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Impenhorabilidade da Pequena Propriedade Rural


Marcella Leite de Andrade Vieira

Impenhorabilidade da Pequena Propriedade Rural

A proteção constitucional e estratégias para a sua efetivação

 

Marcella Leite de Andrade Vieira, advogada, sócia do ALE Advogados.

 

Não é segredo que a atividade rural tem como característica um risco superior às demais atividades empresariais, porque envolve não somente o risco de mercado, pelas variantes que abrangem os custos de produção, como também o risco agrobiológico, que inclui a impossibilidade de controle de fatores naturais que influenciam diretamente no desenvolvimento e na produtividade.

O risco inseparável do assunto torna muito difícil o controle das dificuldades e desafios que serão enfrentados, de modo que o produtor se vê obrigado a adotar mecanismos articulados de controle de risco e medidas que possam aliviar possíveis prejuízos para, então, tentar se proteger dos eventos adversos da produtividade, submetida ao ciclo biológico, riscos da natureza e limites naturais, além da instabilidade do mercado.

Contrair dívidas para dar início aos preparativos e fazer a atividade acontecer é, muitas vezes, a única opção do produtor rural, que depende de crédito para o custeio e investimentos periódicos.

Por sua vez, a busca de empréstimos junto às instituições financeiras condiciona o produtor a dar bens em garantia e não é incomum que a garantia de pagamento seja a pequena e única propriedade rural do produtor. Nesse contexto, além de enfrentar riscos gigantescos, o produtor rural passa a ter a preocupação de perder a sua única propriedade caso a dívida do financiamento não seja quitada.

Justamente por se tratar de uma grande variedade de riscos que fogem do controle do empresário rural, nem sempre a prévia gestão das adversidades é suficiente a garantir a estabilidade desejada na produção. A imprevisibilidade dos fatores de risco pode colocar o produtor em momentos de crise que, não raras as vezes, impossibilitam o cumprimento de todos os compromissos financeiros firmados.

Assim, o risco da atividade agrícola pode fazer com que o produtor não quite o empréstimo. Isso não quer dizer que o produtor deixa de pagar a dívida que livremente contraiu por não observar a boa-fé ligada à relação negocial, pelo contrário, o inadimplemento decorre de questões que fogem do seu controle. Não é à toa que um dos principais assuntos do meio agropecuário tem sido a possibilidade de o produtor rural se utilizar da recuperação judicial como ferramenta para reorganização do seu negócio.

Com o bem dado em garantia e a inadimplência, os credores irão tomar todas as providências necessárias para, de uma forma ou de outra, conseguirem a quitação da dívida. Por consequência, os credores se recorrem ao Poder Judiciário para consolidar a propriedade do bem dado em garantia em favor da instituição credora.

Porém, existe um fator de crucial relevância nos casos em que o bem dado em garantia é a pequena propriedade do produtor rural, que, por não conseguir conter os prejuízos que decorrem dos riscos da dinâmica da atividade, não conseguiu honrar o compromisso financeiro.

A Constitucional Federal reconhece a função social da propriedade rural, trazendo a sua proteção quando o bem é utilizado pela própria família para prover o sustento, de forma a garantir a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família. Impedir que o bem seja afetado é uma forma de resguardar o meio de sustento e moradia digna de trabalhadores que utilizam o bem para a manutenção da subsistência.

Ainda que a Constituição Federal não defina o que de fato se trata de pequena propriedade, o Estatuto da Terra indica que "Propriedade Familiar" diz respeito ao imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros.

A lei define também como "Imóvel Rural" o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.

Acerca da exata dimensão da pequena propriedade, a Lei de Reforma Agrária estabeleceu como pequena propriedade aquela que não ultrapassa 04 (quatro) módulos fiscais do município no qual está localizada.

Como módulo rural entende-se "a área mínima, em determinada zona, considerada necessária à produção da renda capaz de sustentar o grupo doméstico, variável em função do tipo de exploração, das condições ecológicas e outros fatores” (GOMES, 2008).

Diante desse conjunto de normas, o Supremo Tribunal Federal decidiu que "É impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização" (ARE 1038507).

A garantia constitucional da impenhorabilidade também é resguardada em casos em que a pequena propriedade rural trabalhada pela entidade familiar foi oferecida em garantia hipotecária pelos proprietários, sendo igualmente um meio de preservar a dignidade da pessoa humana e o patrimônio mínimo capaz de manter a subsistência da família.

Caso se permita que o bem seja penhorado e futuramente transferido ao credor, retira-se dessa entidade familiar os meios garantidores do mínimo existencial e, portanto, da dignidade, valor este superior aos interesses dos credores que podem se utilizar de outros meios para a satisfação da dívida. Daí porque a garantia constitucional que protege a pequena propriedade rural encontra tamanha relevância, pois resguarda bens indispensáveis à vida humana.

Assim, se inserida nessa dimensão, a pequena propriedade rural que é utilizada pela família como meio de sustento poderá ter a proteção garantida para afastar possíveis penhoras de credores, enquanto a propriedade que ultrapassar os 04 (quatro) módulos fiscais terá uma proteção parcial, limitada à dimensão descrita em lei.

Para o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural não é necessário que o imóvel seja a moradia do devedor, apenas que seja comprovado que ele possui o tamanho acima mencionado e é o meio de sustento do executado e de sua família, que nele desenvolve a atividade agrícola.

Mas, não basta que o produtor saiba apenas da existência dessa proteção constitucional, porque ela não se aplica de forma automática. Isso quer dizer que, cabe ao produtor rural comprovar, através de provas consistentes, que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural, da mesma forma que deve comprovar a exploração familiar com finalidade produtiva da terra.

Para isso, é necessário que o devedor que esteja respondendo por alguma dívida em Juízo se atente a uma orientação adequada para reunir a documentação necessária e apta a esta comprovação, sob pena de ter a proteção constitucional afastada exclusivamente porque a estratégia processual foi desprezada.

A utilização da propriedade como meio de trabalho pelo executado e de sua família pode até mesmo ser comprovada pela própria natureza da dívida, contraída em prol da atividade produtiva desempenhada no imóvel, porém, é importante formar um conjunto de provas sólido, que poderá ser apresentada a qualquer tempo, desde que antes da efetiva expropriação do bem, momento em que a propriedade se consolida em favor do credor.

Estando comprovado que o bem imóvel dado em garantia se trata de pequena propriedade utilizada pelo produtor e sua família como fonte de sustento mediante o exercício da atividade rural desenvolvida no local, não deve ser admitida a penhora e expropriação do bem, que, caso contrário, retiraria por completo do grupo familiar as condições mínimas de realização da atividade e do próprio sustento.

Portanto, tão importante quanto saber que o produtor rural está amparado nesse contexto para não perder a sua propriedade, é também saber que tal proteção somente será alcançada quando os requisitos estiverem efetivamente comprovados. Tal noção deve estar acompanhada de uma postura ativa do produtor, que é a de buscar advogados qualificados para a melhor orientação.

 

Para verificação do módulo fiscal de um Município, clique aqui: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/area-de-reserva-legal-arl/modulo-fiscal

 

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19a ed. atual. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 122.

 

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