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Escritura de confissão de dívida anulável


Lutero de Paiva Pereira

É comum, no mundo do agronegócio, as composições de dívidas se darem através da assinatura de escrituras públicas de confissão de dívida. Uma vez assinadas pelo devedor, as escrituras outorgam, em tese, ao credor o direito de exigir o pagamento dos valores ali expressos, dentro das condições pactuadas.

Como se trata de uma Escritura pública que traz consigo a palavra confissão, o entendimento que muitas vezes decorre deste termo é que aquilo que foi confessado não poderá mais ser modificado, restando ao devedor somente curvar-se ao cumprimento da Escritura.

É certo que a Escritura tem fé pública e a confissão nela presente não pode simplesmente ser revogada pelo devedor, como de resto acontece com outros documentos por ele porventura assinados como, por exemplo, autorização para débito em conta corrente, procuração, etc.

No entanto, a Escritura Pública só prevalece até que prova contra ela se levante e a confissão ali presente pode sim ser anulada em face de previsão no Código Civil.

Quando a confissão origina-se de dívida decorrente de operação de financiamento rural, por se tratar de obrigação que se sujeita a legislação especial, cujo ordenamento jurídico submete seus termos a disciplina direta da Lei ou de ato do Conselho Monetário Nacional, a Escritura toma a natureza jurídica do débito confessado.

Em obra de nossa autoria já fazíamos a seguinte observação: “As Escrituras Públicas de Confissão de Dívida utilizadas para composição dos débitos bancários, máxime aquelas que noticiam a presença de mútuo de natureza rural, dada a especialidade desses financiamentos, não podem gozar do benefício da intangibilidade” (CRÉDITO RURAL – Escritura Pública de Confissão de Dívida – Juruá, 1999, p. 17).

Assim, se o valor confessado foi obtido através da aplicação de taxas de juros, remuneratórios ou moratórios, em dissintonia com o preconizado pelas Leis 4829/65, 8171/91 e o Dl 167/67, tal fato contamina o ato.

O crédito rural, por sujeitar-se a tratamento especial, não admite a incidência de encargos financeiros arbitrariamente impostos pelo credor. 

Outrossim, o próprio cronograma de pagamento do valor confessado, sendo ele de natureza rural, deve respeitar as normas a ele aplicadas, não sendo dado ao credor exigir que as prestações vençam em datas que convenham ao seu interesse e não ao interesse da atividade rural.

Já no que pertine à contratação de juros remuneratórios e moratórios que irão incidir sobre o valor confessado, as taxas também deverão estar de acordo com a Lei ou com ato normativo do Conselho Monetário Nacional, sob pena de invalidar a estipulação.

Tais considerações que podem interferir diretamente na validade da confissão, não esgotam a possibilidade de discutir sua anulabilidade, já que o fato do devedor ter sido coagido aos seus termos, notadamente nos casos em que o débito confessado poderia ter sido prorrogado de forma mais conveniente, também pode ser invocado para decretação da nulidade. 

Em síntese, a confissão se reveste de irrevogabilidade, mas em face de vícios jurídicos existentes pode, por medida judicial própria ser desconstituída. Em certos casos, a depender do grau de comprometimento da Escritura onde a confissão de dívida se materializou, é possível liberar as garantias a ela vinculadas.

Lutero de Paiva Pereira 

Advogado sênior da banca Lutero Pereira & Bornelli ([email protected]). Pós-graduado em Direito Agrofinanceiro. Autor de 18 livros publicadas na área de Direito do Agronegócio. Coordenador de cursos online no site Agroacademia (www.agroacademia.com.br). Membro do Comitê Europeu de Direito Rural (CEDR) e Membro Honorário do Comitê Americano de Direito Agrário (CADA).
 

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