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Alimentos, biodiversidade e sistemas agrícolas



Decio Luiz Gazzoni

              Uma proporção substancial da superfície terrestre é utilizada para a produção agrícola, servindo a múltiplos propósitos sociais, pois fornecem alimentos, combustível e fibras. Para que haja sustentabilidade na produção agrícola, é fundamental a integração com a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, o que é uma tarefa complexa e multifacetada.

              O professor Doreen Gabriel, da Universidade de Leeds, liderou uma equipe que se debruçou na análise do contexto da produção de alimentos versus biodiversidade, em sistemas de produção convencionais e orgânicos. Os resultados foram publicados na revista Journal of Applied Ecology (bit.ly/44zq8HK). Para identificar os benefícios (maior conservação da biodiversidade) e os custos (redução nos rendimentos) do manejo agrícola, os autores do estudo cotejaram rendimento agrícola com a abundância e densidade de espécies de táxons importantes, em campos de cereais de inverno, conduzidas em sistemas orgânicos e convencionais, na Inglaterra.

 

Menos produtividade, mais biodiversidade

              Em média, a produção de grãos por unidade de área foi 54% menor em lavouras conduzidas em sistemas orgânicos, comparadas às convencionais. Analisando-se a associação entre rendimento e algumas espécies da biodiversidade (abelhas do gênero Bombus, abelhas solitárias, borboletas, sirfídeos e artrópodes epígeos (aqueles que decompõem matéria orgânica), os autores concluíram não haver diferenças entre sistemas de produção, pois as diferenças observadas puderam ser integralmente atribuídas à menor produtividade nos sistemas orgânicos. A explicação é a maior cobertura de plantas não cultivadas, e maior diversidade de espécies de plantas, nas lavouras conduzidas em sistemas orgânicos.

              Os autores referem que ganhos consideráveis na biodiversidade requerem reduções aproximadamente proporcionais no rendimento, em sistemas agrícolas altamente produtivos. Ganha-se por um lado, perde-se por outro.

              Em resumo, a biodiversidade das terras agrícolas está relacionada negativamente com o rendimento das culturas. À vista disso, eles sugerem que em paisagens agrícolas menos produtivas, os benefícios da biodiversidade podem ser obtidos através da concentração das explorações agrícolas orgânicas.

              As plantas não cultivadas (que, na agricultura convencional, são chamadas de invasoras), e que compõem a biodiversidade, se beneficiaram substancialmente da agricultura orgânica. Nesse particular, os autores questionam se ganhos relativamente modestos de biodiversidade podem ser justificados pelas reduções substanciais na produção de alimentos, utilizando a agricultura orgânica.

 

Menos rendimento, mais área

              Essa é uma questão crucial. Os autores apontam que os rendimentos menores dos sistemas de produção orgânicos resultam na utilização de áreas maiores de terra para a produção agrícola (localmente ou em outro local), a um custo de biodiversidade muito maior, como já haviam apontado outros autores (Goklany, na revista Science (bit.ly/4b4F2sb); e Hodgsonet e colaboradores, na revista Ecology Letters (bit.ly/44v288I).

              Uma das conclusões dos autores é que a agricultura orgânica deve ser encorajada em paisagens com baixo potencial produtivo, onde as diferenças de rendimento entre a agricultura orgânica e convencional são menores. Em paisagens de alta produtividade, a agricultura orgânica não é uma forma de maximizar, ao mesmo tempo, a biodiversidade e o rendimento. Nesse caso, a maior produtividade (efeito poupa terra ou poupa floresta) pode ser mais benéfica à biodiversidade.

              Do ponto de vista do agricultor, a menor produtividade das lavouras orgânicas é compensada pelo preço mais elevado do produto. Já, para o consumidor, isto pode ser uma limitação, resultando em nichos de consumo de produtos orgânicos que abarcam, essencialmente, as classes mais abastadas da população.

             Um alerta importante dos autores: se os serviços ecossistêmicos precisarem ser especificamente mantidos em determinadas regiões de alto potencial produtivo, a indicação dos autores é a criação de reservas naturais conjuminada com políticas públicas de incentivos para manutenção da biodiversidade em paisagens agrícolas.

              E aqui chegamos ao ponto que me motivou a escrever esse artigo: se, ao ler a indicação acima, alguém se lembrou do Código Florestal Brasileiro, das reservas legais e áreas de proteção permanente, implementadas legalmente no Brasil, está na direção correta. O Brasil é um exemplo em escala planetária de como integrar adequadamente a produção agrícola e a biodiversidade, bem como produtividade, rentabilidade e sustentabilidade. Analisando-se a questão do ponto de vista de toda a extensão das propriedades rurais brasileiras, onde convivem áreas agrícolas e áreas de conservação, chegamos a um modelo prático de como obter o equilíbrio entre biodiversidade e produtividade agrícola.

 

O autor é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Consultivo Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.

 

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