Ao anunciar no dia 08/02 que vai coibir o uso ilegal do Sistema de Produção Clearfield Arroz, a Basf, uma das empresas multinacionais líderes na produção de defensivos agrícolas no Brasil, sob a alegação de "assegurar a sustentabilidade da cadeia arrozeira", tenta empurrar garganta abaixo do produtor arroz, da imprensa e do público em geral, uma descabida medida, unilateral, sob uma justificativa simplória, cujo único objetivo é emplacar uma sobretaxa, de cunho judicial discutível, pelo uso da tecnologia que ela desenvolveu em parceria com o Instituto Riograndense do Arroz (IRGA), sustentado pelo próprio produtor de arroz.
Recorri a alguns Diretores da Associação dos Arrozeiros de Alegrete, que são ou foram conselheiros do IRGA, pois não tenho conhecimento de como se processou o desenvolvimento da tecnologia e precisava de subsídios para escrever esse artigo, pois muito me chamou a atenção pretensão de uma empresa privada, e multinacional, de assumir o poder de fiscalização, delegado ao Estado, para inspecionar cargas de arroz pertencentes aos produtores e industrias privadas.
Já explico, é que a Basf, segundo o pronunciamento da empresa, espera coibir o uso ilegal da tecnologia, através do monitoramento das cargas de arroz entregues aos engenhos e, a partir de amostras e posterior análise em laboratório, serão identificados os produtores que utilizaram sementes não-autorizadas e/ou herbicidas sem registro. Ao constatar o uso incorreto da tecnologia, a BASF cobrará do produtor indenização sobre o valor da saca do arroz.
Primeiramente, sem levar em consideração se houve uso indevido ou não, comecei a indagar : A Basf tem o poder "constituído" para inspecionar cargas de arroz. Qual a lei que dá esse poder a mesma!! Ou seja, o "meu" caminhão sai lá da "minha" lavoura. Eu entrego a produção na "minha" cooperativa (pois sou cooperativado), por exemplo, ou num engenho particular. Ai uma empresa privada, como a Basf, diz: "Você não pode descarregar até eu tirar uma amostra para teste !" ou a mesma faz uma barreira na estrada ou na entrada da indústria : "parem que eu vou fiscalizar a carga !". E se o motorista do meu caminhão disser : "Que autoridade você tem para tocar no caminhão" ou o diretor do moinho disser "não vou lhe dar amostra nenhuma e saia com seus fiscais da minha propriedade".....
Será que a Basf está tratando a questão como a dos transgênicos? No caso, havia uma suspeita da possibilidade dos transgênicos virem a provocar um mal à saúde humana, então o governo expediu uma "Lei" para regulamentar o assunto, onde produtores e indústrias têm de se adequar aos procedimentos para detecção da presença de grãos transgênicos, mas no caso da tecnologia Clearfield, não existe essa possibilidade, pois se trata de modificação da planta por sucessivas mutações.
Segundo o engenheiro agrônomo Ivo Mello, presidente da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha, dentre outras funções de relevância no meio agrícola e conservacionista, para desenvolver o processo de mutação gênica, vários tipos de plantas de arroz foram submetidas a aplicações de uma classe de herbicida, em varias dosagens, até que alguma delas desenvolvesse o processo metabólico que dá imunidade ao herbicida. Depois, cruzamentos conduzidos, transferem o gene desejado para as variedades tradicionalmente cultivadas (IRGA 417 - - - IRGA 422CL).
"Alias é bom lembrar que somente a parte do código genético responsável pela resistência é que é de propriedade da BASF neste processo, a genética vencedora regional que proporcionou a rápida e fácil disseminação do sistema em apenas três safras é de propriedade do Instituto Riograndense do Arroz e que é sustentado pelos arrozeiros. Por isto advogo que uma boa parte dos dividendos deste processo deve ser distribuída à comunidade arrozeira.", acrescenta Ivo.
Ainda segundo Ivo, pela legislação brasileira, o produtor pode comprar a primeira vez pagando todos os "royalties" e nas safras subseqüentes reproduzir sementes para seu uso próprio nas lavouras de arroz utilizando a genética do IRGA 422CL.
A Basf, ao anunciar, unilateralmente, que vai tomar as rédeas do Estado para exercer poder de fiscalização, passa por cima de forma ultrajante do mesmo, e traz a tona uma série de discussões, sobre propriedade intelectual, utilização de herbicidas genéricos, custos de produção, do que é o uso indevido de tecnologia e de que parcela realmente a Basf tem direito de receber.
Porém, o que mais me impressiona nisso tudo, é a arrogância de uma multinacional, que vende seu herbicida ainda sobre valorizado (se aproveitando da burocracia do Estado em regulamentar os defensivos "genéricos"), em achar que pode mais que o Estado, que os produtores, donos de parte da tecnologia, vão aceitar como "cordeirinhos" as suas ameaças e ainda, por cima, usar a bandeira da sustentabilidade da cadeia produtiva do arroz para colocar a opinião pública a seu favor.
Que profissão difícil essa de produtor de arroz, além de produzir para tentar "empatar", ainda é obrigado a ver o setor que mais ganha na "cadeia produtiva do arroz" tentar empurrar goela abaixo, sobre, no mínimo, estranhas alegações, uma taxa de 5% encima do arroz que ele produziu!! Onde vamos chegar?
Resta a pergunta : A quem pertence à tecnologia Clearfield?