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O testamento de Sir Albert Howard



Gilberto R. Cunha
Mais que um mero título de livro, um autêntico testamento, se entendido como o ato pelo qual alguém dispõe de seu patrimônio, para depois da sua morte, estabelecendo aos beneficiários não só direitos, mas também deveres e obrigações, é o que se pode depreender da leitura da obra de Sir Albert Howard, “Um Testamento Agrícola”, cuja edição original, sob o título “An Agricultural Testament”, pela Oxford University Press, data de 1943.
Albert Howard (1873-1947) nasceu na Inglaterra, mas foi na Índia, onde atuou como conselheiro agrícola, que, em função do seu trabalho, alcançaria reconhecimento internacional como um dos precursores da agricultura orgânica. O legado de maior repercussão, deixado por ele na obra que chamou de “testamento”, é o Processo Indore, que no Brasil ficou conhecido pelo nome de compostagem. O Processo Indore, pelos resultados demonstrados, na Índia e na África, foi amplamente difundido, via boletins, em línguas inglesa e espanhola, que alcançaram várias tiragens. Também não faltou a decantada publicação científica, cuja versão integral no Journal of the Royal Society of Arts (Nov. 22, 1935), foi referendada em nota na revista Nature de 29 de fevereiro de 1936 (Howard, A. Manufacture of Humus by the Indore Process, Nature 137 (3461): 363–363, 1936). Porém, as contribuições de Howard, especialmente pelas atitudes durante estada na Índia, opiniões e visões sobre agricultura e ciência, publicamente expressas, transcenderam os limites da técnica de compostagem. O legado de Sir Albert Howard, em agroecologia, encontra similaridade, pela relevância, com a teoria da trofobiose de Francis Chaboussou, por exemplo.
A obra principal de Sir Albert Howard - “An Agricultural Testament” – pode ser acessada gratuitamente (arquivo em pdf), na edição inglesa (em geral a 5ª, de 1949), a partir de sites na Internet. Não obstante a clareza do texto de Sir Albert Howard, que não apresenta maiores dificuldades para leitura e compreensão, tomo a liberdade de sugerir, aos interessados, a edição em português – “Um Testamento Agrícola” -, publicada em 2007, pela Editora Expressão Popular. A tradução primorosa do professor Eli Lino de Jesus conta com o diferencial da apresentação e das notas de rodapé de autoria do professor Luiz Carlos Pinheiros Machado, que valorizam sobremaneira a edição brasileira. Luiz Carlos Pinheiro Machado, ex-professor da UFRGS e da UFSC, além de ter ocupado a presidência da Embrapa (1985), junto com o bajeense Nilo Romero e Humberto Sorio Junior, ex-professor da UPF, integra a tríade de autoridades (e propagandistas) do Pastoreio Racional Voisin na América Latina.
O núcleo da tese defendida por Haward é a fertilidade do solo. Destaca que plantas daninhas, doenças e pragas nos sistemas cultivados nada mais são que indicadores de desequilíbrio na fertilidade do solo, provocado por ações humanas equivocadas. Para ele, o húmus é a base da fertilidade dos solos. Isso explica porque o seu testamento é essencialmente uma receita de como produzir e usar húmus nos sistemas agrícolas. Ataca os discípulos de Liebig, que rotula de mentalidade NPK, por pregarem o uso de fertilizantes químicos para a cura de todos os males dos solos. Mostra-se partidário da integração de sistemas agrícolas, a exemplo da integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF), considerando indispensável a presença de animais para a prática de uma agricultura sustentável. Além de enaltecer o papel das leguminosas e a importância das micorrizas para a sustentação da fertilidade dos solos.
Por fim, Sir Albert Howard tece uma crítica ácida ao sistema de pesquisa agrícola oficial, que já na sua época era dominado pelas especializações. Segundo ele, um indicador valioso é o efeito do tempo sobre as cultivares das espécies economicamente exploradas. Caso demonstrem tendência à degeneração é porque algo vai mal. A eficiência da agricultura no futuro, segundo ele, poderia, dessa forma, ser medida pela diminuição no número de melhoristas vegetais. Quando os solos tornarem-se verdadeiramente férteis, poucos melhoristas vegetais bastarão. Destaco, por precaução, que essa opinião é de Sir Albert Howard e que não necessariamente coincide com a minha.
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