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Não Existe Bala Perdida


Rutinaldo Miranda Batista Júnior
  
   Já tentei e desisti. Agora admito que jamais vou entender. A expressão “bala perdida” não faz sentido algum. Uma bala não se perde no meio do caminho. Como um desavisado motorista que perdeu seu mapa. É só lembrar que as balas foram feitas para matar. E se alguma delas extermina alguém, essa bala cumpriu integralmente sua função. Apesar dessa pessoa não ter sido o alvo. Que acaba se tornando uma criança ao comprar pão. O pai, a mãe, o tio, a tia, o avó,... ao retornar do trabalho. Ou alguém que apenas subverteu as regras famigeradas da atual sobrevivência urbana de ficar escondido na sua própria casa. Gente que, fora das estatísticas, adquire sua humanidade e têm um rosto. Quando, é claro, queremos enxergar.
   A verdade é que uma bala perdida não se perdeu. Ela encontrou seu destino de morte. Talvez, entretanto, a realidade fique menos aterradora. Mais distante de nossas vidas consideradas intocáveis. Ao ser encarada como uma eventual fatalidade que possa nos poupar do gatilho. E nos dá a ilusória e, acima de tudo, segura sensação de não sermos assim, tão facilmente, a próxima vítima. Quando a bala que errou seu caminho acaba matando apenas “por engano”. E esse artefato da morte, quem sabe, venha a sentir até remorso.
   Balas foram feitas para matar. Não importa se a pessoa “certa” ou “errada”. A bala perdida de verdade é aquela que não mata. Em uma sociedade em que as balas chovem e se tornar um defunto a qualquer instante virou rotina, dizer que balas são perdidas ou não é somente um paliativo para não enlouquecer de medo. E desviar nossos olhos para o inferno em que mergulhamos a cada dia.

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