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Pesquisa Agropecuária e Agricultura Familiar


Newton de Lucena Costa

No Amapá, como nas demais regiões da Amazônia, a agricultura caracteriza-se pela derrubada e queima da floresta, com o plantio de culturas de subsistência, principalmente a mandioca, por dois ou três anos consecutivos e posterior abandono da área. Neste sistema, há uma redução da produção dos cultivos a cada ano causada pela diminuição da capacidade produtiva dos solos, obrigando ao agricultor realizar desmatamentos de novas áreas. Geralmente uma área abandonada permanece em pousio (capoeira) por 8 a 15 anos, onde ocorre uma recuperação da fertilidade dos solos, pela presença de espécies fixadoras de nitrogênio e pela melhoria de reciclagem e absorção de nutrientes; depois deste período esta área poderá ser reutilizada.

Este sistema agroflorestal tradicional, conhecido como agricultura migratória, não tem contribuído para a melhoria do nível de vida do produtor rural, além de causar sérios danos ao meio ambiente nas regiões com maior densidade populacional. Nestas regiões, devido a necessidade de terras para cultivos, tem-se observado que o período de pousio utilizado tem sido insuficiente para a total reabilitação da fertilidade do solo, levando a redução da produtividade dos cultivos e da vegetação secundária, perdas de biodiversidade e a degradação do ambiente. No Amapá, devido ao curto período de pousio utilizado nas regiões do Pacui, Matapi e Mazagão, tem-se observado extensas áreas abandonadas em processo de savanização, que apresentam uma regeneração secundária lenta e composta principalmente por espécies herbáceas, sendo anualmente queimada.

Por outro lado, este sistema de produção utilizado pelos agricultores não lograram o desenvolvimento do setor, pelo contrário, a pobreza é uma constante no meio rural, onde se observa um declínio da produção agrícola e a intensificação do êxodo rural. Nos último quinze anos, o Amapá passou por um grande processo de urbanização, onde cerca de 35% da população rural migraram para as cidades, sendo que atualmente cerca de 90% da população do estado vivem nas zonas urbanas. Como causa desta acelerada urbanização da população, são citadas a instalação da Zona de Livre Comércio de Macapá e Santana e a falta de uma política agrícola capaz de desenvolver o meio rural. Neste mesmo período, observou-se uma redução em 30% no número de estabelecimentos agrícolas e em 42% na área total cultivada no estado, diminuindo a produção dos principais produtos agrícolas entre 40 a 60% da produção obtida no início da década de oitenta. Atualmente, mais de 90% dos produtos de origem agrícola e pecuária consumidos no estado são provenientes dos demais estados da federação.

biomassa da floresta. No entanto, no decorrer dos anos observa-se um declínio gradual na produtividade destas pastagens e o aparecimento de plantas invasoras como conseqüência da utilização de práticas inadequadas tanto de manejo dos solos como das pastagens.

A maioria dos agrossistemas de pastagens atualmente em uso não possuem a eficiência dos ecossistemas naturais para a reciclagem de nutrientes e fixação biológica de nitrogênio, ocasionando perdas de nutrientes do solo por lixiviação e erosão, além da extração pela produção animal. A sustentabilidade das pastagens cultivadas nas regiões tropicais depende do desenho de agrossistemas similares aos sistemas naturais, que possuem uma eficiente reciclagem de nutrientes e fixação biológica de nitrogênio, onde as perdas de nutrientes são reduzidas e as entradas capazes de suprir suas necessidades. Considera-se que os sistemas silvipastoris bem desenhados podem apresentar estas características, ademais de aumentar a produção total de biomassa dos sistemas e a renda do produtor pela venda dos produtos do componente arbóreo.

Os riscos decorrentes deste quadro permitem que seja organizado um cenário para as atividades agrícolas, agroflorestais, florestais e agrossilvipastoris para o Amazonas com barreiras bastante expressivas para implementação do paradigma do desenvolvimento sustentável, provavelmente como decorrência de dois componentes:

1. os baixos níveis de disponibilidade, geração e oferta de tecnologias para apoiar e/ou fundamentar o desenvolvimento sócio econômico regional sobre bases sustentáveis, com ganhos sociais voltados ao resgate de cidadania do homem rural, obtidos como conseqüência de ganhos econômicos reais - no contexto de uma economia globalizada - e baixos níveis de impacto ambiental. Neste ambiente, para compensar os custos de produção mais elevados que aqueles obtidos no ambiente do paradigma da revolução verde, é importante que a produção receba valores agregados através de processos industriais, serviços ambientais, certificação com o selo verde e uso da marca Amazônia; e,

2. os baixos níveis de organização do setor rural, com inexpressivas ações de associativismo ou cooperativismo, concorrendo para um estado de apenas potencial das iniciativas agrícolas no interior do Estado. Boa parte das atividades produtivas do interior do Amapá está formada por ribeirinhos, pequenos produtores voltados para agricultura itinerante ou agricultura familiar de subsistência e, comunidades indígenas. Pode-se afirmar ser baixo o nível de conhecimento sobre tecnologias de escala ou de processos para agregar valor à produção. Em linhas gerais, existe uma deficiência generalizada sobre demandas comerciais, canais de comercialização, mercados potenciais, riscos e vantagens apresentados pela economia globalizada.

Para superar-se estas barreiras, três aspectos devem ser considerados: 1. qual é o modelo de desenvolvimento que se busca?; 2. quais são as tecnologias necessárias para atender as demandas do modelo escolhido?; e 3. quais são as prioridades de P&D a serem adotadas?.

Para o Amapá, a disponibilidade de tecnologias de escala e de soluções tecnológicas para o desenvolvimento sustentável é extremamente baixa. Esta situação é decorrente da maior parte dos esforços despendidos ter sido fortalecidos na busca de conhecimento científico do bioma, com pouco estimulo para a pesquisa tecnológica, resultando em uma baixa produção de tecnologias experimentais, ainda distantes das desejáveis tecnologias de escala. De fato, transformar uma tecnologia experimental em tecnologia de escala, com capacidade de ser financiada, requer disponibilidade de tempo, infraestrutura e recursos humanos e financeiros em níveis maiores que aqueles que estavam disponíveis no momento em foram utilizados na busca do conhecimento. As prioridades de P&D consideradas na terceira questão estão relacionadas com as demandas por tecnologias de escala e soluções tecnológicas para fundamentar, apoiar ou fortalecer o desenvolvimento sustentável. Duas linhas de fortalecimento devem ser consideradas: a primeira voltada ao fortalecimento dos estudos relacionados com a busca e complementação do conhecimento existente e a segunda com a organização, validação e oferta de tecnologias de escala e de soluções tecnológicas consideradas prioritárias.

Apesar do Amapá ter dado um salto de uma fase agrícola, voltada para o extrativismo e subsistência, para uma ocupação territorial e o desenvolvimento sócio-econômico do meio rural passa por atividades agrícolas e florestais, que fundamentam políticas e programas voltados para o desenvolvimento sustentável.

As soluções tecnológicas devem considerar seis condicionantes fundamentais: oferecer produtos com qualidade; oferecer um custo competitivo em nível de uma economia globalizada; permitir, se utilizada adequadamente, a oferta de um volume de produção compatível com as demandas de mercado; apresentar baixos níveis de impacto ambiental; agregar valor à produção através de processos industriais, do selo verde ou certificação pelas normas ISO 14.000, serviços ambientais, com ênfase ao seqüestro do carbono, e uso da marca Amazônia. Dentro deste quadro, dois condicionantes complementares são necessárias: oferecer soluções tecnológicas alternativas para comunidades indígenas, sem perda de suas culturas e tradições, como mecanismo para diminuir ou eliminar seu isolamento; e, disponibilizar soluções tecnológicas para fundamentar agronegócios alternativos.

Além disso, as atividades de capacitação, tanto para o público externo como para o público interno, devem ser incentivadas. É indispensável uma área pública para capacitação, maior, independente e com melhor acesso para os interessados, com espaço para exposições permanentes, salas de aula e de reuniões, espaço para atendimento de visitantes e um auditório que atenda tanto às necessidades do Centro como do público externo. As visitas e consultas devem ser recebidas e atendidas diretamente nesse espaço, para diminuir a pressão sobre as equipes de pesquisa. Também, são necessárias adequações nas áreas de atendimento a clientes e fornecedores bem como melhorar a infra-estrutura para atendimento médico. Por outro lado, para que a Embrapa Amapá possa desenvolver uma efetiva atuação em suas atividades de P&D é necessário compatibilizar seu quadro de pessoal, pesquisadores e apoio, sua frota de veículos, laboratórios e seus campos experimentais.

A geração e/ou adaptação do conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico são processos de custo elevado para a sociedade e que somente são justificáveis se resultarem em atividades que gerem bens econômicos, bem estar social ou proteção aos recursos naturais. Verifica-se que grande parte dos conhecimentos técnico-científicos gerados para dar suporte ao desenvolvimento agrícola sustentável do Amapá necessita de transformações e adaptações para se tornarem produtos acabados que tragam impacto econômico, social e proporcionem maior conservação e proteção aos recursos naturais. Os recentes avanços na área de comunicação e a crescente possibilidade de acesso à informação sugerem que as organizações de pesquisa, ensino e extensão precisam descobrir formas mais eficazes de se articularem para reduzir o tempo de acesso e aumentar a população de usuários beneficiados pelas novas tecnologias. A globalização, enquanto fonte de novas oportunidades para as regiões emergentes como o Cerrado, também introduz riscos consideráveis. A transição para um sistema de agricultura comercial de alta produtividade permitirá a alguns agricultores beneficiarem-se das melhores oportunidades de comércio e conseqüentemente aumentar sua renda. Entretanto, nas áreas mais remotas e que não dispoem de tecnologias perfeitamente adaptadas, os agricultores podem se tornar vulneráveis e marginalizados frente ao processo de globalização da agricultura. Esses agricultores, geralmente, necessitam de intervenções do poder público, em parte, sob a forma de ações de pesquisa e desenvolvimento.

A ocupação racional dos ecossistemas do Amapá deve dispor de sistemas de produção baseados na tecnologia em oposição aos sistemas de produção baseados na qualidade dos recursos naturais, utilizados tradicionalmente em outras localidades. Isso foi responsável pela transição notável no setor agrícola para maiores produtividades, melhorias na qualidade dos produtos e avanços na tecnologia. Entretanto, os produtores rurais da região não se beneficiaram igualmente dessas mudanças. Ainda hoje, um número muito grande de agricultores depende de variedades de plantas não adaptadas, de práticas de manejo ineficientes e de uma agricultura de subsistência de baixa produtividade. Para superar esta realidade é necessário aumentar os trabalhos voltados para a melhoria da compreensão dos processos de transferência de tecnologia para que essas possam ser adaptadas e adotadas pelas comunidades locais.

As reconhecidas limitações e recursos financeiros mínimos das estruturas da extensão rural oficial levam à necessidade de se adotar novas formas de transferência de tecnologias. Essas novas formas podem não excluir a participação dos governos, mas deverá incluir a participação de outros agentes, como os próprios produtores, através de suas associações e/ou cooperativas, além das escolas família agrícolas.

A Embrapa Amapá tem procurado atingir o usuário por meio de atividades de extensão (dias de campo, cursos, programas de rádio, televisão) e publicações. Essa transferência, no entanto, tem alcance limitado devido à reduzida disponibilidade de recursos humanos especializados. Outra contribuição está ligada à adaptação de métodos de transferência de tecnologia com o enfoque em desenvolvimento, com a participação da extensão rural, de agricultores e pecuaristas, além do envolvimento dos diversos segmentos da administração municipal.

As propostas tecnológicas para os produtores devem ser adequadas às demandas e coerentes com sua capacidade gerencial, considerando as pressões ambientais e econômicas do agronegócio. Sendo assim, conhecer como o produtor combina os elementos constitutivos de sua exploração em um sistema de produção é extremamente importante para adequação/difusão/validação de tecnologias que irão melhorar os sistemas em uso.

A implementação das mudanças tecnológicas deverá ocorrer com a efetiva participação dos produtores já que eles são os reais promotores do desenvolvimento. Duas idéias básicas são fundamentais em um processo de inovação tecnológica: (a) as inovações não podem debilitar a capacidade de resposta das unidades de produção frente à pressão dos fatores externos; (b) as propostas técnicas devem permitir melhorar de maneira significativa a eficiência das funções de produção adotadas.

O processo de mudança tecnológica baseia-se na observação direta e na exploração da realidade dos produtores, ou seja, ele é iniciado no âmbito da unidade de produção, valorizando ao mesmo tempo sua experiência e o conhecimento dos técnicos. Neste sentido, a propriedade rural passa a ser entendida como um sistema de produção (a propriedade com um todo). A mudança tecnológica deve ser vista como um processo formativo e deve permitir a capacitação permanente dos produtores e dos técnicos, garantindo a perpetuação do processo. As soluções tecnológicas propostas aos produtores deverão ter como objetivo final o desenvolvimento sustentável, entendido em suas dimensões econômicas, sociais, ecológicas e ambientais. A idéia fundamental do Projeto é a adequação/validação de tecnologias associada ao fortalecimento da transferência e difusão de tecnologia num processo que facilite sua adoção pelos produtores rurais.

Newton de Lucena costa - Embrapa Amapá

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