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Manga com leite faz mal? Q-Boa potencializa Herbicida?


Marcelo Hilário Figueira Garcia

“Manga com leite faz mal! Pode matar!”

“Não pode engolir chiclete! Ele fica sete anos no estômago!”

Cresci ouvindo essas e muitas outras lendas, originárias do imaginário popular, que mesmo hoje tendo sido esclarecidas, continuam ainda vivas para muita gente.

E as lendas não existem somente em relação ao que podemos ou não comer. Elas se estendem ao folclore e até mesmo a setores da nossa economia. E com o campo, não poderia ser diferente.

No dia-a-dia das fazendas, ainda são encontradas algumas “receitas milagrosas” de caldas com ingredientes que foram incorporados às mesmas há muitos anos, pois em algum momento “alguém disse” que apresentavam bons resultados. Quando e onde isso aconteceu?  Quais os verdadeiros resultados obtidos? Foram comprovados?

Pois bem. Com a atual falta de herbicidas que estamos vivenciando, uma dessas receitas milagrosas (a qual nunca foi abandonada, diga-se de passagem), voltou à tona com força de Norte a Sul do País: a utilização de Q-Boa, a boa e velha Água Sanitária, no preparo de caldas para dessecação. Em alguns casos, em associação com herbicidas, tais como o Diquat. Em outros casos, mais extremos, substituindo 100% os dessecantes.

Vamos aos fatos.

A Água Sanitária comercial é uma solução de hipoclorito de sódio (NaClO), de cor levemente amarelo-esverdeada, com uma concentração variável de 1.5% a 6.0% m/m, ou seja, em 1 litro de água sanitária, existem de 15 gramas a 60 gramas do ingrediente ativo, o hipoclorito de sódio, que é um poderoso desinfetante e também alvejante de roupas.

A água sanitária possui pH de 11,5 a 13,5 em função da concentração do hipoclorito de sódio. Ou seja, ela é um produto extremamente alcalino. O que por si só nos traz um ponto de atenção, quando pensamos em sua utilização na agricultura.

Via de regra, os defensivos agrícolas possuem uma faixa de pH ideal para serem aplicados. Em sua grande maioria, essa faixa varia de pH=5.0 a pH=7.0, em alguns casos em valores mais baixos, como para os herbicidas como o próprio Diquat (pH=4.0 a pH=6.0) e Glifosato (pH=3.0 a pH=5.0) por exemplo. No entanto, existe uma regra geral para a maioria absoluta das moléculas dos defensivos: não trabalhar com pH alcalino, isto é, pH acima de 7.0. Isto porque nesse ambiente, as moléculas dos ingredientes ativos começam a perder atividade, reduzindo sua performance. E o que o produtor rural não quer e nem precisa é de uma calda cujos defensivos não funcionem.

Agora vamos imaginar uma calda onde são utilizados 500 mL/ha de Q-Boa, e 700 mL/ha de Diquat. Já viram alguma receita dessa no campo? E com outro herbicida?

Se considerarmos uma vazão de 50 Litros/ha, o pH resultante desta calda é ao redor de 8, um pouco acima (aqui no meu laboratório, a medição deu pH=8.41).  Razoavelmente alcalino não é?

Porque então essa mistura continua sendo usada? Pela mesma razão que muita gente ainda não engole chiclete e não bebe manga com leite.

Mas os resultados no campo mostram que essas caldas “torram” a soja, com um resultado visualmente impressionante. Pergunta de prova: e a qualidade das vagens de soja obtidas pela “dessecação” com Q-Boa? Os relatos obtidos não são nada animadores.

Quer potencializar a ação do herbicida? Use a química a seu favor, e não contra. Aplique um óleo mineral de qualidade, na dosagem recomendada, ou melhor, um adjuvante multitarefa que além do próprio óleo mineral, contenha aditivos e surfactantes que potencializem não só a penetração da gota aplicada mas também o deslocamento do herbicida nas estruturas internas da folha. O resultado é uma dessecação uniforme em toda a área e com redução do tempo total do ciclo.

Fuja dos mitos, confie na química. A soja e o seu bolso agradecem.

A propósito, eu não sei o gosto da mistura de leite com manga, mas se quiser experimentar, ela não mata. E o chiclete, após a digestão dos açúcares, é expelido após dois dias pelo nosso aparelho digestivo.

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