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Um novo modelo de P&D no agronegócio



Dante Scolari
O mercado mundial de produtos agrícolas está ficando exigente, principalmente nos produtos alimentares, e sinaliza na direção de produtos limpos obtidos por processos limpos, do ponto de vista ambiental, econômico, social, ético e moral. Conceitos pouco utilizados no passado como certificação, rastreabilidade, transparência, proteção ambiental, justiça social, marcas éticas, produção responsável, selos verdes e selos ""fairtrade"" estão ganhando importância em vários países. Na prática, isso significa modificações nos processos de produção e comercialização, busca de novas soluções tecnológicas e execução de pesquisas mais complexas, que devem considerar o uso sustentável dos recursos naturais, itens relacionados a mudanças climáticas como estresses térmicos, hídricos e nutricionais, uso do trabalho humano e animal e as suas repercussões sociais, a diversificação e especialização de processos produtivos, as barreiras para acesso a mercados etc.

Para enfrentar esses desafios emergentes as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT´s) precisam integrar atores públicos e privados representados por cientistas, técnicos, professores universitários, organizações do terceiro setor e empresários privados e praticar uma gestão de portas abertas. Há necessidade de mudanças significativas na forma de pensar e agir de gestores e cientistas, de um perfil técnico com domínio de novos conhecimentos e de equipes multidisciplinares e multiinstitucionais trabalhando em redes integradas de P&D orientadas para a inovação.

O modelo de pesquisa agropecuária criado na década de 1970 gerou inovações que mudaram o perfil do agronegócio e tornaram o país um dos principais produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas. Possui uma lógica agronômica de aumentar a produção via incrementos na produtividade, com uso intensivo de sementes melhoradas geneticamente, calcário, fertilizantes, produtos fitossanitários, irrigação, intensificação da mecanização e treinamento gerencial dos produtores. Foi um sucesso. A produção de grãos (arroz, feijão, milho, soja, sorgo, trigo e outros) expandiu de 27,3 milhões de t em 1970 para 131 milhões de t em 2007 e a oferta de leite, açúcar, café, madeira, fibras vegetais, hortaliças e frutas aumentou significativamente. Os consumidores foram os grandes beneficiados com a oferta doméstica de alimentos e fibras vegetais de qualidade a preços reais declinantes. Mas isso pode mudar no curto prazo devido a elevação nos custos de produção e tendência de aumento real nos preços dos produtos finais.

O crescimento da produtividade agropecuária ao nível dos experimentos de pesquisa está praticamente no seu limite com o uso dessas tecnologias tradicionais. Isso significa que aumentos significativos só serão obtidos com o aporte de novos conhecimentos, principalmente aqueles advindos da moderna biotecnologia, na qual uma semente modificada pode se tornar um verdadeiro pacote tecnológico com várias características inovadoras. A outra alternativa para suprir a demanda adicional de alimentos e fibras seria a expansão da área cultivada com incorporação de milhões de hectares de florestas, com conseqüências negativas para o meio ambiente.

O Brasil necessita de inteligência competitiva e visão empreendedora para estabelecer novas estratégias e rumos.

Esse modelo já está sob fadiga criativa na geração de soluções inovadoras competitivas e sustentáveis, do ponto de vista agronômico, ambiental e sócio-econômico. Tornou-se burocrático e engessado, extremamente dependente do governo, com pouca capacidade de atrair parceiros privados e muito lento no processo decisório, principalmente a partir da vigência da Lei nº 8.666.

O mercado de tecnologias agropecuárias sinaliza claramente a importância de investimentos na geração de novos conhecimentos. Países e grupos privados investem fortemente em pesquisas portadoras de futuro como biotecnologia, nanotecnologia, agroenergia e agricultura de precisão. O Brasil pode participar competitivamente nesse mercado desde que existam pré-condições como o estabelecimento de marcos regulatórios definitivos, agilidade nas pendências judiciais, autonomia e gestão profissional nas ICT´s, renovação no quadro de pesquisadores, domínio no uso das novas ferramentas, disponibilização de laboratórios equipados e modernos, maior integração academia/empresas privadas e recursos financeiros adequados e contínuos.

Se isso não acontecer o agronegócio terá muitas dificuldades em acompanhar a corrida mundial de inovações e ficará dependente de tecnologias patenteadas por terceiros. O Brasil já está atrasado e defasado na pesquisa e no desenvolvimento de novos conhecimentos. E atraso tecnológico significa dependência econômica, perda de competitividade, custos de produção mais elevados, preços maiores, redução do nível de emprego no campo e nas cidades e menores taxas de crescimento da economia.

O país necessita de inteligência competitiva e visão empreendedora para estabelecer as novas estratégias e rumos a serem seguidos. É preciso identificar as pesquisas a serem desenvolvidas, as soluções tecnológicas a serem geradas e os mercados a serem ocupados nos próximos anos. Isso só será possível se as ICT´s tiverem gestão institucional profissional, proativa e de portas abertas, onde os novos pesquisadores empreendedores possam atuar em parcerias público-privadas em diferentes setores da economia.

A sociedade brasileira deve estimular a ousadia científica em moldes capitalistas, de forma similar ao que ocorreu nos países desenvolvidos, e os cientistas nacionais devem ser ousados na busca de soluções criativas e originais. A legislação deve dar o suporte necessário ao estímulo criativo e ao desenvolvimento de parcerias empresariais, de tal forma que a divisão de direitos, deveres, responsabilidades e resultados econômico-financeiros seja uma rotina nas ICT´s. A Lei de Inovação foi um primeiro passo, mas o arcabouço jurídico ainda é insuficiente para consolidar uma cultura de inovação no país e precisa ser modernizado. O empreendedorismo tecnológico deve ser parte permanente da cultura brasileira pois é o caminho mais fácil e mais rápido para o país gerar riquezas, reduzir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento.
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