A vida de um executivo de operações na agroindústria é repleta de privações. Não se pode dizer que o salário é ruim, pois com ele pode-se prover a família e garantir boa educação e saúde aos filhos.
Mas o preço disso é muitas vezes não ter família.
Sempre fui apaixonado pelo trabalho e sempre acreditei que com as minhas ações eu poderia contribuir para mudar o mundo. E fornecer alimento e energia renovável para o maior número de pessoas possível é um grande passo para atingir meus objetivos de vida.
Além disso, empregar milhares de trabalhadores e incluí-los no rol de cidadãos economicamente ativos é uma função social que por si só já poderia credenciar os investidores que assumem os riscos da agricultura como pessoas de boa fé que buscam deixar um legado de sua existência neste mundo.
Eu estava com altíssima demanda no trabalho, pois havia uma safra a começar (eu já tinha enfrentado mais de uma dezena de inícios de safra, mas sempre é uma emoção enorme este momento). Tínhamos 450 equipamentos em manutenção pesada para finalizar, 3 mil hectares de lavoura para plantar, 700 funcionários novos para treinar, dezenas de contratos de prestação de serviço para negociar e assinar e, acima de tudo, revisar o orçamento para aprovação do Conselho de Administração da Companhia.
Naquela noite, tinha um jantar de negócios com um fornecedor de matéria-prima em uma cidade vizinha. Como não sabia quanto tempo poderia durar o jantar, solicitei um motorista para me conduzir ao evento. O pessoal de logística escalou o Sr. Zezinho para a tarefa.
Sr. Zezinho era um motorista que começou como tratorista, passou a motorista de caminhão delivery e posteriormente aos caminhões canavieiros. Por quase 30 anos exerceu estas funções. Criou os 3 filhos, e hoje todos estão formados em boas universidades e exercem profissões que dão a eles o popular "título" de Doutor.
Mas Zezinho, já aposentado, continuava a trabalhar para complementar a renda da família. Mas mesmo estando ativo como trabalhador, ele mantinha um forte vínculo de afeto mútuo com todos os integrantes da sua família, realizando um tradicional almoço de domingo, onde todos sempre faziam questão de participar, faça chuva ou Sol.
A viagem que faríamos duraria 1 hora e aproveitei o trajeto para conversar ao celular com todos os meus subordinados diretos sobre a revisão de nosso planejamento orçamentário. Aquele seria um ano muito difícil pois havia excesso de oferta de açúcar no mercado mundial e os mercados futuros sinalizavam um cenário baixista para os preços ao longo do ano. Se não pudéssemos enxugar nosso orçamento, fatalmente teríamos naquele ano um resultado financeiro negativo.
Nesta época, eu saia para o trabalho às 4am e retornava ao lar por volta das 11pm. Já fazia 4 semanas que não via meus filhos acordados. Mas dependiam de mim quase 2 mil famílias que tinham como única oportunidade de emprego a nossa empresa. Se ela deixasse de ser rentável e os donos decidissem fechar a fábrica, as pessoas deixariam de ter renda para sobreviver.
Chegamos ao restaurante e rapidamente fui ao encontro do nosso fornecedor. Fiquei com pena do Sr. Zezinho e eu o convidei para jantar conosco (algo inusitado em reuniões deste tipo, mas eu não me sentia melhor do que o meu motorista para deixar de convidá-lo a nos acompanhar).
Sr. Zezinho presenciou toda a dificuldade da negociação, argumentos e contra-argumentos, momentos de exaltação e momentos de silêncio inquieto. O jantar, por melhor que fosse a comida, a condição de "queda-de-braços" com aquele fornecedor fazia com que não apreciássemos os pratos com a devida e merecida atenção.
De qualquer modo, jantares como este já eram corriqueiros para mim, mas não para o Sr. Zezinho.
No caminho de volta, liguei para o presidente executivo para compartilhar com ele o sucesso da negociação e também comentar que a revisão orçamentária estava sendo mais complexa e dolorosa do que inicialmente havíamos imaginado. Mesmo assim consegui transmitir com sucesso toda a evolução do dia para o meu chefe e mostrar a ele uma visão um pouco mais otimista para aquele ano-safra.
Quando desliguei o telefone celular, meu esgotamento era incontestável. Mas antes de iniciar um cochilo, dirijo-me ao Sr. Zezinho, aproveitando que ele havia me acompanhado toda a noite vendo o meu sofrimento para garantir que tudo o que havia sido planejado ficasse perfeito, e pergunto:
AMV: Zezinho, quero te fazer uma proposta: a partir de amanhã trocaremos de cargo. Eu farei o seu serviço de motorista e você fará o meu serviço de diretor!"
Sr. Zezinho: Mas Dr., a troca vale para os salários também?
AMV: Tudo, vale para responsabilidades, salário, benefícios e tudo o mais que está previsto em nossos contratos de trabalho.
Sr. Zezinho: Então vamos trocar.
Como faltavam 20 minutos para o término de nosso retorno, não tardei em dormir. E Sr. Zezinho continuou sua jornada dirigindo e pensando sobre a minha oferta, mesmo sabendo que ela era obviamente uma brincadeira.
Quando chegamos à minha casa, próximo às 0h, Sr. Zezinho me acorda e me diz: "Dr. já chegamos".
Ainda sonolento, desço do carro e pego a minha mala no porta-malas. Volto até o Sr. Zezinho para lhe apertar as mãos e agradecer pela excelente viagem que ele havia me proporcionado. Neste momento, ele me dirige a palavra:
"Dr., pensei na sua proposta e mudei de idéia... quero ser diretor não!"
E eu lhe respondi: "Mas porque Zezinho?"
Sr. Zezinho: "Família não tem preço!"
Mas o preço disso é muitas vezes não ter família.
Sempre fui apaixonado pelo trabalho e sempre acreditei que com as minhas ações eu poderia contribuir para mudar o mundo. E fornecer alimento e energia renovável para o maior número de pessoas possível é um grande passo para atingir meus objetivos de vida.
Além disso, empregar milhares de trabalhadores e incluí-los no rol de cidadãos economicamente ativos é uma função social que por si só já poderia credenciar os investidores que assumem os riscos da agricultura como pessoas de boa fé que buscam deixar um legado de sua existência neste mundo.
Eu estava com altíssima demanda no trabalho, pois havia uma safra a começar (eu já tinha enfrentado mais de uma dezena de inícios de safra, mas sempre é uma emoção enorme este momento). Tínhamos 450 equipamentos em manutenção pesada para finalizar, 3 mil hectares de lavoura para plantar, 700 funcionários novos para treinar, dezenas de contratos de prestação de serviço para negociar e assinar e, acima de tudo, revisar o orçamento para aprovação do Conselho de Administração da Companhia.
Naquela noite, tinha um jantar de negócios com um fornecedor de matéria-prima em uma cidade vizinha. Como não sabia quanto tempo poderia durar o jantar, solicitei um motorista para me conduzir ao evento. O pessoal de logística escalou o Sr. Zezinho para a tarefa.
Sr. Zezinho era um motorista que começou como tratorista, passou a motorista de caminhão delivery e posteriormente aos caminhões canavieiros. Por quase 30 anos exerceu estas funções. Criou os 3 filhos, e hoje todos estão formados em boas universidades e exercem profissões que dão a eles o popular "título" de Doutor.
Mas Zezinho, já aposentado, continuava a trabalhar para complementar a renda da família. Mas mesmo estando ativo como trabalhador, ele mantinha um forte vínculo de afeto mútuo com todos os integrantes da sua família, realizando um tradicional almoço de domingo, onde todos sempre faziam questão de participar, faça chuva ou Sol.
A viagem que faríamos duraria 1 hora e aproveitei o trajeto para conversar ao celular com todos os meus subordinados diretos sobre a revisão de nosso planejamento orçamentário. Aquele seria um ano muito difícil pois havia excesso de oferta de açúcar no mercado mundial e os mercados futuros sinalizavam um cenário baixista para os preços ao longo do ano. Se não pudéssemos enxugar nosso orçamento, fatalmente teríamos naquele ano um resultado financeiro negativo.
Nesta época, eu saia para o trabalho às 4am e retornava ao lar por volta das 11pm. Já fazia 4 semanas que não via meus filhos acordados. Mas dependiam de mim quase 2 mil famílias que tinham como única oportunidade de emprego a nossa empresa. Se ela deixasse de ser rentável e os donos decidissem fechar a fábrica, as pessoas deixariam de ter renda para sobreviver.
Chegamos ao restaurante e rapidamente fui ao encontro do nosso fornecedor. Fiquei com pena do Sr. Zezinho e eu o convidei para jantar conosco (algo inusitado em reuniões deste tipo, mas eu não me sentia melhor do que o meu motorista para deixar de convidá-lo a nos acompanhar).
Sr. Zezinho presenciou toda a dificuldade da negociação, argumentos e contra-argumentos, momentos de exaltação e momentos de silêncio inquieto. O jantar, por melhor que fosse a comida, a condição de "queda-de-braços" com aquele fornecedor fazia com que não apreciássemos os pratos com a devida e merecida atenção.
De qualquer modo, jantares como este já eram corriqueiros para mim, mas não para o Sr. Zezinho.
No caminho de volta, liguei para o presidente executivo para compartilhar com ele o sucesso da negociação e também comentar que a revisão orçamentária estava sendo mais complexa e dolorosa do que inicialmente havíamos imaginado. Mesmo assim consegui transmitir com sucesso toda a evolução do dia para o meu chefe e mostrar a ele uma visão um pouco mais otimista para aquele ano-safra.
Quando desliguei o telefone celular, meu esgotamento era incontestável. Mas antes de iniciar um cochilo, dirijo-me ao Sr. Zezinho, aproveitando que ele havia me acompanhado toda a noite vendo o meu sofrimento para garantir que tudo o que havia sido planejado ficasse perfeito, e pergunto:
AMV: Zezinho, quero te fazer uma proposta: a partir de amanhã trocaremos de cargo. Eu farei o seu serviço de motorista e você fará o meu serviço de diretor!"
Sr. Zezinho: Mas Dr., a troca vale para os salários também?
AMV: Tudo, vale para responsabilidades, salário, benefícios e tudo o mais que está previsto em nossos contratos de trabalho.
Sr. Zezinho: Então vamos trocar.
Como faltavam 20 minutos para o término de nosso retorno, não tardei em dormir. E Sr. Zezinho continuou sua jornada dirigindo e pensando sobre a minha oferta, mesmo sabendo que ela era obviamente uma brincadeira.
Quando chegamos à minha casa, próximo às 0h, Sr. Zezinho me acorda e me diz: "Dr. já chegamos".
Ainda sonolento, desço do carro e pego a minha mala no porta-malas. Volto até o Sr. Zezinho para lhe apertar as mãos e agradecer pela excelente viagem que ele havia me proporcionado. Neste momento, ele me dirige a palavra:
"Dr., pensei na sua proposta e mudei de idéia... quero ser diretor não!"
E eu lhe respondi: "Mas porque Zezinho?"
Sr. Zezinho: "Família não tem preço!"