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Gradeação ecológica



Francisco Graziano Neto

A família Monteiro reside, há 30 anos, em Campo Grande. Seus próceres, Marcela e Zeito, agrônomos, criam gado no Pantanal. Idealistas, inventaram uma nova técnica: a “gradeação ecológica”. Mostram como, na prática, se compatibiliza pecuária com preservação ambiental.
O simpático casal, formado na Esalq, em Piracicaba, conta com o auxílio dos três filhos, também agrônomos. Naquela terra alagada do Mato Grosso do Sul, cheia de matadores de onça, defender a natureza soa estranho. Afinal, derrubar a mata ainda continua a ordem do insustentável progresso. Mas a família Monteiro insiste. Na fazenda S. João, produzir não significa depredar.

A planície pluvial do Pantanal, chamada de “chaco” no Paraguai e Bolívia, mede o tamanho do território paulista. O lado brasileiro ocupa 60% do curioso ecossistema, distribuindo-se entre Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%). Bioma riquíssimo em biodiversidade, sofre a terrível ameaça predatória da civilização.

Cerrados ralos e cerradões constituem a vegetação elevada, formando matas fechadas conhecidas como cordilheiras. Estas se entremeiam com os típicos campos do Pantanal, terras baixas, alagadas temporariamente durante a cheia. Lagoas coalhadas de jacarés permeiam campos e cordilheiras, trazendo aspecto impar à região. Soberba biodiversidade.

Curiosamente, pequenas elevações do terreno, murunduns de superfície arredondada, se destacam na paisagem dos campos. Chamados de capões, essas proeminências do terreno, contendo minúsculos bosques, permanecem fora d’água mesmo no período das chuvas. Os adorna, invariavelmente, um cupinzeiro.

Aqui nasceu a gradeação ecológica. Normalmente, ao ser aberta para a pecuária, essas áreas de campo pantaneiro são devastadas pela lâmina, ou correntões, do trator. Tenta-se nelas reproduzir a formação de pastagens típicas do cerrado seco. Dá errado. Os pastos apresentam baixa produtividade, o gado pouco engorda. Enfraquece o capim.

Na fazenda São João, ao contrário, os capões e sua vegetação são integralmente mantidos, utilizados como refúgio de fauna e flora. Um trator de pequeno porte os rodeia, sem machucar os murunduns. O campo baixo é, numa operação conjunta, gradeado e semeado com sementes de Braquiária humidicola, gramínea que sobrevive mesmo quando os campos ficam cobertos por uma lâmina d’água.

A técnica, simples, eleva a produtividade sem alterar significativamente o ecossistema. O equilíbrio natural se mantém, as águas fluem. O atesta a bicharada. Mamíferos e aves pastam junto com o gado. Na cheia, os murunduns, preservados, secam as patas do gado. Viram locais de descanso.

A experiência técnica dos Monteiros, conhecida e relatada pela Embrapa de Campo Grande, pode evoluir. Os agrônomos pensam agora em substituir a grade pelo plantio direto, reduzindo a escarificação do terreno virgem. A gramínea exótica formará um consórcio com a pastagem natural. Zero de desmatamento, mínimo impacto ambiental.

Hoje, 22 de abril, é o Dia da Terra. Criada a partir dos protestos ecológicos liderados por Gaylord Nelson, Senador norte-americano, a data acabou adotada internacionalmente desde 1990. Na comunidade agronômica, a comemoração se soma àquela lembrada no Dia Mundial da Conservação do Solo, passado em 15 de abril.

O solo é patrimônio da Humanidade. Sua erosão, provocada pelo cultivo inadequado, é a pior chaga da agricultura. Quando chuvas torrenciais encontram o solo descoberto, provocam enxurradas que lavam a superfície do terreno, carregando a fertilidade, roubando a produtividade das lavouras. A lama marrom machuca o solo, marcando-o com feias e profundas cicatrizes, as profundas voçorocas.

Nas regiões tropicais, especialmente, o desmatamento expõe o terreno, coberto de secular húmus, à força da intempérie. Nisso reside o pecado capital. Trazidas da Europa, as técnicas de cultivo baseadas na aração do solo, próprias para regiões temperadas, mostram-se desastrosas nos países do Hemisfério Sul. Curvas de nível e terraços, projetados pela boa agronomia desde os anos 60, ajudam a combater o mal da erosão. Mas a verdadeira solução chegou apenas recentemente, através do plantio direto na palha, tecnologia revolucionária que promove a semeadura sem passar o arado nem a grade no terreno. O solo se mantém estruturado, coberto, protegido.

Quem conhece os rios do Pantanal, como o Coxim e o Taquari, se assusta com a quantidade de praias que cresceram em suas margens. Eles, porém, não nasceram assim assoreados. Toda aquela areia acabou ali depositada devido à erosão do solo acometida em suas cabeceiras. Derrubados os cerrados à montante, em S. Gabriel ou Rio Verde, milhões de toneladas da camada superficial do solo rodaram água abaixo.

O desprezo para com a natureza, rompendo seus ciclos fundamentais, exibe certa arrogância humana. É certo que o desenvolvimento da agricultura e da pecuária permitiu a evolução. Entretanto, o avanço tecnológico, estimulado pelo desmesurado crescimento populacional, fez o homem imaginar que tudo conseguiria. O problema ecológico advém dessa prepotência, somada à cobiça.

A gradeação ecológica no Pantanal significa um recuo humilde, e inteligente, na exploração rural. Há que se respeitar os ciclos da natureza, entendendo-os convenientemente para deles se aproveitar, sem os destruir. Isso é desenvolvimento sustentável.

Hoje também se comemora o descobrimento do Brasil. Após séculos, o Pantanal está sendo redescoberto. O turismo ecológico valoriza o colar vermelho, e vivo, do tuiuiú. Os pecuaristas modernos investem no gado ecológico. Falta apenas salvar a coitada da onça.

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