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Ultraprocessados e Saudabilidade



Augusto Ichisato

Ultraprocessados e Saudabilidade: A Classificação Atual Está Realmente Correta?

Introdução

A discussão sobre a saudabilidade dos alimentos tem sido dominada, nos últimos anos, por classificações simplificadas que dividem os produtos em "in natura", "minimamente processados", "processados" e "ultraprocessados". A mais conhecida delas, a classificação NOVA, define os ultraprocessados como aqueles que passam por múltiplas etapas industriais e contêm ingredientes que não seriam encontrados na cozinha doméstica. Essa abordagem, no entanto, levanta uma série de questionamentos sobre a real relação entre processamento e saúde.

Afinal, a saudabilidade de um alimento pode ser definida apenas pela quantidade de etapas que ele passa ou pela lista de ingredientes que contém? Ou será que esse conceito precisa ser avaliado de maneira mais ampla, considerando fatores como contexto de consumo, necessidades individuais e impactos ambientais?

O Problema das Generalizações

A classificação NOVA e outras abordagens similares partem da premissa de que quanto mais processado um alimento for, menos saudável ele será. Mas essa lógica ignora aspectos essenciais da nutrição e da ciência dos alimentos. Processos como pasteurização, fermentação, liofilização e fortificação são cruciais para garantir a segurança, estabilidade e qualidade dos alimentos, e muitos desses métodos são amplamente utilizados em produtos considerados saudáveis.

A fortificação de alimentos é um exemplo clássico de como a tecnologia pode ser usada a favor da saúde. A adição de iodo ao sal, de ferro às farinhas e de vitaminas a cereais tem sido fundamental na prevenção de doenças carenciais em diversas populações. Da mesma forma, alimentos congelados, frequentemente classificados como processados, mantêm seu valor nutricional e reduzem o desperdício alimentar.

No entanto, ao generalizar o termo "ultraprocessado" e associá-lo a riscos à saúde, a classificação atual pode induzir consumidores a evitar alimentos que, na realidade, são benéficos.

A Saudabilidade Não Pode Ser Definida Apenas pelo Processamento

A relação entre alimentação e saúde vai muito além da lista de ingredientes ou do número de etapas de processamento. A saudabilidade de um alimento precisa ser analisada de forma integrada, levando em conta fatores como:

  • Necessidades individuais: Um alimento pode ser saudável para uma pessoa e não para outra. Por exemplo, produtos sem açúcar podem ser essenciais para um diabético, mas irrelevantes ou até prejudiciais para alguém sem problemas de metabolismo da glicose. Da mesma forma, um suplemento energético rico em carboidratos simples pode ser saudável para um atleta de alto rendimento, mas não para uma pessoa sedentária.

  • Contexto de consumo: Um mesmo alimento pode ter impactos diferentes dependendo do momento em que é consumido. Um isotônico pode ser excelente para reidratação após um treino intenso, mas desnecessário para alguém que passou o dia sentado no escritório.

  • Qualidade nutricional global: Nenhum alimento, isoladamente, define uma alimentação saudável. O equilíbrio entre macronutrientes, a variedade na dieta e a adequação às necessidades fisiológicas de cada indivíduo são mais importantes do que a presença ou ausência de determinados ingredientes.

O Papel da Indústria e o Equívoco do Alarmismo

A demonização dos ultraprocessados também ignora o papel da indústria de alimentos na inovação e desenvolvimento de produtos que contribuem para a saúde pública. Tecnologias de processamento são responsáveis por tornar os alimentos mais acessíveis, seguros e duráveis, além de permitir a criação de opções para públicos específicos, como celíacos, alérgicos ou pessoas com restrições alimentares.

Estudos alarmistas que associam ultraprocessados a doenças crônicas frequentemente falham em considerar variáveis como sedentarismo, padrões gerais de alimentação e fatores genéticos. Além disso, muitas dessas pesquisas utilizam correlações estatísticas frágeis para sustentar afirmações generalistas, sem uma análise aprofundada de causa e efeito.

Uma Nova Perspectiva para a Saudabilidade

Se a classificação baseada no grau de processamento não reflete adequadamente a realidade da alimentação saudável, como podemos melhorar esse conceito? Uma abordagem mais precisa deveria considerar:

  1. Composição nutricional: Em vez de julgar um alimento pelo número de etapas de processamento, avaliar a presença de nutrientes essenciais e o equilíbrio entre carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas e minerais.

  2. Impacto no metabolismo e na saúde individual: Alimentos devem ser avaliados dentro do contexto da dieta e das necessidades fisiológicas de cada consumidor.

  3. Tecnologias empregadas: Processamento não significa necessariamente perda nutricional. Métodos modernos permitem a preservação de nutrientes e até mesmo a adição de compostos benéficos.

  4. Padrão alimentar global: A análise isolada de um único produto não reflete os hábitos alimentares de um indivíduo. O foco deve estar no equilíbrio e na variedade da dieta.

Conclusão

A saudabilidade dos alimentos não pode ser definida apenas pelo nível de processamento ou pela quantidade de ingredientes que contém. Uma visão mais ampla deve levar em conta o alimento, o consumidor, o contexto de consumo e as necessidades individuais.

O debate sobre os ultraprocessados precisa evoluir para uma discussão mais científica e menos baseada em generalizações alarmistas. Em vez de demonizar categorias inteiras de alimentos, é preciso educar o consumidor sobre escolhas equilibradas, sem medo infundado ou rejeição irracional a tecnologias que, quando bem aplicadas, beneficiam a saúde e a sociedade.

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