Soja e o desmatamento na Amazônia
Decio Luiz Gazzoni
Antecipo a conclusão: No caso do Brasil, não há necessidade de desmatar. Basta utilizar e combinar adequadamente duas alternativas que dispomos, que são o aproveitamento de áreas antropizadas e o aumento constante da produtividade da cultura.
No primeiro caso, as áreas antropizadas provêm majoritariamente de pastagens, sejam elas degradadas ou liberadas por melhorias dos índices zootécnicos. Estima-se que, nos próximos 30 anos, uma área superior a 30 milhões de hectares de pastagens será liberada para outros usos, grande parte dela com adequação para uso em culturas anuais, como soja e milho. Adicionalmente, o crescente uso de sistemas de integração lavoura-pecuária (iLP) também permite expandir a área de soja, sem necessidade de recorrer ao desmatamento.
Quanto vamos produzir?
Na pg. 163 do livro “A saga da soja – de 1050 a.C. a 2050 d.C.”, publicado pela Embrapa, o cenário mais provável aponta a duplicação da demanda mundial de soja entre 2020 e 2050. Caberia ao Brasil o protagonismo neste processo, estimando-se que aqui serão produzidas 260 milhões de toneladas (Mt), em 2050. Podemos fazer alguns exercícios para entender a importância do aumento da produtividade como forma de ampliar a produção de soja sem desmatamento.
Inicialmente, é importante visitar o site do CESB (http://www.cesbrasil.org.br/publicacoes/) e verificar como um número crescente de produtores tem demonstrado ser possível ir muito além da média brasileira de produtividade de soja. O recorde nacional é de 8.945 kg/ha, muito superior à maior média Conab, que foi de 3.394 kg/ha, na safra 2016/17. E não é apenas uma questão de recorde, centenas de produtores de diferentes regiões já demonstraram ser possível aumentar em muito a produtividade da soja, ampliando a rentabilidade. Se estes produtores conseguem – e eles utilizam apenas tecnologias disponíveis no mercado – qualquer outro produtor de soja pode fazê-lo.
Tabela 1. Projeção de área e produtividade de soja em 2050.
A = Incremento anual de produtividade (%) B = Produtividade em 2050 (kg/ha) C = Área de soja em 2050 (Mha) |
Como vamos produzir?
A Tabela 1 elenca várias possibilidades, desde a fixação da produtividade atual (3.394 kg/ha) até 2050, quanto a possibilidade de não haver qualquer expansão de área, com o acréscimo de produção sendo obtido exclusivamente por ganhos de produtividade. Essas duas hipóteses extremas servem apenas para compor a curva, devendo-se atentar para os valores centrais de ganhos anuais de produtividade (entre 1 e 1,5%).
Para não haver expansão de área, necessitaríamos de incrementos médios anuais de 2,25% na produtividade, atingindo 7.119 kg/ha em 2050. Embora inferior ao atual recorde de produtividade, consideramos não ser factível obter essa média de produtividade, mesmo em 2050. Por outro lado, fixando-se a maior produtividade já obtida no Brasil, necessitaríamos mais do que dobrar a área de soja até 2050. Essa hipótese também pode ser totalmente desconsiderada.
No livro A Saga da Soja (pg. 39) verifica-se que, entre 1960 e 2018, ocorreu um incremento geométrico médio de 1,53% na produtividade de soja. Portanto, com base no passado recente, pode-se considerar factível obter valores similares para o futuro mediato, considerando-se o invulgar avanço da Ciência nessas décadas. Nesse caso, a produtividade da soja brasileira, em 2050, situar-se-ia entre 4.574 e 5.305 kg/ha, um acréscimo inferior a 50% sobre a maior produtividade média do Brasil. Nesse caso, necessitaríamos expandir entre 12 e 20 Mha até 2050. Partindo da informação do potencial de liberação de 30 Mha de pastagens até aquela data, estamos muito confortáveis em afirmar que é perfeitamente possível produzir toda a soja que demandarem do Brasil até 2050, sem derrubar uma única árvore.
E no Cerrado?
Participei recentemente de dois workshops promovidos pela The Nature Conservancy (TNC), cujo objetivo era justamente propor modelos sustentáveis de expansão da produção de soja no Cerrado. Essa ONG projeta para o Cerrado aumento de 7 Mha, até 2030, além dos 19 Mha atuais.
Tabela 2. Projeção de área e produtividade de soja no Cerrado.
A = Área de soja em Mha B – Produção de soja em Mt C = Produtividade (kg/ha) para não expandir área D = Produtividade (kg/ha) para expandir 3,5 Mha |
A simulação exposta na Tabela 2 mostra que a produção de soja no Cerrado deverá expandir-se de 64 para 88 Mt, entre 2020 e 2030. Na coluna C é calculada a produtividade necessária para obter a mesma produção (coluna B), sem alteração de área, o que exigiria ganhos de 3,2% anuais. E, na coluna D, apresenta-se a produtividade obtida com incrementos anuais de 1,53%, o mesmo índice obtido no Brasil entre 1960 e 2018. Nesse caso, a demanda de área seria inferior a 50% do previsto pela TNC, atingindo, em 2050, produtividade de 3.951 kg/ha, o que é muito provável e factível.
Assim, novamente, e por outra linha de raciocínio, é possível concluir que o Brasil pode produzir a soja que potencialmente será demandada do país, sem cortar uma árvore sequer. Urge, desde já, um esforço integrado, persistente e permanente de ganho de produtividade sustentável na cultura da soja, lastreado em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias com este objetivo, e de assistência técnica para garantir que essas tecnologias serão amplamente adotadas.
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.