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CONSIDERAÇÕES SOBRE O MANEJO DA PESCA NO ESTADO DE MT.



Agostinho Carlos Catella

O governo de Mato Grosso está propondo alterações na Lei de Pesca, através de uma série de medidas de ordenamento pesqueiro, inclusive com a proibição da captura de pacu, piraputanga e dourado pelo período de três anos, na intenção de proteger os recursos pesqueiros. Entretanto, decisões como essas, com fortes implicações econômicas e sociais, não devem ser tomadas sem estudos prévios ou calcadas em preconceitos como o de que o peixe está acabando no rio em conseqüência da pesca. Por exemplo, sem estudos adequados não é possível responder se houve diminuição da quantidade de peixes ou se aumentou o número de pescadores, reduzindo a captura por pescador, dando a impressão de que “o peixe está acabando”. É preciso considerar ainda que não é possível conservar os peixes sem conservar o rio. Biologistas da Conservação de todo o mundo são unânimes ao afirmar que a destruição dos ambientes naturais, através de poluição, desmatamento, assoreamento dos rios e etc. são, de longe, a grande ameaça para as espécies.

É pertinente o interesse do governo em atualizar a legislação, que deve ser dinâmica, acompanhando os ciclos naturais e o desenvolvimento da sociedade, mas muito nos preocupa a maneira pela qual o processo vem sendo conduzido, por seu caráter impositivo e pela falta de informações técnicas para subsidiar as medidas propostas. Em absoluto, a realização de um único seminário público para discutir o conjunto de medidas propostas pelo Estado não ameniza esta situação. Para reverter este quadro, é necessário deflagrar um processo de amadurecimento de toda a sociedade, cujo coroamento seja a discussão das medidas de ordenamento, envolvendo todos os setores ligados à pesca, o que vem a ser a Gestão Participativa da Pesca. Nesta Gestão, todos os setores da pesca são integrados em sua administração, definindo em conjunto os rumos e objetivos da atividade, tornando-se, de fato, co-responsáveis pelo uso e conservação dos recursos pesqueiros e prontos para colaborar no cumprimento de uma Lei de Pesca, criada a partir do debate levado a cabo por eles mesmos. Todo este processo deve ser respaldado por estudos precedidos da coleta sistemática de dados de desembarque pesqueiro e estimativa de parâmetros de crescimento e mortalidade dos peixes, que apontam as diferentes possibilidades de manejo da pesca na região.

No Brasil, muitas decisões sobre e pesca marítima e de água doce já são tomadas através de processos participativos e respaldadas em informações obtidas da própria atividade de pesca, como nos Estados do Amazonas e Pará. Outro exemplo que se encontra na bacia do rio Paraguai e pode servir de base para o MT, é o Sistema de Controle de Pesca do Mato Grosso do Sul – SCPESCA/MS, (aplicativo cuja estrutura informática foi desenvolvida pela Embrapa Pantanal, localizada em Corumbá-MS), que coleta e analisa dados sobre a pesca naquele Estado, desde 1994. Anualmente, o comitê responsável pelo sistema divulga os relatórios descrevendo a situação da atividade e dos estoques, que subsidiam as discussões sobre o manejo no Conselho Estadual de Pesca CONPESCA/MS, implantado em 1999. O Conselho é constituído por representantes de todos os setores ligados à pesca, órgãos governamentais e não governamentais, além de instituições de ensino superior e pesquisa, representando um considerável avanço para a gestão participativa da pesca naquele Estado.

Sem um sistema adequado de coleta de dados de pesca (captura por espécie, por rio, por mês, número de pescadores, número de dias de pescaria e etc.), não é possível tomar decisões, pois estas seriam baseadas em preconceitos ou em evidências demasiadamente frágeis. Portanto, consideramos muito precipitadas as alterações propostas no novo projeto da Lei de Pesca de MT.

Concluindo, se o Estado de Mato Grosso realmente pretende manejar de forma responsável a pesca, é preciso implantar um sistema eficiente de coleta e análise de dados e criar mecanismos democráticos de gerenciamento da atividade. Numa etapa posterior, seria desejável, ainda, que os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, de posse de suas informações pesqueiras, iniciassem entendimentos para a gestão comum destes recursos da maior importância para todos.

Lúcia A. F. Mateus é professora MSc da UFMT, Agostinho Carlos Catella, [email protected], é pesquisador da Embrapa Pantanal e Jerry M F. Penha é professor MSc da UFMT.

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