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REFLEXÕES SOBRE A PESCA ESPORTIVA NO PANTANAL SUL:CRISE E PERSPCTIVAS



Agostinho Carlos Catella

Informações pesqueiras – conhecer para decidir

A pesca é uma importante atividade econômica e social realizada no Pantanal e em toda a Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso do Sul (BAP/MS) nas modalidades profissional artesanal, esportiva (=amadora) e de subsistência.

A fim de conhecer, tanto a dinâmica das populações de peixes como a própria atividade de pesca foi implantado o Sistema de Controle da Pesca de Mato Grosso do Sul (SCPESCA/MS) em 1994, numa parceria entre a Embrapa Pantanal, a Polícia Militar Ambiental e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente/MS. Esse sistema realiza a coleta e a analise de informações sobre a pesca em toda a BAP/MS, tais como quantidade de pescado capturado por espécie, por rio, por mês, número mensal de pescadores que atuaram nos diferentes rios e etc. Assim, obtém-se uma descrição anual detalhada sobre a pesca.

Com o acúmulo de dados é possível identificar as principais tendências, tanto das populações de peixes como dos aspectos sócio-economicos da atividade, o que permite fazer previsões e apontar as diferentes opções para o manejo. Esses conhecimentos são disponibilizados na forma de publicações e encaminhados como subsídios para as tomadas as decisões no Conselho Estadual de Pesca de Mato Grosso do Sul (Conpesca/MS).

Crise do setor turístico pesqueiro

As informações obtidas pelo SCPESCA/MS revelam que, entre 1994 e 1999 o desembarque total médio foi de 1.415 t/ano no Pantanal Sul, sendo 1.085 t/ano (76%) capturado pelos pescadores esportivos e 330 t/ano (24%) pelos pescadores profissionais. Durante esse período, o número de pescadores esportivos registrados no Pantanal Sul aumentou anualmente e atingiu um máximo de 59 mil em 1999, mas vem reduzindo desde então para 43 mil em 2000, 35 mil em 2001 e 30 mil em 2002. Além da diminuição do número de pescadores esportivos a legislação estadual estabeleceu uma redução progressiva da cota de captura permitida aos pescadores esportivos a partir de 2000. Desse modo, o desembarque pesqueiro total em 2002 foi equivalente a 678 toneladas, sendo 366 t (54%) capturado pelos pescadores esportivos e 312 t (46%) pelos pescadores profissionais. Essa redução do número de pescadores esportivos vem causando dificuldades para o setor turístico pesqueiro de Mato Grosso do Sul. Contudo, é importante procurar compreender o porque desse fato, uma vez que o turismo interno no Brasil intensificou-se com o aumento do dólar a partir de 1999. Embora seja difícil determinar as causas dessa redução, ela certamente está associada a fatores como:

- concorrência com outras áreas que estão se estruturando para a pesca esportiva no país, como as bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins, assim como outras áreas da Bacia do Prata na Argentina e no Paraguai;

- dificuldade de acesso rodoviário a algumas das principais áreas de destino dos pescadores esportivos, em função da precariedade da conservação das estradas e da interrupção dos vôos diários de grandes aeronaves para Corumbá, no segundo semestre de 2002;

- desinteresse de um segmento dos pescadores esportivos em atuar no Estado, em função da diminuição da cota de captura a partir do ano 2000;

- entre os anos de 1998 e 2001 ocorreram “pequenas cheias” em relação àquelas dos últimos anos. Esse fato provavelmente reduziu a produção natural de peixes e, por conseguinte o rendimento da pesca, o que poderia também diminuir o interesse de pescadores esportivos.

Alternativas para o turismo

Para reverter essa crise do setor turístico pesqueiro pode-se lançar mão de duas opções, não excludentes: investir na recuperação dos clientes tradicionais do setor e desenvolver novos produtos turísticos destinados a outra clientela.

A recente decisão do Conpesca/MS de manter a cota de captura dos pescadores esportivos em 10 quilos mais um exemplar a partir de 2003, iguala a norma estadual à federal (Portaria do IBAMA nº 30 de 23/05/2003) e poderá reduzir a evasão dos pescadores esportivos interessados nessa cota.

Por outro lado, pescadores assim orientados, não são os principais clientes do setor, como se verificou em um estudo sobre as motivações que levam os pescadores esportivos ao Pantanal Sul, realizado na Embrapa Pantanal em 1994. Surpreendentemente, verificou-se que os aspectos diretos da pesca, tais como capturar muitos peixes, peixes grandes ou uma variedade de espécies, foram as razões mais importantes para apenas 1/3 dos pescadores, ao passo que 2/3 citaram razões associadas com o turismo ao ar livre, de natureza mais geral. Observou-se que mais da metade dos pescadores indicou que sua principal razão para visitar o Pantanal foi a qualidade do ambiente natural e que 7% citaram como sua motivação principal a possibilidade de ver e observar a vida silvestre.

O estudo revelou, ainda, que os pescadores esportivos que estão motivados a visitar o Pantanal principalmente para observar a vida selvagem e desfrutar da região enquanto um ambiente natural singular, gastam significativamente mais dinheiro em sua viagem, do que aqueles pescadores esportivos que estão motivados sobretudo pelo sucesso potencial de suas pescarias ou para descanso.

Em função desses resultados, considerou-se que, se a motivação principal dos pescadores esportivos não é a captura de peixes, mas antes a contemplação do ambiente, então o principal objetivo do manejo pesqueiro não deve ser, necessariamente, produzir mais peixes para a pesca esportiva. A administração da pesca deve se integrar à administração pública e à iniciativa privada, a fim de oferecer os serviços e as experiências que os visitantes estão interessados em comprar, o que deve aumentar o número destes e a disposição de cada um em pagar mais por sua visita. Ao mesmo tempo, esse procedimento deve reduzir a pressão sobre os estoques, deixando mais para os pescadores profissionais e de subsistência.

Nesse sentido, a biodiversidade e o estado de conservação são os fatores que diferenciam a região e constituem o valioso capital biótico do Pantanal. Deter um patrimônio natural tão excepcional como esse representa um prestígio político para os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, o qual pode ser utilizado como contrapartida para conseguir investimentos públicos ou privados para desenvolver novos campos do turismo, além do turismo de pesca. Entre esses campos, há alternativas que já vêm sendo efetuadas em menor escala como turismo rural, cultural, científico e ecoturismo.

Entretanto, para desenvolver novos produtos turísticos, aprender a atrair e a cativar uma outra clientela será preciso conhecer o perfil e as exigências desse cliente. Para tanto, será necessário a reestruturação das relações de produção do setor por meio do estabelecimento de novas parcerias, adequação da infra-estrutura já existente e capacitação e contratação de pessoal. Além disso, o desenvolvimento sustentável dessas novas atividades requer, não só incentivos, mas um planejamento criterioso considerando, além da capacidade suporte do ambiente, a capacidade social e psicológica das populações locais que vão recepcionar essas atividades.

Novas instituições no cenário da pesca

Apesar das dificuldades mencionadas anteriormente, há novas perspectivas para o desenvolvimento da pesca também nos cenários institucionais nacional e estadual. Conforme o compromisso assumido durante a campanha presidencial, o Governo Federal criou a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República – SEAP/PR em 2003. Essa Secretaria tem como missão formular, coordenar e implementar as políticas para o desenvolvimento e o incentivo da pesca comercial e da aqüicultura nacional, preenchendo um espaço deixado com a extinção da antiga Sudepe em 1989. Foi criada também no ano de 2003 a Superintendência Estadual de Pesca de Mato Grosso do Sul, vinculada à Secretaria de Meio Ambiente (SEMA/MS), que tem por objetivo executar a política estadual de pesca. Portanto, há uma oportunidade para que essas recém criadas instituições possam somar os seus esforços em benefício do desenvolvimento da pesca no Estado.

Gestão participativa

Contudo, o processo de desenvolvimento da pesca e do turismo pode ser conduzido sob diferentes formas. Optando-se por uma política de gestão participativa, os diversos atores sociais relacionados aos setores da pesca e do turismo definem em conjunto os rumos e objetivos de suas atividades. Essa forma de gestão concorre para o amadurecimento político da sociedade, pois os atores tornam-se, de fato, co-responsáveis pelo planejamento, e pelo uso e conservação dos recursos naturais, e prontos para colaborar no cumprimento de normas e diretrizes definidas por eles mesmos. A implantação do Conselho Estadual de Pesca (Conpesca/MS) em 1999 e os esforços para a consolidação do Fórum do Turismo de Mato Grosso do Sul em 2003, representaram um grande avanço nesse sentido no Estado.

Fatores externos à pesca

Outro aspecto importante e que deve ser enfatizado, é o fato de que as maiores ameaças à conservação dos recursos pesqueiros do Pantanal são decorrentes de fatores externos à pesca. Esses fatores podem ser de origem natural ou antrópica - causados pelo homem. Por meio de diferentes mecanismos, eles podem reduzir a produção natural dos estoques pesqueiros e, consequentemente, a quantidade de peixes disponíveis para a pesca.

A intensidade das inundações anuais é o principal fator natural que condiciona a produção de peixes do Pantanal. Durante as cheias, os peixes encontram um ambiente de alimentação e crescimento nos campos inundados. Com o refluxo das águas, eles se concentram nos rios e demais corpos d’água do ambiente, o que facilita a captura. Assim, anos mais cheios propiciam maior extensão de áreas alagadas, aumentando a produção natural de peixes e, por conseguinte, aumentando o rendimento da pesca, ocorrendo o oposto em anos mais secos.

Entre os fatores antrópicos que comprometem a qualidade ambiental e/ou os processos ecológicos no Pantanal, podem ser enumerados: (1) as atividades realizadas no planalto como desmatamentos, práticas agropecuárias inadequadas e mineração, que resultam na erosão dos solos e no assoreamento dos rios da planície a jusante, como é o caso dramático do rio Taquarí, outrora um dos mais piscosos da região; (2) o aporte de matéria orgânica e contaminantes oriundos de efluentes domésticos e industriais; (3) as obras de construção civil como barragens, diques, estradas ou obras para a navegação e hidrovia que interfiram no pulso anual de inundação, isto é, na altura e/ou no tempo de duração das enchentes, nas matas ciliares ou, ainda, obstruam as migrações dos peixes.

Em seu conjunto, esses fatores antrópicos são mais prejudiciais à ictiofauna do que uma eventual sobre-exploração dos estoques. Isto é, a maioria deles são virtualmente irreversíveis, ao passo que se os estoques forem sobre-pescados, podem ser adotadas medidas de ordenamento pesqueiro convenientes e eles voltam a se recuperar, se o ambiente estiver conservado.

Escolha do modelo de desenvolvimento

Em suma, as próprias dificuldades vivenciadas pelo setor turístico pesqueiro podem alavancar o desenvolvimento do setor sob uma nova perspectiva. Isso inclui utilizar melhor o grande potencial da região e valer-se da oportuna criação de novas instituições estaduais e federais relacionadas à pesca e ao turismo. Esse desenvolvimento, para ser realizado em bases sustentáveis, requer uma gestão participativa e deve implicar na recuperação do setor turístico pesqueiro, no desenvolvimento de novos campos do turismo e na exploração sustentável da pesca. Entretanto, para que todo esse esforço seja válido, é preponderante que se escolha um modelo de desenvolvimento compatível com a conservação do ambiente e, consequentemente, com a conservação dos recursos pesqueiros da Bacia do Alto Paraguai.

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Agostinho Carlos Catella ([email protected]) é pesquisador da Embrapa Pantanal, (Corumbá-MS), na área de Recursos Pesqueiros.

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