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Desfile do campo



Francisco Graziano Neto

Começou, pra valer, o ano de 2008. No Brasil, todos sabem, funciona assim. Até o carnaval as coisas andam mornas, nada se define. Passa a folia, entretanto, a vida embala. Hora de pensar no futuro.
Esse marasmo pré-carnavalesco é típico da política. Com o Congresso Nacional em recesso, Brasília se acalma e o país esquece seus dramas democráticos. Rara exceção, todavia, ocorreu este ano: uma Ministra da República, justo a da Igualdade Social, acabou demitida antes da patuscada. Também, pudera, exagerou na farra, do cartão corporativo. Perdeu a avenida do poder.

O período de férias escolares ajuda a criar esse ritmo de espera. No comércio, após a correria das festas natalinas, chega o momento de arrumação da casa, poucas vendas, descanso merecido. Na indústria, máquinas a meia carga. Começo de ano, a praia se agita. A cidade se acalma.

No campo é diferente, tudo se aquece. Agricultor trabalha sem parar desde novembro, época de plantio da safra. O tempo esquenta, chegam as chuvas, cresce o mato, aumentam as bicheiras no gado. Final de ano, até março, trabalhador rural não pode parar. Se bobear, perde a produção.

O carnaval chega, distrai o produtor rural, mas ao contrário do mundo urbano, não paralisa nada. Em fevereiro as lavouras estão florescendo e granando. Quem plantou mais cedo, variedade precoce, já prepara a cultura de inverno. Jornada dupla, sem descanso remunerado.

Passada a ressaca, premiadas as campeãs do carnaval, a sociedade inteira desperta. A economia engata marcha a pleno vapor. Vale perguntar: como anda a agropecuária brasileira?

No geral, boa performance. Esse ano poderá configurar importante recuperação da renda agregada no campo. Com dólar baixo, custos de produção se mantiveram. O preço das commodities anda supimpa. Cresce a demanda. Corre bem o regime de chuvas.

Na agricultura energética, continua positiva a expansão dos canaviais, embora tenha passado aquela euforia, exagerada, do ano passado. Naqueles dias, com Bush por aqui e Lula chamando os usineiros de heróis, parecia que o etanol iria estourar. Se todos os investimentos anunciados, muitos estrangeiros, tivessem se materializado, álcool jorraria na esquina da avenida.

A economia, entretanto, logo se regulou. Internamente caiu o preço da cana-de-açúcar, reduzindo a rentabilidade do fornecedor. Os europeus anunciaram que pretendem, mesmo, cobrar responsabilidade ambiental da produção, esfriando o comércio. Enfim, a agenda do etanol não configura aquela maravilha alardeada, e o planejamento estratégico do setor trabalha com cenários distintos daquele imaginado no carnaval passado. Felizmente. Curiosamente, em meio às incertezas, os usineiros, juntos com o governo paulista, descobriram o imenso valor da bioeletricidade. No médio e longo prazo, a chamada cogeração, energia advinda do bagaço e da palha da cana, poderá ser a atividade mais promissora, e necessária, ao país. Uma Itaipu se esconde, quase de graça, entre os canaviais paulistas.

A soja consolida excelente safra, estimulada pela elevada demanda, interna e externa, de rações, insumo básico da avicultura e da suinocultura. A China entrou no mercado, há 5 anos, adquirindo 5 milhões de toneladas de soja. Agora precisa de 30 milhões. Na falta de mamona, também empurra a sojicultura o programa brasileiro de biodiesel.

A sensação da safra 2008 está no milho. Preço bom, mercado garantido, exportações inusitadas. Fácil de produzir, produtividade em alta, o milho tupiniquim pega o vácuo do programa norte-americano de etanol, que retira 87 milhões de toneladas do mercado e o direciona para as dornas de fermentação. Ano passado, inusitado, o Brasil exportou quase 10 milhões de toneladas do amarelo cereal. O primo pobre da agricultura virou gente grande.

Nas carnes, mesmo considerando o ranzinza boicote europeu, avança a supremacia brasileira. O leite, talvez a última fronteira da globalização, vence seus desafios de qualidade e começa a ganhar o mundo. Em 2007 as divisas, principalmente do leite em pó, atingiram US$ 260 milhões. Há quem preveja, em dez anos, o país ultrapassando a Nova Zelândia, líder do mercado mundial.

Ah, e o feijão? Produto mais xingado pela dona de casa no momento, face aos absurdos preços, o phaseolos apresenta boas notícias após a folia do Momo. O desajuste de plantio rapidamente se resolve, contando com a facilidade das safras múltiplas, possíveis apenas nos trópicos. Cultura de ciclo curto, boa para irrigação, o lucro elevado despertou a sede dos produtores. Não faltará produto, e o preço em breve despenca.

Como se percebe, por onde se olha, boas notícias chegam do campo. Nem as cansativas estripulias dos sem-terra retiram o brilho da moderna roça. Mas os produtores rurais sentem falta de algo. Demora para a agropecuária ser reconhecida como força decisiva no desenvolvimento nacional.

A sociedade não compreende, ao certo, o valor que brota do campo. Acaba, com certo preconceito, desprestigiando seu belo desfile. Para piorar, o desmatamento na Amazônia, notícia que varreu o carnaval deste ano, manchou novamente sua imagem. Esse tema precisa ser encarado.

A agenda ambiental vai prevalecer em 2008. No campo, será o maior desafio. Se aceitá-lo como enredo, a agropecuária começa, definitivamente, a vencer seu passado. Um grande acordo contra o desmatamento seria enorme presente para o próximo carnaval. Vitória na certa.

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