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Olimpíada da comida



Francisco Graziano Neto

Graças à magnífica Olimpíada, o mundo descobre a China. Não apenas na força do esporte ou nos encantos milenares da população. Impressiona a potência da sua economia. O gigante país, porém, desperta expondo uma fraqueza.

Os distantes chineses deslumbram homens de negócios há séculos. Em 1295 Marco Pólo retorna à Itália após uma viagem de 24 anos à China. Naquela época os mercadores venezianos controlavam, passando por Constantinopla, a “rota da seda”, um fascínio do vestuário medieval.

As descobertas chinesas foram fundamentais para a evolução da Humanidade. Lá nasceu o papel, a pólvora, a bússola, a tipografia. Mais. De lá vieram os sinos, os tambores e os timbres musicais, o balão e o pára-quedas. Eles também inventaram a porcelana, o jogo de xadrez, o fósforo e o relógio. Incrível.

A impressionante capacidade criativa dos chineses afetou a soberba dos nobres ocidentais. Tanto é que, por séculos, na Europa trataram a Ásia com certo desdém cultural, um povo estranho, olhos puxados, língua incompreensível, religião exótica. A assemelhada Índia, colonizada pelos britânicos, parecia mais controlável, porque dependente do capitalismo europeu. Na China ninguém mandava.

Fechadas as fronteiras da comunicação, permanecia aquela Nação um local ermo e isolado. Na época da Guerra Fria, quando se digladiavam EUA e União Soviética, distantes permaneciam os esquisitos comunistas chineses. Somente com a morte do grande líder, Mao Tsé-tung, ocorrida em 1976, a política começa a mudar. Os sucessores iniciam a construção do novo modelo socioeconômico, uma mistura de socialismo de Estado com capitalismo inovador. Mais uma invenção histórica.

Paulatinamente se abre a sociedade chinesa. Ao mudar o milênio, a China se revela ao mundo globalizado. O grande lance dessa recente trajetória acontece em 2001, quando solicita seu ingresso na OMC, Organização Mundial do Comércio. Ora, quem quer jogar precisa seguir as regras. E estas mandam abrir as fronteiras, em ambos os sentidos, tanto na importação e como na exportação de produtos. Guerra por mercados.

O tamanho do mercado chinês faz brilhar os olhos dos comerciantes ocidentais. No Brasil, os agricultores sonham com o dia em que cada chinês vá tomar um cafezinho, um copo de suco de laranja ou comer uma boa picanha grelhada. Se, por exemplo, cada família chinesa se nutrisse com um bife diário, em 30 dias acabariam as exportações anuais de carne do Brasil. Haja alimento para atender àquele fabuloso mercado.

Depende, todavia, dos hábitos de consumo. Os chineses gostam, mesmo, de carne suína. A China é o maior produtor mundial de porcos, com um plantel de 500 milhões de cabeças, metade do existente no mundo. No Brasil o rebanho suíno alcança 37 milhões de cabeças.

Porco com arroz. Os chineses mantêm um consumo médio anual, per capita, de 110 kg do branco cereal, contra 45 kg/ano dos brasileiros. No volume de produção, lá se colhe 184 milhões de toneladas de arroz, aqui são 12 milhões. Sozinha a China produz 30% do arroz mundial.

Tudo, entretanto, está em mudança. O processo de urbanização que lá se verifica deve deslocar, até o final de próxima década, 400 milhões de pessoas, que deixarão a roça rumo às cidades. Será inevitável a alteração de o padrão alimentar. Para as autoridades chinesas, aqui reside uma questão fundamental: como atender à nova demanda urbana?

Dona de enorme território, a China possui apenas 2,7% das terras ainda disponíveis para ampliar sua agricultura. As pastagens não são conversíveis para produção agrícola, sobretudo porque estão em regiões geladas, ao Norte e Noroeste. Além disso, o governo estima que existam, nessas regiões, cerca de 260 milhões de hectares sofrendo problemas de desertificação, a maioria pastagens decadentes.

Restritos também se encontram os recursos hídricos. A produção irrigada cobre 55 milhões de hectares no país, com elevado consumo de água. A crescente urbanização provoca forte competição pelo uso da água disponível, o que, obviamente, limita a capacidade de produção rural. Por isso, segurança alimentar virou uma obsessão na política econômica chinesa.

O drama da comida tromba com a tradição rural. Aumentos de produtividade por área exigem romper velhos métodos de produção, que se mostraram historicamente capazes de atender à subsistência familiar, mas impotentes de gerar excedentes para abastecer as nascentes metrópoles.

Vivem na China 250 milhões de agricultores. Mas 92,5% detêm menos de um minúsculo hectare de terra cultivada, algo como um quarteirão. Na produção animal, também predomina a pequena subsistência familiar, ao lado de muita pobreza. Aumentar a escala de produção e tecnificar a agricultura chinesa será o maior desafio do desenvolvimento. Mais difícil que vencer a Olimpíada.

Neste momento o ideal olímpico ocupa a atenção da mídia. Esportistas campeões disputam medalhas de ouro, enquanto os estrategistas políticos da China vendem sua imagem. O país se torna uma fábrica mundial de quinquilharias, quintal produtivo das grandes multinacionais. Seu comércio se expande, arrebentando empresas domésticas continentes afora. Tencionam os chineses, ninguém duvida disso, dominar o mundo.

Mas o calcanhar de Aquiles da segurança alimentar ameaça seus planos. Pode ser a sorte do Brasil. Aqui moram as férteis terras que lá escasseiam, abrindo uma chance real de se tornar seu maior fornecedor de alimentos. Causa temor, porém, certa cobiça sobre a agricultura brasileira. Há chineses vasculhando o interior atrás de terras para comprar.

Será bom negócio?

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