Recentes decisões do STF indicam que contribuintes terão êxito na discussão, mas o tema permanece sub judice.
Cadastre-se e entenda mais sobre o tema com nossos especialistas.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) foi criado com o objetivo de organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural.
Trata-se de uma entidade privada paraestatal e vinculada ao Sistema "S", um grupo de organizações voltadas ao treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica.
As entidades que compõem referido sistema, como o SESI, SENAI, SENAC, embora iniciem com a letra "S" e tenham origem e finalidades similares, são independentes.
O SENAR, especificamente, teve sua criação prevista no art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de 1988, e, em 1991, finalmente a Lei n. 8.315 tratou de criar a entidade.
Inicialmente, a contribuição era de 2,5% sobre a folha de salários, até que, alterações legislativas posteriores modificaram a base de cálculo da contribuição para a receita bruta. Finalmente, em 2001, a Lei n. 10.256 passou a prever que as alíquotas seriam as que vigem atualmente, de 0,25% para os produtores pessoa jurídica e 0,2% para os produtores rurais pessoa física.
O tema gerou controvérsias e os contribuintes passaram a buscar o judiciário para afastar a cobrança em função da sua potencial inconstitucionalidade. Diversos foram os motivos que ensejaram a discussão: i) a contribuição não poderia ser instituída por Lei Ordinária e sim por Lei Complementar; ii) a contribuição poderia incidir exclusivamente sobre a folha de salários; e iii) a base de cálculo não poderia ser a mesma do PIS e da Cofins, sob pena de incorrer em bis in idem.
Estas discussões tiveram Repercussão Geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 816.830 (Tema 801, que discutia o SENAR em face do empregador rural pessoa física) e no RE 700.922 (Tema 651, cujo objeto era a contribuição devida por produtores rurais pessoa jurídica).
Todas os argumentos trazidos pelos contribuintes foram rechaçadas (por diversos motivos que, por si só, demandam um artigo dedicado inteiramente a eles) e as teses firmadas no âmbito dos referidos temas foram as seguintes:
Tema 801: "É constitucional a contribuição destinada ao SENAR incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, na forma do art. 2º da Lei nº 8.540/92, com as alterações do art. 6º da Lei 9.528/97 e do art. 3º da Lei nº 10.256/01".Tema 651: "E´ constitucional a contribuic¸a~o social destinada ao Servic¸o Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), de que trata o art. 25, § 1º, da Lei nº 8.870/1994, inclusive na redac¸a~o conferida pela Lei nº 10.256/2001”.
As decisões foram publicadas em 30/06/2023 e 16/05/2023, respectivamente. Decidiu, o Supremo, em duas ocasiões, que a contribuição ao SENAR é, portanto, constitucional, não havendo motivos para o seu afastamento.
Mas se a cobrança é devida, então onde reside a oportunidade neste caso?
Pois bem, ao julgar o tema, os ministros debateram longamente sobre a natureza jurídica da contribuição ao SENAR, tendo sido definido que se trata de uma contribuição social geral. Veja-se, abaixo, trecho do voto do Min. Dias Toffoli no julgamento do Tema 801:
"Embora eu reconheça que a contribuição ao SENAR tenha pontos de conexão com os interesses da categoria econômica respectiva e com a seguridade social, em especial com a assistência social, o que poderia ensejar sua classificação como uma contribuição sui generis, entendo que suas características estão intrinsecamente voltadas para uma contribuição social geral."
Tais considerações, contudo, embora tenham sido inicialmente inseridas na Ementa do julgado, foram, em decisão publicada em 10/10/2023, removidas após requerimento da Procuradoria da Fazenda Nacional. O pedido foi acatado porque a discussão supostamente não girava em torno da natureza jurídica em questão, mas apenas da constitucionalidade da contribuição. O Supremo, que já indicou seu posicionamento de forma ostensiva, deverá discutir sobre o caso novamente no futuro.
Ocorre que as Contribuições Sociais Gerais, em que se enquadra o SENAR conforme votos dos Ministros do STF, são regidas pelo art. 149 da Constituição Federal. O dispositivo prevê que as receitas de exportação são imunes a estas contribuições, o que cria uma significativa oportunidade a todos os produtores pessoa física e jurídica que enviam sua produção para fora do país. Veja-se:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas
[...]
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
Os valores em discussão são relevantes. Segundo levantamento do próprio Ministério da Agricultura:
"As exportações do agronegócio brasileiro alcançaram US$16,78 bilhões em maio: 11,2% superiores ao mesmo mês em 2022. Nunca as exportações ultrapassaram US$16 bilhões em um único mês, considerando-se toda a série histórica iniciada em 1997. Com o recorde, a participação do agronegócio nas exportações totais brasileiras alcançou 50,8%."
Se considerarmos apenas a alíquota dos produtores rurais pessoa física (que é a menor para a contribuição, de 0,2%), estaríamos falando em uma arrecadação indevida de aproximadamente R$336 milhões apenas em maio de 2023.
Fazendo um levantamento dos julgamentos ocorridos no Supremo, apenas no Tema 801 são dedicadas 12 páginas no voto do Min. Dias Toffoli à determinação da natureza jurídica da cobrança como uma contribuição social geral - e, portanto, imune. A título ilustrativo, as expressões "contribuição social geral" ou "contribuições sociais gerais" aparecem, somadas, 21 vezes na decisão.
Além disso, o Supremo seguiu o mesmo entendimento em outras oportunidades (em decisões não vinculantes). Veja-se abaixo, por exemplo, trecho de decisão do mês de abril de 2023:
2. A contribuição ao SENAR deve ser enquadrada entre as contribuições sociais gerais, vez que instituída com a finalidade de custear ações e serviços pertinentes ao Título VIII da CF/1988 (“Da Ordem Social”). 3. Como consequência, por ser uma contribuição social geral, a referida incidência não deve recair sobre as receitas decorrentes de exportação, sob pena de violação direta ao art. 149, § 2º, I, da Constituição. [...] 5. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 1.369.122 AgR-segundo, Relator(a): ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, julgado em 25/04/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 02-05-2023 PUBLIC 03-05-2023) (grifo acrescido)
Nestes termos, é comum que os contribuintes passem a buscar o poder judiciário para não perderem os valores recolhidos indevidamente por conta da prescrição, que é de 5 (cinco anos) e é interrompida com a apresentação de medida judicial.
As medidas se justificam como forma de garantir a recuperação protegida pela imunidade, uma vez que a Receita Federal vem negando, de forma sistemática, o reconhecimento do instituto quando relacionado à contribuição destinada ao SENAR.
Ou seja, embora a contribuição ao SENAR seja constitucional, sua cobrança não deve recair sobre receitas de exportação.
Dessa forma, cabe aos contribuintes recorrerem ao poder judiciário para ter o direito à imunidade reconhecido e, por consequência, recuperar-se de valores despendidos em períodos anteriores, respeitada a prescrição quinquenal.