De acordo com a FAO, a agricultura ocupa 5 bilhões de hectares, representando 38% da superfície terrestre do planeta (bit.ly/3XEqcEJ). Segundo o relatório de 2024 do Research Institute of Organic Agriculture (FIBL) e da Organics International (IFOAM), entidades internacionais voltadas à agricultura orgânica, ela é praticada em 188 países, com área estimada de 96 Mha, envolvendo cerca de 4,5 milhões de agricultores (bit.ly/4eFJO1m). A agricultura orgânica ocupa 2% da área agrícola mundial, e as regiões com maior produção orgânica são a Oceania (53,2 Mha), a Europa (18,5 Mha), a América Latina (9,5 Mha) e a América do Norte (3,6 Mha)
O valor da produção orgânica mundial em 2022 foi estimado em US$ 195 bilhões (bit.ly/4cyB5fJ). Isso representa cerca de 2,43 % do valor global da produção de alimentos, estimado pelo Banco Mundial em US$ 8 trilhões, o equivalente a 10% do PIB mundial (bit.ly/3KZuO0P).
Tamanho do mercado
Expresso em dólares per capita, por ano, o principal mercado consumidor de produtos orgânicos é a América do Norte (US$ 171), seguido pela Europa (US$ 64) e pela Oceania (US$ 34). Na Europa, os países com consumo mais elevado são a Suíça, Dinamarca, Áustria, Luxemburgo e Suécia. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a renda per capita anual dessas regiões são: América do Norte (US$ 60.859); Europa (US$ 34.706); Oceania (US$ 63.809) (bit.ly/45GqT2v). Conforme as Nações Unidas, a renda per capita anual dos países citados é: Suíça (US$ 93.525); Dinamarca (US$68.037); Áustria (US$ 53.840); Luxemburgo (US$ 133.745); Suécia (60.730) (bit.ly/3XKFSpY).
O consumo per capita mundial de produtos orgânicos é de US$ 16,88/ano (bit.ly/45D4XVO). Continentes com renda per capita mais baixa, como América do Sul (US$ 11.351), Ásia (US$ 8.388) e África (US$ 2.370) apresentam baixo consumo de produtos orgânico. Os valores expostos acima referendam o senso comum de que os produtos da agricultura orgânica se destinam à elite econômica da população, uma vez que o seu custo é sempre superior aos produtos da agricultura convencional.
A agricultura orgânica tem em sua gênese a ambição de oferecer alimentos inócuos, mais saudáveis, saborosos e amigáveis ao meio ambiente. Os padrões estabelecidos para a produção orgânica variam de país para país, porém alguns princípios são universais, como reciclagem de nutrientes, equilíbrio ecológico e conservação da biodiversidade (bit.ly/4cyB5fJ). No entanto, nem sempre isso ocorre, à luz dos fatos comprovados pela Ciência.
Inocuidade
Recentemente publicamos um texto no qual questionamos a afirmativa, comum nas redes sociais, de que agrotóxicos não são utilizados na produção orgânica (bit.ly/4d3qyc0). Na realidade, não são permitidos os pesticidas sintéticos. No artigo, analisamos em pormenores os riscos toxicológicos dos agrotóxicos ditos naturais, utilizados na agricultura orgânica, razão pela qual não tornaremos a abordar o tema.
Porém, é importante ressaltar que, apesar da proibição de uso de agrotóxicos sintéticos na agricultura orgânica, resíduos desses pesticidas têm sido encontrados em produtos certificados como orgânicos. Em recente monitoramento (bit.ly/4cxout6), o USDA (EUA) verificou que 26% das amostras de alimentos orgânicos apresentavam resíduos de pesticidas sintéticos, sendo 9% deles em níveis inseguros. Em 1% das amostras foram encontrados 4 ou mais agrotóxicos em níveis inseguros. Também foram encontrados resíduos de mais de 10 agrotóxicos diferentes em 1% das amostras de produtos orgânicos.
Há, também, o risco de contaminação biológica. Um exemplo clássico ocorreu na década passada, em que diversos consumidores foram a óbito na Alemanha, em 2011, devido ao consumo de brotos de feijão contaminados com Escherichia coli, produzidos em uma fazenda orgânica no norte da Alemanha. O surto de E. coli, uma bactéria que causa diarreia com sangramento e pode ocasionar insuficiência renal, levou a óbito 31 pessoas e infectou milhares de outras. Outros casos de contaminação de produtos orgânicos com microrganismos patogênicos podem ser verificados em bit.ly/3xwD6Kt.
Saudáveis
Existem diversos artigos científicos questionando a alegação de que produtos orgânicos são mais saudáveis que convencionais. Um deles é assinado pelo Dr. Luis Madi, do Instituto de Tecnologia de Alimentos de São Paulo, e demonstra que não há evidências científicas suficientes para afirmar que esses alimentos são superiores aos convencionais (bit.ly/3MFqGE7). Assim, crenças dos consumidores, como presença maior de nutrientes e vitaminas e melhor sabor, não foram comprovadas no estudo comparativo de propriedades de alimentos com origem de distintas formas de produção agrícola.
Uma equipe liderada pela Profa. Smith Spangler, da Universidade de Stanford, publicou um artigo na revista Annals of Internal Medicine, revisando 17 estudos realizados em humanos e 223 estudos de nutrientes presentes em alimentos (bit.ly/4eD0Wow). Os autores concluíram que esses estudos, publicados na literatura científica, não apresentam evidências que alimentos orgânicos sejam mais nutritivos que os convencionais.
As professoras Arabella Hayter e Elizabet Allen examinaram 162 estudos contendo comparações entre produtos orgânicos e convencionais. Sua conclusão final foi a ausência de evidências de diferenças na qualidade nutricional entre alimentos produzidos de forma orgânica ou convencional (bit.ly/3xmJwfj).
O Dr. Alan Dangour, avaliando 52.741 artigos científicos, afirmou não ser possível concluir que exista diferença no teor de nutrientes entre alimentos produzidos por sistemas orgânicos ou convencionais. Seu trabalho, publicado na revista American Journal of Clinical Nutrition, (bit.ly/3W0rQ2A) chegou à mesma conclusão de outro estudo, publicado na mesma revista, no ano seguinte (bit.ly/45Mm9IM).
O Centro Dinamarquês de Pesquisa para Agricultura Orgânica financiou um estudo para determinar o valor nutricional dos produtos orgânicos versus alimentos convencionais realizado pela Universidade de Copenhague. Foram estudas as culturas de cenoura, couve, ervilha madura, maçã e batata, cultivadas de forma orgânica e convencional, nas mesmas condições. A líder do estudo, Dra. Susanne Bugel, concluiu que não houve diferenças sistemáticas entre as culturas e, assim, o estudo não apoiou a crença de que os produtos cultivados organicamente são nutricionalmente superiores (bit.ly/3XD7opm).
Mais saborosos
Um artigo publicado por Seth Wynes sob o título “Does organic food taste better“ (bit.ly/45WiW9H) relata diversos estudos que concluem ser muito difícil – normalmente impossível – diferenciar o sabor de produtos orgânicos dos convencionais.
Pesquisadores da Universidade Cornell solicitaram a 115 voluntários que avaliassem o sabor de três alimentos (bit.ly/4cCy7qo). Todos foram cultivados organicamente, mas um deles foi rotulado como convencional. A maioria dos voluntários afirmou que os alimentos rotulados como orgânicos tinham melhor sabor, menos calorias e eram nutricionalmente superiores. O rótulo “orgânico” fez diferença na percepção do consumidor sobre a qualidade e o sabor do alimento, um fenômeno conhecido na psicologia como “efeito halo” (bit.ly/4ekYxxE).
Em 20 de outubro de 2014, dois brincalhões holandeses realizaram um evento semelhante ao relatado acima, durante uma exposição de alimentos orgânicos, promovendo sua “nova alternativa orgânica ao fast food”. Eles compraram alguns alimentos clássicos do McDonald's, reconfiguraram a embalagem para parecer “natural” e serviram a vários “especialistas”. As respostas foram exatamente o que se esperaria do efeito halo associado à palavra orgânico. Veja o vídeo em youtube.com/watch?v=4Qa6QXBxxWw.
Amigáveis ao ambiente
Não necessariamente a produção orgânica é mais ambientalmente favorável que a convencional. A Dra. Hanna Tuomisto, da Universidade de Oxford, coordenou uma revisão de 109 artigos científicos intitulada “Does organic farming reduce environmental impacts?” (bit.ly/4csDJUo). Sua conclusão é que a agricultura orgânica, comparada à convencional, apresenta maiores emissões de amônia e de óxido nitroso, maior lixiviação de nitrogênio, potencial mais elevado de eutrofização e acidificação do solo por unidade de produção.
Em 2016 a revista New Scientist publicou o texto “Stop buying organic food if you really want to save the planet”, assinado por Michel Le Page, (bit.ly/3XF1iFk). O autor argumenta que a menor produtividade, bem como sua dificuldade de cultivo em condições adversas, torna a produção orgânica maior emissora de gases de efeito estufa que a convencional. Repercutindo o assunto, o jornal El País publicou reportagem, em sua edição brasileira, com o título “Deixe de comprar comida orgânica se quiser salvar o planeta”, acompanhada de subtítulo “Consumir orgânico não faz de você amigo do meio ambiente: é uma ameaça para as florestas tropicais” (bit.ly/3zaj34T).
No texto, o jornal espanhol cita experimentos do pesquisador Emilio Montesinos, da Universidade de Girona (Espanha), exemplificando as dificuldades do controle da sarna-da-maçã no sistema orgânico, comparadas ao plantio convencional. A ineficiência dos agrotóxicos permitidos na produção orgânica – o bicarbonato de potássio, o enxofre e o caulim – exigem doze ou mais aplicações na lavoura, contra duas a cinco, com fungicidas sintéticos bem mais eficazes, usados na agricultura convencional (bit.ly/4ftPBqU).
Um estudo publicado na revista Nature mostrou que se toda a produção agrícola da Inglaterra e do País de Gales fosse convertida em orgânica, a produtividade dos alimentos cairia pela metade. Para compensar a perda da produção local, seria necessário importar muito mais alimentos do resto do mundo, ao tempo em que haveria aumento nas emissões de gases de efeito estufa (bit.ly/3UO4AEb).
Produtividade
Ressalvando-se as exceções, a agricultura orgânica apresenta níveis médios de produtividade inferiores aos cultivos convencionais. Isto se deve a diversos fatores, porém, especialmente por controle deficiente de pragas e nutrição inadequada das plantas.
Um estudo exaustivo, publicado na revista Nature, intitulado “Comparing the yields of organic and conventional agriculture”, ateve-se à produtividade da agricultura orgânica. A cientista canadense Verena Seufert e seus colaboradores concluíram que, quando comparados ao padrão tecnológico médio, a produção orgânica é 34% menos produtiva, por hectare cultivado, que a convencional (bit.ly/3JPto8n). Outro estudo (bit.ly/3zlDbRW) mostrou que a agricultura orgânica produz 18,4% menos, na mesma área, se comparada à convencional. A agricultura orgânica também apresenta menor estabilidade temporal (-15%) por unidade produzida, do que a agricultura convencional (bit.ly/3XGnyym).
Raciocinando pelo extremo, e supondo uma conversão do modelo mundial de agricultura convencional para produção orgânica, haveria, de imediato, forte redução na oferta de alimentos, afetando a segurança alimentar da civilização, com aumento generalizado do preço dos alimentos. E, além disso, significaria maior emissão de gases de efeito estufa, pela necessidade de derrubar matas ou outras formas de vegetação nativa, para compensar a menor produtividade. Isso se ainda forem encontradas novas áreas disponíveis para expansão.
A menor produtividade da agricultura orgânica é o principal motivo para o encarecimento de alimentos orgânicos, o que restringe seus consumidores à elite econômica, que pode arcar com o seu custo mais elevado.
Em resumo, produtos orgânicos possuem seus benefícios. Mas, é necessário atentar para as alegações que são efetuadas, que nem sempre correspondem à verdade demonstrada pelos estudos científicos.
O autor é engenheiro agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.