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Como se prevenir e manejar o leiteiro resistente ao glifosato



Henrique Fabrício Placido

Autor: Henrique Fabrício Placido - Engenheiro agrônomo (UFPR), mestre em Fitotecnia (Esalq/USP), especialista em Gestão de Projetos e redator da Aegro (blog Lavoura10).

Plantas daninhas na lavoura são sempre um sinal de alerta, pois podem interferir no desenvolvimento da cultura e trazer muito prejuízo.

Saber identificar as plantas invasoras, estar atento aos novos casos de resistência e realizar o manejo correto é a peça-chave para o sucesso da produção agrícola.

Recentemente, o país registrou um caso de leiteiro resistente ao glifosato. Entenda o problema dessa resistência, como se prevenir e manejar essa daninha se for preciso!

Leiteiro ou amendoim-bravo: principais pontos sobre essa daninha

O leiteiro (Euphorbia heterophylla L.) ou amendoim-bravo é uma planta daninha de ciclo anual, com alta capacidade de multiplicação, crescimento e desenvolvimento. Pode atingir até 2 m de altura. 

Suas sementes são consideradas grandes e não são disseminadas pelo vento, tendo a capacidade de permanecer viáveis por muitos anos.

A germinação do leiteiro é indiferente à presença ou ausência de luz e pode germinar o ano todo, pois está adaptada a uma ampla faixa de temperatura, umidade e a solos com diferentes características. 

Além disso, as sementes têm capacidade de emergir mesmo a profundidades de enterrio próximas a 14 cm.

Devido a essas características germinativas, o acúmulo de palhada na área e o cultivo do solo não são eficientes para controle de leiteiro.

Essa planta daninha, antes mesmo de apresentar resistência ao glifosato, já assustava produtores de soja devido à dificuldade de controle. E seu alto índice de competição com culturas como soja, algodão e amendoim, só agravavam a situação.


Redução da produção de soja em função do número de plantas de leiteiro/ amendoim-bravo (Euphorbia heterophylla L.)
(Fonte: Voll e colaboradores)

Para evitar danos no cultivo, o controle correto do leiteiro na entressafra é fundamental, pois ele pode ser “ponte verde” para pragas e doenças que afetam culturas sequenciais.

O leiteiro pode ser hospedeiro do vírus do mosaico-anão, por exemplo.

Separei algumas informações sobre a resistência dessa planta daninha no país. Confira:

Histórico da resistência do leiteiro no Brasil

Principalmente para os produtores mais experientes, o leiteiro foi uma planta que causou muitos problemas pela resistência a herbicidas inibidores da ALS (cloransulam, diclosulam, flumetsulam, imazethapyr, metsulfuron e nicosulfuron) e da Protox (acifluorfen, fomesafen, lactofen e saflufenacil).

O leiteiro foi a segunda planta daninha registrada como resistente a herbicidas no Brasil. O primeiro registro ocorreu em 1993 para os herbicidas inibidores da ALS.

Onze anos depois, em 2004, foi registrado o segundo caso, uma população de leiteiro com resistência múltipla a inibidores da ALS e inibidores da Protox, selecionada pelo uso indiscriminado de herbicidas inibidores da Protox para o controle de leiteiro em lavouras de soja.

Antes da utilização da soja RR, esses eram os mecanismos de ação mais utilizados na soja convencional. Isso dificultava muito seu controle, principalmente em pós-emergência. 

Com ampla adoção da soja RR (a partir de 2006), o leiteiro deixou de ser um grande problema nas lavouras de grãos, pois o glifosato fornecia excelente controle mesmo em planta mais desenvolvidas. 

Entretanto, devido ao uso de glifosato como única ferramenta de controle de plantas daninhas em cultivos RR, houve grande aumento da pressão de seleção deste herbicida para essa planta daninha.

Desse modo, na safra passada (2018/2019), pesquisadores da Embrapa Soja e da Cocari identificaram uma área de soja com falhas no controle de leiteiro com uso de glifosato, na cidade de Kaloré (Paraná).

 
Lavoura de soja com escape de população de leiteiro resistente ao glifosato
(Fonte: Fernando S. Adegas)

A partir desse indício, um grupo de pesquisadores da Embrapa Soja, UEM (Universidade Estadual de Maringá) e Colorado State University se uniram para confirmar a resistência e entender o mecanismo que a ocasiona.

Mecanismo de resistência do leiteiro ao glifosato

Após ensaios de curva dose resposta, confirmou-se que esta espécie de leiteiro do Paraná realmente era resistente a glifosato, sendo capaz de tolerar até 2.000 g e.a. ha-1 do herbicida.

Isso é algo equivalente a 5 litros de glifosato (concentração 370 g e.a. L-1).


Populações de Euphorbia heterophylla suscetível (A) e resistente (B) ao glifosato (doses em kg.e.a./ha)
(Fonte: Fernando Adegas e colaboradores)

Resultados preliminares, divulgados em palestra no evento Simal pelo pesquisador Rafael Romero Mendes, estudante de doutorado da UEM, esclareceram o mecanismo de ação que confere ao leiteiro a habilidade de sobreviver ao glifosato. 

Como relatado, o mecanismo de ação não é do tipo “fora do sítio de ação”, pois a população não apresentou diminuição na absorção e translocação herbicida. Também não houve metabolização do mesmo. 

Após isso, os pesquisadores constataram que o número de cópias da enzima EPSPs entre as populações não se diferenciava, não sendo um caso de superexpressão enzimática. 

Após sequenciamento genético, foi identificada uma mutação dupla na enzima EPSPs (TIPT), confirmando-se um mecanismo de ação devido à modificação no sítio de ação do herbicida. 

Devido a essa mutação na enzima alvo do herbicida (EPSPs), as moléculas de glifosato perdem a capacidade de se ligar à enzima, não competindo mais com a fosfoenolpiruvato (PEP). 

Deste modo, a rota segue normalmente produzindo os aminoácidos aromáticos e a planta não morre. 

Perspectivas de manejo do leiteiro resistente ao glifosato

Ainda não existem resultados confirmando se esta população com resistência a glifosato possui também possui resistência múltipla a outros mecanismos de ação (ALS e Protox). Porém, a probabilidade é alta. 

Muitos estudos comprovam que, mesmo que alguns herbicidas com caso de resistência para uma planta daninha deixem de ser utilizados por um longo período, as populações tenderão a continuar sendo resistentes a eles ao longo do tempo. 

Por isso, herbicidas inibidores da Protox e ALS provavelmente não serão efetivos para controle desta população. 

Desta forma, recomenda-se a realização de um bom manejo do leiteiro no período de entressafra. Indica-se o uso de herbicidas com glufosinato de amônio, 2,4 D e diquat em plantas de até 4 folhas. 

Quanto aos herbicidas aplicados em pré-emergência, ainda serão necessários estudos para definir quais poderão ser utilizados, principalmente quanto à resistência cruzada. 

Isso porque a maioria dos produtos eficientes no controle do leiteiro, que podem ser utilizados na entressafra da soja, são dos grupos ALS (chlorimuron) e Protox (flumioxazin e sulfentrazone).

Quanto às perspectivas para o futuro, a utilização de Soja Enlist® poderá ser uma importante ferramenta no manejo dessa planta daninha por possibilitar a aplicação de 2,4 D e glufosinato de amônio na pós-emergência da soja. 

Algo que está sendo recomendado pelos pesquisadores é o cuidado com a higienização de máquinas e equipamentos agrícolas antes do transporte. Isso vale principalmente em áreas próximas à região onde essa população foi identificada.

Como as sementes do leiteiro não são facilmente disseminadas pelo vento, as máquinas podem ser uma importante via de disseminação.   

Confira também 9 fatos primordiais para o manejo de ervas daninhas resistentes ao glifosato!

Conclusão

Neste artigo, você viu a importância econômica do leiteiro e informações sobre o novo caso de resistência a glifosato.

Entendeu a importância de conhecer a biologia da planta daninha antes de manejá-la e algumas práticas são essenciais para não agravar os problemas de ervas daninhas resistentes.

Com essas informações, tenho certeza que você irá conseguir se prevenir de populações de leiteiro resistente ao glifosato em sua lavoura. 

Restou alguma dúvida sobre o leiteiro resistente ao glifosato? Tem dificuldades com outras plantas daninhas? Baixe gratuitamente o Guia de Manejo de Plantas Daninhas e faça o melhor controle em sua lavoura!

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