezes, passando de 7,3 Mt para 43.1 Mt.

As principais causas pelo rápido crescimento da produção na região tradicional foram os altos preços de mercado em meados dos anos 70, a boa adaptação das variedades introduzidas dos EUA na Região Sul e o perfeito casamento da soja com o trigo, permitindo um duplo cultivo no ano, utilizando a mesma infra-estrutura de armazéns, de máquinas e de mão-de-obra. Para a região central do País, o grande motivador para o deslanche da produção esteve vinculado ao baixo preço da terra, ao desenvolvimento de variedades adaptadas às condições de baixa latitude do Brasil central (Soja Tropical), à boa distribuição das chuvas no verão, à melhoria da infra-estrutura de rodovias e comunicações - no marco da construção da nova capital brasileira (Brasília) e ao bom nível econômico e tecnológico dos produtores que migraram do sul para o Cerrado. 

Na sua curta trajetória pelo Brasil, a soja enfrentou problemas que foram rapidamente solucionados pela pesquisa nacional. Nos anos 60, embora a pesquisa fosse pouca e concentrada – como a própria soja - no sul do País, os problemas também eram poucos. Os mais importantes foram a falta de boas variedades, o controle de plantas daninhas, o percevejo verde e a lagarta da soja. As doenças não eram consideradas um problema sério e, portanto, quase negligenciadas. Pústula bacteriana e Fogo selvagem constituíram os problemas fitossanitarios mais sérios e foram facilmente controladas com a incorporação de resistência varietal. 

Nos anos 70, a pesquisa com soja foi fortalecida com o estabelecimento da Embrapa Soja (Londrina, PR) e por outras unidades de pesquisa, com destaque para a Emgopa, em Goiás, e a Embrapa Cerrados, no Distrito Federal. Variedades adaptadas para as condições do Brasil-Central e resistentes à nova doença denominada de Mancha-olho-de-rã foram desenvolvidas e disponibilizadas ao setor produtivo da região. 

O bom preço da soja em meados dos anos 70 favoreceu excessos no uso de pesticidas, problema resolvido com a implementação do programa Manejo Integrado de Pragas (MIP), o que reduziu de cinco para duas a média anual de pulverizações com inseticidas. Infelizmente, o programa perdeu força e os agricultores estão voltando ao passado, com pulverizações calendarizadas.

Os anos 80 foram muito produtivos no desenvolvimento e oferta de boas variedades para a região do Cerrado e no final dessa década surgiu o Cancro-da-haste, a mais devastadora doença da soja registrada até então. Felizmente, a existência de fontes de resistência no banco de germoplasma da Embrapa permitiu que o mal fosse prontamente sanado, via incorporação de resistência nas variedades comerciais. 

Nos anos 90, a soja continuou a expandir-se aceleradamente pelo Cerrado e com ela foram aparecendo novos problemas como o nematoide de cisto (início dos anos 90) e a Ferrugem Asiática (2001), presentemente a mais importante doença da soja no mundo. Para o nematóide de cisto, a pesquisa já disponibilizou variedades tolerantes ao problema, mas não vislumbra solução fácil para o problema da Ferrugem, visto que não foi encontrada, ainda, uma boa fonte de resistência à doença. A solução, em curto prazo, é o tratamento com fungicidas.

Atualmente, a pesquisa está concentrando esforços com o desenvolvimento de cultivares transgênicas, incorporando novos genes, não apenas aqueles que conferem características para resistência a herbicidas (soja RR) e insetos-praga (soja Bt), mas, também, variedades com melhores características nutricionais (óleo de melhor qualidade, características terapêuticas,  resistência ao déficit hídrico, entre outras. 

O futuro da soja brasileira é promissor. As perspectivas do mercado internacional são boas. O Brasil tem potencial para incrementar sua produção e atender ao esperado aumento da demanda mundial. Realizando um exercício de prospecção sobre o que acontecerá com a soja brasileira, tomando como base a realidade atual, parece pertinente afirmar que:
•    a demanda mundial por soja crescerá no ritmo das três ultimas décadas, de vez que a população humana, no curto e médio prazos, continuará crescendo, e precisando de mais alimentos;
•    o poder aquisitivo da população vem aumentando em quase todas as nações do Planeta, destacadamente no Continente Asiático, onde se concentra o maior contingente de humanos; 
•    usos industriais não alimentícios do grão de soja, como biodiesel, tintas, vernizes, lubrificantes, detergentes, adesivos, entre outros, aumentarão a demanda pelo grão da oleaginosa à medida que os países se conscientizam dos riscos do CO2 produzido pela queima de combustíveis fósseis, causadores do efeito estufa. 
•    o consumo interno de soja deverá crescer, estimulado por políticas oficiais destinadas a aproveitar o enorme potencial produtivo do País, que está excessivamente dependente do mercado externo, destino de mais de  70% dos produtos do complexo soja brasileiro;
•    o protecionismo e os subsídios disponibilizados à soja pelos países ricos tenderão a diminuir por pressão dos países que integram a Organização Mundial do Comércio, aumentando, conseqüentemente, os preços internacionais e estimulando a produção e as exportações brasileiras;
•    a produção de soja dos principais concorrentes do Brasil (EUA e Argentina) tenderá a estabilizar-se e reduzir-se por falta de áreas disponíveis para expansão em seus territórios ou precisando ocupar áreas marginais;
•    a cadeia produtiva da soja brasileira, excessivamente onerada por uma cascata de impostos, poderá ser desonerada para incrementar a sua competitividade no mercado externo, de vez que o País convive com a necessidade de exportar mais, para almejar uma posição mais justa no mercado global;
•    a produção de soja no Brasil tenderá a concentrar-se cada vez mais em grandes propriedades do centro-oeste, onde o uso intensivo de tecnologia é uma prática rotineira e, como resultado, a produtividade é maior. Por falta de competitividade, a produção de soja das pequenas e médias propriedades da Região Sul tenderá a ser substituída por atividades agrícolas mais rentáveis (mais intensivas no uso de mão-de-obra), como produção de leite, criação de suínos e de aves, cultivo de frutas e de hortaliças, ecoturismo, entre outras; e
•    o Brasil deverá ser o grande provedor do esperado aumento da demanda mundial de soja, por possuir, apenas no ecossistema do Cerrado, mais de 50 milhões de hectares de terras ainda selvagens ou com pastagens degradadas e aptas para a sua imediata incorporação ao processo produtivo de soja e outros grãos. O mercado ditará a velocidade com que isso acontecerá. A área cultivada com soja nos Estados Unidos, na Argentina, na China e na Índia, que juntos com o Brasil produzem mais de 90% da soja mundial, só crescerá em detrimento de outros cultivos (milho, girassol, sorgo e pastagens, principalmente), pois suas fronteiras agrícolas, diferentemente do Brasil, estão quase ou totalmente esgotadas.
 

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