Coluna postada originalmente em 19/3/2004 (https://www.agrolink.com.br/colunistas/coluna/subsidios-agricolas_383899.html). Continua muito atual.
O líder sindical Gabriel Neumann de Paula escreve questionando as razões pelas quais tanto combatemos os subsídios dos países ricos. E pergunta: como ficaria o mercado sem subsídios agrícolas? Vamos tentar explicar.
Artificialismo
Todo subsídio é uma forma de artificializar as leis naturais do mercado, privilegiando algum setor. Se alguém tem um privilégio, outrem o paga, logo subsídio tem custo. Em um primeiro instante, são os cidadãos e os pagadores de impostos do país que subsidia que arcam com a conta. Porém, ao final, são os países pobres que pagam a conta do subsídio nos países ricos, conforme a FAO demonstrou recentemente.
Por que subsidiar?
Na Europa e no Japão subsidia-se porque sua história foi permeada pela fome e a sociedade decidiu não mais passar fome, não interessava a que preço. Adende-se motivos conjunturais como a necessidade de recuperar a agricultura destroçada pela guerra e a visão de que era mais barato pagar para o agricultor ficar no campo do que forçá-lo a migrar para a periferia das cidades. Para conferir um invólucro mais sofisticado, foi elaborado o conceito da multifuncionalidade da agricultura, a fim de convencer o mundo da necessidade de subsídios. Já os EUA dizem que subsidiam porque a concorrência com os agricultores europeus ficou desleal.
Boca torta
Subsídios não são uma perversidade absoluta. Eles até são úteis, sob determinadas circunstâncias, porém sempre limitados no tempo, para evitar distorções. Ocorre que, quando o subsídio é muito alto e perene, os agricultores não têm necessidade de serem eficientes, de cortar custos ou lutar por melhores preços. Sob um regime de subsídios, o preço ao produtor fica mais baixo, porque esse produtor se capitaliza pelas rendas não operacionais da atividade (subsídio). Mas uma eventual retirada de subsídios não significa um aumento de preços na mesma proporção, porque a reação da cadeia de negócios impede que isso ocorra. Em especial, o consumidor sempre representa uma barreira ao aumento desenfreado de preços.
Retirando os subsídios
Vamos examinar duas hipóteses. A primeira seria a retirada total e rápida dos subsídios, como foi feito no Brasil dos anos 80. Seguramente, os produtores subsidiados levariam um choque, muitos deles iriam à falência, por incapacidade de gestão. Outros sobreviveriam adaptando seus custos. E outros, finalmente, comprariam terras, benfeitorias e máquinas dos falidos, ampliando o seu negócio e ganhando escala – a melhor forma de operar em um ambiente sem subsídios. O impacto nos preços dependeria de outros fatores, como clima, juros, demanda, estoques, etc. Porém não acredito em nada catastrófico ou que não pudesse ser administrado em 5 anos, como demonstra a retirada dos subsídios na Nova Zelândia.
Retirada lenta e segura
Nessa hipótese, os governos buscariam fórmulas compensatórias, conferindo um prazo maior para os agricultores adaptarem-se ao novo ambiente. Mesmo assim, alguns agricultores iriam à falência, outros ficariam ricos. Entrementes, o efeito no mercado seria muito menor que uma retirada abrupta. Provavelmente os impactos sociais - desemprego e migrações - seriam maiores que o impacto econômico.
Equilíbrio
Como o mundo se arranjaria? O subsídio europeu é importante para o abastecimento interno, mas complica o comércio internacional de lácteos e aves. Já o subsídio americano é muito dirigido para grãos e fibras. Observemos o caso da soja. A área total plantada com grãos, nos EUA, está estabilizada há 30 anos e a produção cresce, embora a taxas baixas. Quando aumenta um pouco a área de soja, diminui a de algodão ou milho. Já, aqui no Brasil, nós não temos essas restrições. Bastou o mercado sinalizar com força uma demanda extra, a partir de meados da década de 90, que o Brasil respondeu à altura e encaminha-se para ser o maior produtor de soja do mundo. Dentro de alguns anos, eventuais reduções na produção americana não causarão grande impacto no mercado, porque o Brasil pode responder daí a seis meses, com uma produção maior, que ajustaria, novamente, a oferta e a demanda.
Conclusão
Em primeiro lugar, no curto prazo país algum vai eliminar subsídios. Em segundo, quem está pagando esse subsídio são os países pobres, alijados do mercado, porque o subsídio diminui preços de produtos agrícolas. Em terceiro lugar, retirando subsídios, o mercado ajusta-se, como já aconteceu com o Brasil ou a Nova Zelândia.
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.