Frustração, decepção, fracasso, tragédia. Essas foram algumas das palavras utilizadas por presidentes, ministros, embaixadores, jornalistas e profissionais presentes na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15).
Sem dúvida palavras que ninguém gostaria de ter ouvido no final de um evento que tinha como principal objetivo pactuar as regras e diretrizes que seriam seguidas pelos 192 países presentes a fim de proteger a raça humana e o planeta contra os efeitos do aquecimento global.
Lições devem ser tiradas de todas as COPs para que a COP-16, que acontecerá no México em 2010, realmente, signifique uma mudança de rumo. Mudança que segundo Carlos Nobre, pesquisador do INPE e um dos representantes do Brasil no IPCC, deveria ter sido realizada há muito tempo. Em entrevista a um canal de televisão ele ressaltou: “se esse fracasso tivesse ocorrido em 1994, quando o painel de cientistas já avisava sobre os potenciais impactos do aquecimento, não seria desesperador, mas após quinze anos fracassarmos, isso é desesperador.”
Celso Furtado em seu livro de 1974 “O Mito do Desenvolvimento Econômico” concluía:
“...na civilização industrial o futuro está em grande parte condicionado por decisões que já foram tomadas no passado e/ou que estão sendo tomadas no presente em função de um curto horizonte temporal. Na medida em que avança a acumulação de capital, maior é a interdependência entre o futuro e o passado. Consequentemente, aumenta a inércia do sistema, e as correções de rumo tornam-se mais lentas ou exigem maior esforço...”
Infelizmente, esses fóruns tem se tornado eventos de caráter político. Quando digo “político” não me refiro a ciência política, fundamental para que os Estados consigam pactuar um objetivo comum. Refiro-me aquela política na qual o pensamento é norteado pelos votos que podem ser perdidos na próxima eleição se medidas antipopulares forem tomadas; a política que se baseia somente na economia e se submete a pressão de grandes corporações e grupos econômicos; a política que tem um discurso de sustentabilidade, mas que não tem a mínima ideia do que seja isso e quando sabe, não acredita; a política que acredita que com recursos financeiros todos os problemas serão resolvidos, quando o desafio é humano, então não basta tecnologia e dinheiro se modelos, padrões e formas de pensar não forem modificados.
Um primeiro e fundamental passo é admitirmos que nosso modo de vida é insustentável, por isso chegamos nesse ponto. Por mais que tenhamos tecnologia e dinheiro, eles não tornarão sustentável o que é insustentável. Portanto, culturas e padrões produtivos devem ser mudados para que iniciemos um processo de sustentabilidade. Certamente, esse processo irá demandar tecnologia e dinheiro, mas antes disso existe o fator humano. Como o próprio IPCC conclui: o aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera é resultado das atividades humanas.
Já se falou que são nos momentos de crise que a humanidade promove grandes avanços, pois bem, vivemos um momento de crise política, social e ambiental de abrangência planetária. Todos se perguntam: o que fazer?
Não me arrisco a dar essa resposta, mas me arrisco a analisar a situação vigente e identificar as mudanças culturais e de valor que serão cobradas do setor pecuário mundial e sendo o Brasil um dos maiores produtores de proteína animal, principalmente carne bovina, de frango e suína, essas novas culturas e valores irão impactar de forma intensa nossa pecuária. Se esses impactos terão efeitos negativos ou positivos irá depender de nossas decisões. Essas devem ser tomadas no presente, caso contrário, não garantiremos o futuro.
É importante destacar que essas novas culturas e valores podem ser divididos em duas dimensões, a internacional, que envolve nossas exportações, e a nacional, que envolve nosso mercado interno. Em alguns momentos essas dimensões terão as mesmas exigências culturais e de valor em outros serão totalmente opostas. Essa diferenciação está relacionada ao perfil do cliente. O internacional, muitas vezes, ocupa o topo da lista mundial em termos de qualidade de vida, portanto tem suas necessidades básicas supridas, historicamente consome carne e começa relacionar esse consumo a problemas de saúde e impactos ambientais. O nacional tem carências nutricionais, vive um processo de aumento do seu poder de compra, historicamente consome carnes em datas festivas, relaciona esse consumo a inserção social e prazer, não se importa com as possíveis consequências que esse consumo possa ter para sua saúde e para o ambiente. Ressalta-se que ambas as dimensões têm os dois tipos de clientes, pois ao mesmo tempo em que exportamos para os países da Comunidade Européia também exportamos para os em desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que grande parte do mercado interno está nas Classes C e D, também possuímos consumidores da Classe A.
Considerando as discussões durante a COP-15, todo o histórico de discussões sobre as questões climáticas anterior a ela e as potenciais regras e diretrizes que serão pactuadas até o final da vigência do Protocolo de Kyoto em 2012, destaco as mudanças culturais e de valor que promoverão alterações nos sistemas produtivos pecuários do mundo e do Brasil.
Campanhas mundiais pela redução do consumo de proteína animal
Durante as duas semanas da COP-15 um dos livros mais comentados por integrantes de organizações não-governamentais e comunidades vegetarianas foi uma obra editada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no ano de 2006 que tem o título: “The Livestock Long Shadow” (A Sombra da Produção Animal, disponível na internet em inglês).
O livro foi redigido por renomados pesquisadores em produção animal e é uma obra obrigatória para quem quer se aprofundar no tema que estabelece as relações existentes entre essa produção e a conservação ambiental. Uma das conclusões da obra é que o setor pecuário mundial seria responsável por 18% das emissões de gases do efeito estufa no planeta, enquanto o setor de transporte emitiria 13% do total. A partir dessa constatação há campanhas nacionais e mundiais propondo que se reduza o consumo de carne, pois isso teria impactos positivos na redução dos gases do efeito estufa.
Celebridades participam dessas campanhas com destaque para o ex Beatles Paul McCartney. Além de contestarem as emissões dos animais esses grupos contestam o sistema de criação e as criações do tipo industrial, comuns na avicultura e suinocultura. Eles não pregam que todos se tornem vegetarianos, alias se fala em flexitarianismo (seguem os preceitos do vegetarianismo, mas comem carne), ou seja, o objetivo é que se diminua o consumo de carne.
O slogan das campanhas é: deixe de comer carne por um dia da semana e você estará ajudando o clima do planeta. Estudos mostram que o consumo de carnes nos países desenvolvidos irá diminuir, principalmente, por questões de saúde, sociais e ambientais que estão relacionadas e esse hábito. Enquanto nos países em desenvolvimento irá aumentar. Mesmo no Brasil já se vê movimentos que contestam os passivos ambientais da produção pecuária. O caso mais recente é a da produção de bovinos no bioma amazônico.
O que fez com que a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) lançasse um programa de certificação para a carne bovina, atestando que essa é produzida em acordo com a legislação ambiental e trabalhista. Enfim a contestação e a pressão sobre a produção pecuária irá aumentar em todo o mundo.
Na internet está disponível o filme “Uma verdade mais que inconveniente” produzido por holandeses e que relaciona a produção pecuária com os gases do efeito estufa.
Estabelecimento de indicadores de desempenho ambiental
Com o aumento da contestação e da pressão não adiantará dizer: estamos produzindo com sustentabilidade. O consumidor quer que isso seja provado. Dispomos de indicadores de desempenho produtivo, nutricional e econômico das produções, mas não dispomos de indicadores ambientais.
Esses precisam ser estipulados e monitorados a fim de mostrar que é possível produzir proteína animal com reduzido impacto ambiental, pois não há atividade humana que tenha impacto ambiental nulo, ou seja, nosso papel é reduzir o impacto.
Durante a COP-15 um dos pontos que mais demandou negociações entre os países do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) e os Estados Unidos foi o chamado mecanismo MRV (Measurable, Reportable and Verifiable) que estipula que as medidas mitigatórias financiadas pelos países desenvolvidos nos países em desenvolvimento deverão ser avaliadas pelos financiadores a fim de verificar sua efetividade em reduzir a emissão de gases, portanto essas medidas devem ser: Mensuráveis, Reportáveis e Verificáveis.
Desta forma, indicadores de desempenho ambiental deverão ser estipulados. Outras duas tendências relacionadas aos indicadores são duas metodologias de avaliação de impacto ambiental que têm sido cada vez mais aplicadas no setor pecuário são elas: análise de Ciclo de Viva e cálculo de Pegada (Ecológica, de Carbono e Hídrica).
Já existem empresas nos países desenvolvidos que trazem no rótulo dos produtos a Pegada de Carbono. Para se calcular o Ciclo de Vida e as Pegadas é preciso se ter indicadores robustos. Particularmente no Brasil, o setor pecuário é muito reativo em mostrar seu desempenho ambiental, muitas vezes agroindústrias e cooperativas dispõem dessa informação, mas não mostram ou divulgam isso de uma forma “pasteurizada”, pois tem muito receio que tudo possa ser utilizado contra elas. Isso é uma visão atrasada e que não condiz com uma pecuária de futuro.
Os passivos, certamente existem, e quanto maior o tempo que esses ficarem escondidos mais frágil se tornará o setor, gerando maiores conflitos e aumentando os custos para mitigá-los.
Impostos e taxas ambientais
Os países em desenvolvimento, que no Protocolo de Kyoto devem cumprir metas de redução de emissão, já sinalizaram que se num acordo pós Kyoto essa obrigatoriedade for mantida somente para os países desse grupo eles imporão impostos, taxas, etc. que exijam que os produtos importados cumpram os mesmos padrões de emissão seguidos por eles.
Portanto, uma carcaça de frango exportada para os países da Comunidade Européia não deverá emitir mais gases do efeito estufa do que o frango produzido nesses países. Relatório conjunto da OMC e do PNUMA, publicado na fase pré-Copenhague (Trade and Climate Change, Genebra, 2009), mostrou que já existem dispositivos que autorizam a criação de novas barreiras por países que tenham adotado mecanismos econômicos de mitigação, como imposto ou cap and trade.
Bastará que demonstrem à OMC que não se trata de discriminação arbitrária e injustificável, ou de disfarçada restrição ao comércio internacional.
O Brasil como um dos maiores exportadores de carne do mundo poderá sofrer sanções comerciais dos países importadores com a alegação que a carne brasileira promove o aquecimento global.
Não estamos preparados para mostrar que nossa carne é produzida com o mínimo de emissão ou que a Pegada de Carbono da carne brasileira é competitiva com as de nossos concorrentes.
Tecnologias de baixo carbono
Considerando o exposto acima, precisamos produzir proteína animal a partir de tecnologias de baixo carbono. Isso envolve: alteração dos manejos nutricionais para dietas que possibilitem menores emissões de gases pelo animal e seus dejetos, redução do consumo de fontes de energia não-renováveis, uso de tecnologias de tratamento dos dejetos animais que promovam a redução das emissões, uso de práticas agrícolas no cultivo de grãos e pastagens que reduzam as emissões e/ou seqüestrem maior quantidade de carbono, alteração das práticas vigentes para o uso dos dejetos animais como fertilizante por práticas que diminuam as emissões.
Riscos socioambientais
Sabemos calcular os riscos de produtividade, de mercado, de consumo, etc., mas precisamos apreender a calcular os riscos socioambientais.
Somente dessa forma poderemos perpetuar nossas produções pecuárias no longo prazo, caso contrário estar-se-á sempre suscetível as mudanças impostos pelos mercados e as alterações ambientais, principalmente, as relacionadas a carência de recursos naturais.