
A cana-de-açúcar já é matéria-prima de produtos reconhecidamente importantes - como o açúcar e o etanol -, mas ainda há um potencial extraordinário a ser extraído dos canaviais. Estima-se que ainda utilizamos muito pouco da energia disponível na cana, um terço apenas. O restante está concentrado nas pontas das folhas e no próprio bagaço, que podem ser transformados em etanol celulósico, em energia elétrica e derivados que estão sendo desenvolvidos graças ao investimento em pesquisa.
Há poucos dias a Crystalsev, uma das maiores comercializadoras brasileiras de etanol, e a americana Amyris, especializada no desenvolvimento de biocombustíveis, anunciaram que irão comercializar diesel, combustível de aviação e gasolina fabricados a partir da cana. A Santelisa Vale, acionista majoritária da Crystalsev, irá destinar dois milhões de toneladas de cana para o projeto e adotará a nova tecnologia na usina Santa Elisa.
As pesquisas já estão em andamento e o primeiro produto deverá ser lançado em dois anos: um diesel renovável, com redução de 80% nas emissões em comparação ao diesel mineral. Será obtido a partir da conversão de açúcares por bactérias em hidrocarbonetos e terá escala comercial mais rápida e econômica do que os demais biocombustíveis. O desenvolvimento do diesel renovável, além de ser menos poluente, poderá abrir mercados para o Brasil, que hoje se encontram pouco acessíveis.
A União Européia, por exemplo, trabalha com a meta de utilizar 10% de biocombustíveis nos transportes até 2020. O mercado europeu é extremamente protegido e mesmo com a redução dos subsídios para a produção de biocombustíveis, anunciada nesta semana, o etanol brasileiro enfrentará outras barreiras, como os tais critérios de sustentabilidade que a União Européia está discutindo. Além disso, lá utiliza-se muito diesel e, assim, o diesel renovável seria uma alternativa a mais para o Brasil alargar o espaço no mercado dos 27 países que compõem o bloco.
Outro derivado que está atraindo atenções é o plástico biodegradável, produzido a partir do açúcar numa planta-piloto anexa à Usina da Pedra, em Serrana. O produto é o resultado de pesquisas iniciadas em 92 e começou a ser produzido três anos depois. Atualmente são produzidas 50 mil toneladas por ano, mas a meta é chegar a 4.000 toneladas anuais. O plástico biodegradável pode ser usado na embalagem de cosméticos, alimentos, defensivos agrícolas, na área médica e na fabricação de descartáveis. Uma solução ao velho problema gerado pelo acúmulo de embalagens que demoram anos para se decompor.
Esses são apenas dois exemplos de novos produtos desenvolvidos a partir da cana. Com certeza, existem vários outros ensaios em laboratórios e mesmo as tecnologias já conhecidas estão sendo aperfeiçoadas. A extração do etanol a partir das folhas, por exemplo, que deverá representar um importante acréscimo sobre a quantidade de etanol produzido por hectare de cana, ainda não é economicamente viável, mas o será em pouco tempo.
Graças à tecnologia que o Brasil já consolidou, a cana já é a segunda principal fonte de energia, atrás apenas do petróleo. Em 2007, a cana e seus derivados ultrapassaram a energia hidráulica e foram responsáveis por 16% da matriz energética nacional. Em 2006, representava 14,5%. Isso ocorreu por conta do aumento do consumo de álcool hidratado e a expectativa é que a participação cresça, já que há um grande potencial da biomassa na oferta de energia elétrica.
Assim, o investimento em pesquisa será o diferencial para agregar valor ao agronegócio da cana e também abrir mercados. A discussão sobre o aquecimento global deu a largada para a busca de alternativas energéticas e soluções que minimizem os impactos sobre o meio ambiente. E se o Brasil fizer a lição de casa, estará com a faca e o queijo nas mãos.