Possível indenização pelos danos causados pela aftosa

Possível indenização pelos danos causados pela aftosa
Espera-se, de uma vez por todas, ver superada a grande crise de febre aftosa que atingiu fortemente o setor agropecuário do sul do Brasil a ponto de desestabilizar a balança econômica, tendo repercutido em setores da economia interna, bem como na esfera internacional, já que impediu a exportação de carne e produtos derivados da mesma.
Talvez a demora do Governo em decretar a vacinação do rebanho bovino tenha colaborado para que o vírus se alastrasse com maior rapidez. Assim é que vários focos surgiram principalmente na região fronteiriça do Brasil com a Argentina, posto que lá, mesmo que não oficializado, haviam animais infectados, o que contribuiu para o caos instalado no Brasil.
É claro que num bloco de países em que todos são concorrentes (no mercado de exportação de carne e derivados), aquele que primeiro declarasse a existência do vírus estaria imediatamente impedido de exportar seus produtos e conseqüentemente, perderia mercado para os demais. No entanto, ao ter escondido o problema, a Argentina colaborou para que o mesmo se alastrasse e invadisse nossas fronteiras.
No Brasil, a guerra de poderes e interesses políticos também ajudou a agravar a situação de uma classe de produtores que se via apavorada e ameaçada frente à inércia dos entes governamentais competentes e o rápido contágio dos animais, sem que fosse possível entretanto, por livre iniciativa, proteger seu rebanho.
Da mesma forma, a polêmica instaurada acerca do tema colaborou para com aqueles que contra a vacinação esconderam animais infectados dos olhos da inspeção sanitária com medo das medidas a serem adotadas.
Em nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal, em seu art. 5°, trata da propriedade como uma garantia constitucional:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII – é garantido o direito de propriedade:
XXIII – a propriedade atenderá a função social.
E o art. 186, do mesmo diploma legal dispõe sobre a função social da propriedade:
Art. 186: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Vale apontar, no entanto, que é o art. 225 da Constituição que impõe ao Poder Público a proteção ao meio ambiente:
Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações:
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Da leitura dos dispositivos acima, percebe-se que a norma inscrita no art. 225 da Constituição Federal e seus incisos deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5º da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal.
Como declara a Constituição Federal, a propriedade deve exercer a função social, sendo necessário para tanto que sejam garantidos todos os meios adequados para o exercício de sua atividade.
Na realidade, foram os pequenos produtores que mais se insurgiram contra o abate sanitário sob a alegação de que o setor primário iria à falência, tendo em vista que a agricultura não tem sido uma atividade rentável. Além disso, se afastados da pecuária e portanto prejudicados por estarem impossibilitados de lidarem com sua principal fonte de renda, estes pequenos produtores não teriam sequer meios para buscar desenvolver uma atividade agrícola.
Entretanto, não apenas os pequenos mas sim todos (produtores ou não), acabaram prejudicados com a crise que advinda do setor pastoril - primário - assolou todo o país e teve repercussão global.
Após momentos de muita apreensão devida pelas operações com o rifle e o cinturão sanitários, vacinação, divergências políticas, etc., o Brasil vê o problema praticamente controlado e conforme recente declaração do Ministro da Agricultura na Feira de Exposições "Internacional" de Esteio, busca-se, mais uma vez e com maxime urgência, declarar o país livre da febre aftosa.
Importa salientar aqui, que os produtores podem pleitear na esfera jurídica ressarcimento pelos danos causados pela febre aftosa, dado que impõe-se ao Poder Público, sempre que da atividade administrativa resultar afetada a possibilidade de exploração racional, o dever de indenizar o dominus quanto ao valor patrimonial representado pelos imóveis rurais.
Assim é que no processo tradicional, cada pessoa é legitimada a atuar em seu próprio nome, defendendo interesses individuais (art. 6º do Código de Processo Civil).
Além dos interesses individuais, existem em uma sociedade interesses que extrapolam a esfera de uma pessoa, são os interesses metaindividuais, compreendendo-se nestes os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, entre nós definidos legislativamente no parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.
Os interesses difusos e coletivos dizem respeito a coletividades determinadas ou indeterminadas que podem não coincidir com os interesses do Estado ou mesmo com eles colidir. Nos interesses difusos, os titulares são indeterminados mas podem também serem determinados. Nestes casos é que os prejudicados podem-se utilizar das Ações Coletivas, Ação Popular e Ação Civil Pública.
Foi assim que recentemente o Sindicato Rural de Rio Grande/RS ingressou com uma ação judicial buscando definir as condições de ressarcimento pelo abate dos animais que tiveram contato ou estão em área de registro dos infectados pela aftosa.
De tudo isto, vale frisar que aqueles que se vêem prejudicados, podem eleger uma das formas acima apontadas com o intuito de receber pelos animais antes mesmo de que estes saiam de suas propriedades, além de poderem igualmente, pleitear uma indenização pelo período em que as mesmas fiquem vazias, pois equipara-se a presente situação a uma desapropriação, a qual é procedida mediante indenização.