O Desafio do Controle de Transgênicos: Limites Regulatórios e a Discrepância nos Métodos de Detecção
No Brasil, o uso de alimentos transgênicos é regulado para assegurar a segurança alimentar e o direito à informação. Organismos geneticamente modificados (OGMs), popularmente chamados de transgênicos, são modificados para trazer características como resistência a pragas e aumento de produtividade. A presença de transgênicos nos produtos alimentícios, no entanto, deve ser claramente indicada nos rótulos quando ultrapassa um limite estabelecido, para que os consumidores façam escolhas conscientes.
A legislação brasileira estipula que produtos contendo ingredientes transgênicos precisam ser rotulados com o símbolo “T”. Esse critério tem como base o peso do ingrediente transgênico em relação ao produto total, sendo uma referência prática para o consumidor identificar produtos transgênicos. No entanto, o método mais comum de detecção desses ingredientes, a análise de PCR, trabalha com a identificação do DNA específico de OGMs, o que gera uma discrepância entre a prática laboratorial e a regulação legal de 1% em peso.
O Limite de 1% e o Método de PCR: Diferenças Essenciais
A análise por PCR (reação em cadeia da polimerase) não mede a quantidade em peso dos ingredientes transgênicos, mas sim a proporção de DNA transgênico em relação ao DNA total presente na amostra. Essa técnica é altamente sensível e pode detectar até pequenas frações de DNA transgênico, mesmo que o ingrediente geneticamente modificado represente uma quantidade insignificante em peso no produto. Essa alta sensibilidade, no entanto, resulta em um desafio para alinhar o método de PCR ao limite de 1% em peso.
Por que a Análise por PCR Não Reflete o Limite de 1% em Peso?
A utilização do PCR pode resultar em um percentual elevado de DNA transgênico na análise, mesmo quando o peso do ingrediente transgênico é inferior a 1%. Isso ocorre por algumas razões:
Sensibilidade Excessiva do PCR: O PCR pode detectar pequenas quantidades de DNA transgênico, o que significa que, mesmo se o ingrediente modificado estiver presente em uma quantidade mínima, a análise pode resultar em um percentual alto de DNA.
Distribuição de DNA na Amostra: Em produtos alimentícios, a distribuição de DNA nem sempre é uniforme. Um ingrediente transgênico em pequena quantidade pode resultar em uma alta proporção de DNA transgênico, especialmente se outros ingredientes não possuírem DNA, como óleos refinados.
Natureza Diferente do PCR e do Critério em Peso: O PCR mede a concentração de DNA, enquanto a regulação foca no peso do ingrediente. Esses critérios não são diretamente comparáveis, levando a conflitos entre o resultado da análise e o limite regulatório.
Implicações da Discrepância entre PCR e Limite em Peso
A diferença entre os resultados de PCR e o critério legal pode gerar interpretações conflitantes. Um fabricante pode obter um resultado de PCR indicando mais de 1% de DNA transgênico, enquanto o ingrediente em si representa menos de 1% do peso total. Esse descompasso levanta questões sobre a aplicação do critério de rotulagem e a adequação dos métodos de controle.
Essa questão foi discutida no recente julgamento do Recurso Especial nº 1788075/DF pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), envolvendo a União e a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (ABIA) contra o Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). A decisão do STJ, favorável à União e à ABIA, reflete a complexidade do controle de transgênicos e a necessidade de alinhar os métodos de análise com as exigências legais.
Possíveis Soluções para Harmonizar a Legislação e os Métodos de Controle
Para superar a inconsistência entre o PCR e o limite de 1% em peso, algumas alternativas podem ser consideradas:
Métodos Complementares: Além do PCR, métodos que quantifiquem o peso dos ingredientes transgênicos poderiam ajudar a medir a proporção real em peso.
Limites Diferenciados para Detecção e Rotulagem: Em alguns países, os limites para rotulagem e detecção são distintos. O Brasil poderia adotar uma tolerância para o PCR, priorizando o limite de 1% em peso.
Revisão das Normas Regulamentares: Com o avanço das tecnologias de análise, uma atualização da legislação poderia ajudar a harmonizar o PCR com as exigências de rotulagem, preservando o direito à informação sem comprometer a viabilidade do controle para os produtores.
Conclusão: Desafios no Controle de Transgênicos
Embora o PCR seja uma ferramenta eficaz na detecção de DNA transgênico, ele não reflete diretamente a quantidade em peso do ingrediente transgênico, o que cria conflitos na aplicação da regulamentação. A decisão do STJ evidenciou a necessidade de ajustes na legislação para que o controle de transgênicos se alinhe tanto com os interesses do consumidor quanto com a realidade técnica da indústria. A harmonia entre os métodos de análise e as exigências legais é essencial para assegurar um controle justo e eficiente dos transgênicos, garantindo clareza na informação para o consumidor brasileiro.