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Faltou transparência à rastreabilidade brasileira


Nelson Pineda

Todo o Brasil está unido contra a decisão européia: “injustificada, arbitrária e desproporcional à luz dos problemas identificados no sistema de rastreabilidade e da comprovada ausência de risco à saúde humana e animal”. A liderança e a competitividade da carne brasileira foram conquistadas com muita competência por todo o setor produtivo e industrial. Este embargo é uma barreira não tarifária, conseqüência de quem é líder mundial e incomoda seus concorrentes. Certíssimo, mas quantas vezes confiamos em que todas as advertências da UE iriam esbarrar na necessidade de fornecimento da carne brasileira para manter estável a inflação dentro do bloco europeu?
Sentimos-nos imunes a todas as advertências feitas. Quantos pecuaristas sopraram a quatro ventos que o Brasil não precisava implantar o sistema? Foi esta a única saída honrosa que tínhamos frente a repetidos e reiterados apelos da UE a implantar um sistema de rastreabilidade brasileiro. Chegamos ao cúmulo de desdenhar um cliente que responde por 23% das exportações afirmando que suas exigências eram descabidas e que devíamos procurar outros clientes ignorando as tendências mundiais dos consumidores globais.
A crise que enfrentamos não é de agora; ela começou a ser desenhada, diga-se de passagem durante a gestão do Dr. Pratini de Moraes frente ao MAPA, quando este criou uma cópia do sistema europeu, mas com o agravante da figura da certificadora como terceiro agente do processo envolvida na parte comercial, sendo o processo todo bancado exclusivamente pelos pecuaristas. Hoje somos uníssonos em atacar a decisão da comunidade européia. Ela tem pressão econômica sim, precisamos defender os interesses do País sim, mas no fundo precisamos reconhecer que ficamos reféns da nossa incapacidade política e técnica de coordenar o SISBOV.
Em 2000 participei de um grupo de estudo que foi conhecer de forma exaustiva o sistema de rastreabilidade europeu e coloquei no meu relatório três conclusões:
* A preocupação dos consumidores europeus com a segurança alimentar ia impor ao Brasil a necessidade de adequar a pecuária às novas exigências mundiais.
* O sistema europeu funcionava em propriedades de pequeno porte com pecuaristas conscientizados e valorizados, dentro de um sistema onde o consumidor final paga a conta, o ambiente institucional gerencia plenamente a parte sanitária, mas com um sistema de identificação subvencionado pelo próprio estado.
* Era necessário criar um sistema adaptado à nossa realidade, mas que garantisse à UE um mínimo de segurança e confiabilidade para não impedir futuras negociações.
A UE publicou no Livro Branco no ano 2000 as normas para os países que exportassem alimentos de origem animal para a comunidade, colocou condições com o direito de quem é consumidor e paga a conta.
O SISBOV foi criado intempestivamente, sem discussões amplas e editado com obrigatoriedade, contrariando acordos, criando um sistema que não agregava valor a quem aderia, mas, pelo contrário, abaixava o preço do pecuarista que ficasse fora do processo. Criou-se a figura da certificadora "Made in
Brasil", com a conta paga pelo pecuarista e iniciou-se o processo de rastreabilidade na base do jeitinho, entrando assim em um processo de descrédito geral, onde o negócio do dia era abrir uma “certificadora”.
Continuamos a cada auditoria da UE levando um puxão de orelha porque temos sido omissos, improvisando soluções e sem cumprir aquilo que nós mesmos prometemos. Perdemos a oportunidade de negociar a rastreabilidade por lote de abate, de utilizar as GTAs como ponto de partida e incorporar os serviços de defesas estaduais no processo, com o argumento que os Estados não estavam aparelhados para assumir este papel em lugar de partir para a modernização das defesas estaduais. Não havia recursos nem vontade política de compartilhar responsabilidades.
O embargo da UE imporá, sem dúvida, perdas substanciais à cadeia de produção pelo individualismo exacerbado e economicamente suicida de vários de seus elos. A coordenação desta cadeia produtiva está a cada dia mais comprometida pela desinformação persistente das novas regras criadas pelo ambiente institucional com recursos escassos e desproporcionais para implantar um sistema que exige a vigilância de um Brasil continental.
A classe precisa reerguer-se, construir e lutar por um Brasil decente, parar de criticar o SISBOV sem apresentar soluções e de acusar a UE de medidas descabidas. Devemos aproveitar este cenário adverso e procurar soluções coerentes e duradouras. As últimas mudanças que foram feitas no SISBOV colocaram os rumos certos, mas o sistema institucional não tem nem recursos, nem estrutura para implantá-las.
Faltam investimentos na defesa animal por parte do governo federal e atitude da nossa parte para implantar o sistema: fechamos certificadoras por não-conformidade e no dia seguinte abrem a partir de uma liminar.
À rastreabilidade bovina brasileira faltou transparência desde o inicio em todos os elos da cadeia e até pouco tempo ainda encontravam-se os tais de “corralitos”. A rastreabilidade não é uma imposição da UE e sim uma exigência do mundo globalizado onde o Brasil, como maior exportador de carne, precisa se adaptar com responsabilidade e visão de futuro, harmonizar as políticas públicas de defesa nos Estados para não permitir arbitrariedades sanitárias contra o país. No entanto é preciso aceitar que o cliente tem direito à informação.
A rastreabilidade pode ser um processo burocrático, mas garante um sistema de gestão de informação precioso para ser utilizado em caso de crise de contaminação alimentar. Mesmo nossa carne não apresentando riscos sanitários, há clientes com direito à informação e são eles que pagam as contas. Cabe a nós não deixarmos que nossos concorrentes se aproveitem das nossas fraquezas.

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