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Os agrotóxicos e a responsabilidade jurídica



Marcus Paulo Pozzobon
Os agrotóxicos e a responsabilidade jurídica dos profissionais, usuários, comerciantes, prestadores de serviço e empregadores

BREVE APANHADO SOBRE A POLÊMICA DO AGROTÓXICO NO BRASIL

De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola, o Brasil é o primeiro colocado no ranking mundial no consumo de agrotóxicos, superando a marca de um milhão de toneladas de agrotóxicos jogados nas lavouras brasileiras em 2010.

Essa “aplicação exagerada” de produtos químicos nas lavouras do país, para alguns, é a principal responsável pela notoriedade que os químicos agrícolas vem ganhando recentemente, atraindo a atenção da sociedade e deixando de ser um tema especificamente relacionado à produção agrícola, para se transformar em um problema de saúde pública e de preservação ambiental.

Em que pese os efeitos danosos da aplicação dos químicos na lavoura, empresas do ramo de agrotóxicos e pesquisadores têm sustentado que a utilização de defensivos agrícolas “não causam tanto mal à saúde como se acredita”. Segundo o coordenador da área de saúde ambiental da Universidade de Campinas (Unicamp), Ângelo Trapé, nos quatro últimos anos não houve nenhum caso de intoxicação de agricultores registrado no hospital universitário (que atende cerca de 6 milhões de pessoas da região) . Ele ainda colocou em dúvida a precisão dos diagnósticos de intoxicação por agrotóxicos realidados pelo SUS.

Duvidando das conclusões apresentadas pelas empresas do ramo, alguns parlamentares têm polemizado sobre a utilização “exagerada” dos defensivos, sustentando a existência de maior incidência de câncer em áreas com maior utilização de químicos agrícolas. Em recente pronunciamento em plenário, o Deputado gaúcho Bohn Gass manifestou entendimento particular de que “esta questão não pode ficar restrita à produção agrícola, mas deve ser vista como um problema de saúde pública, de risco ambiental, e, também, de monopólio comercial".

Ainda de acordo com o Deputado, os agrotóxicos já ocupam o quarto lugar no ranking de intoxicações, ficando atrás apenas dos medicamentos, acidentes com animais peçonhentos e produtos de limpeza. Sustenta-se, ademais, que os agrotóxicos podem causar esterilidade masculina, formação de cataratas, evidências de mutagenicidade, reações alérgicas, distúrbios neurológicos, respiratórios, cardíacos, pulmonares, no sistema imunológico e no sistema endócrino, ou seja, na produção de hormônios, desenvolvimento de câncer, dentre outros agravos à saúde.

Indiscutível, como se percebe, são apenas os benefícios de ordem prática que a utilização dos agrotóxicos representa para a produtividade e a qualidade dos produtos agrícolas. Afora isso, tudo mais está em pauta para debate. Alheio a tais polêmicas, porém, sem ignorá-las, o presente artigo pretende trazer ao conhecimento dos que lidam com agrotóxicos algumas informações sobre a responsabilidade jurídica atinente à pesquisa, fabricação, comercialização e utilização dos defensivos agrícolas, previstas especialmente na Lei de Agrotóxicos e na Lei de Crimes Ambientais.


A RESPONSABILIDADE DOS ENVOLVIDOS

As etapas de pesquisa, produção, embalagem, armazenamento, transporte, comercialização, aplicação, bem como todas as demais atividades ligadas à utilização dos agrotóxicos (inclusive a importação, exportação e destinação final de resíduos e embalagens, entre outras) são reguladas por norma específica (Lei de Agrotóxicos - 7.802/89), na qual estão previstos os deveres e a responsabilidade de todos os agentes envolvidos, desde a etapa de produção até a efetiva utilização dos defensivos agrícolas.

Também o registro do produto, as exigências de informações pormenorizadas nas embalagens, as advertências sobre o risco do uso do defensivo – que devem constar nas propagandas comerciais – e a obrigatoriedade de receituário próprio para a venda – em determinados casos – são regulados pela mesma lei.

Assim que, desde o agente responsável pela pesquisa até o produtor rural, passando pelo comerciante e demais prestadores de serviço envolvidos na cadeia de industrialização e comercialização do produto, todos estão, invariavelmente, sujeitos à responsabilização pela inobservância dos deveres previstos na Lei de Agrotóxicos.

O produtor, por exemplo, pode ser responsabilizado por produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes no registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou por não dar a correta destinação às embalagens vazias; por sua vez, o comerciante poderá ser sancionado quando efetuar a venda de defensivo sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrais e sanitário-ambientais.

O próprio empregador, quando não fornecer ou não fizer a manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores, ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos, poderá responder pela atitude adotada.
Havendo dano à saúde de pessoas e ao meio ambiente, o responsável-causador estará sujeito a responder por seus atos na esfera civil (reparação do dano), administrativa (advertência, multa, destruição do produto, cancelamento de registro, interdição do estabelecimento, etc) e criminal (penas de reclusão e multa).

Se já parece bastante o fato do agente estar sujeito à tripla responsabilização (civil, administrativa e criminal), convém ainda salientar que as condutas “criminosas”, previstas na referida lei, consideram-se consumadas independente da ocorrência do resultado danoso, ou seja, mesmo que não se materialize qualquer dano a pessoas ou ao meio ambiente, o agente poderá ser responsabilizado criminalmente, pela simples desobediência à lei.


A RESPONSABILIDADE PENAL DOS ENVOLVIDOS

Mais grave de todas as sanções aplicáveis às condutas tratadas pela Lei de Agrotóxicos, a punição na esfera criminal, apesar de ser um tanto incomum no dia-dia forense, está prevista em lei, tendo, portanto, plena e imediata aplicabilidade e eficácia. E não são poucas as possibilidades do agente vir a delinquir, uma vez que há diversas condutas (núcleos do tipo incriminador) tipificadas na lei como crimes.

Nesse sentido, a Lei de Agrotóxicos considera crime (1) produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, dar destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente, bem como criminaliza a conduta do empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço, que (2) deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente. Na primeira hipótese (1) é pressuposto para a prática da conduta delituosa que o agente tenha atuado com desrespeito consciente à lei, ou seja, que tivesse conhecimento de seus deveres legais e, mesmo assim, optasse por agir contra a norma (dolo); já no segundo caso (2), a lei amplia as hipóteses de punição, prevendo a possibilidade de responsabilização criminal do sujeito que deixar de adotar as medidas de cautela normalmente exigíveis naquela situação, vindo a agir de forma negligente, imperita ou imprudente (modalidade culposa).

Oportuno ainda registrar que a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) criminaliza condutas semelhantes às até aqui tratadas, porém com abrangência mais genérica, pois fala em “Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito, usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente”, sem, contudo, especificar quais os tipos de produtos que estão abrangidos pela norma, levando à conclusão de que, em se tratando de agrotóxicos, aplicar-se-á ao caso concreto as sanções previstas na norma específica (Lei de Agrotóxicos), pelo princípio da especialidade.

Outro aspecto relevante, merecedor de especial atenção de nossa parte, toca na ausência de previsão legal da existência de resultado danoso, para que se configurem os crimes acima apontados. Tanto as condutas previstas na Lei de Agrotóxicos como as da Lei dos Crimes Ambientais contentam-se, por assim dizer, com a mera inobservância dos preceitos legais, configurando-se a prática delituosa independente da ocorrência ou não de resultados decorrentes da conduta vedada pela norma.

Significa, portanto, dizer que a simples ação de destinar inadequadamente embalagens de agrotóxicos, ou mesmo utilizar o defensivo em quantidade diferente daquela estipulada pelo fabricante, independente de resultar em danos à pessoa ou ao meio ambiente, constitui uma conduta criminosa; em Direito (Penal), esse tipo de crime denomina-se crime formal ou crime de mera conduta, pois desimporta o resultado verificado exteriormente; a mera desobediência à norma configura o crime.


AS PERSPETIVAS E OS PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO SOBRE OS AGROTÓXICOS

Superadas as questões legais vigentes, relativas à responsabilidade dos agentes envolvidos com os agrotóxicos, é oportuno discorrer breves considerações sobre as tendências legislativas no tocante ao tema.

No início deste artigo, tecemos algumas considerações acerca da problemática envolvendo a utilização dos agrotóxicos no Brasil, os argumentos prós e contras e as possíveis consequências da utilização ou do (utópico) abandono de tais produtos.

Em que pese às discussões sobre o tema, frequentemente travadas entre os defensores e os contrários à utilização dos agrotóxicos, ao menos em termos legislativos, a tendência atual tem se voltado, acentuadamente, à ampliação da fiscalização e da criminalização de novas condutas, ligadas, principalmente, à utilização e à venda dos defensivos agrícolas.

Nesse sentido, apontamos as propostas de criar o Sistema Nacional de Controle de Agrotóxicos (PL 1950/2011), criminalizar o uso excessivo de agrotóxicos (PL 3649/2008) e a venda ilegal e condutas correlatas (PL Senado 438/2011). No intuito de alertar para os males causados pela utilização dos químicos, existe ainda a proposta de tornar obrigatória a utilização de imagens dos danos causados pelos agrotóxicos na embalagem dos produtos (PL 1854/2011), tal qual ocorre nas embalagens de cigarro.

A elogiável preocupação de nossos legisladores, apesar das merecidas críticas a que estão sujeitos (principalmente pela pretensão de buscar soluções para problemas complexos utilizando-se do Direito Penal – que nada consegue solucionar) demonstra, ao menos, que Deputados e Senadores estão atentos à necessidade e o dever constitucional de priorizar a saúde do homem e o meio ambiente, afinal, devem as tecnologias buscar a melhoria da qualidade de vida, havendo, por conta disso, a necessidade de se impor limites à utilização de produtos que, manuseados sem os devidos cuidados, possam trazer prejuízos ambientais, das mais diversas ordens.

Em contrapartida, na atualidade seria impensável imaginar a produção agrícola sem a utilização dos agrotóxicos, sendo o homem moderno, paradoxalmente, dependente de tais produtos e estando sua própria saúde (alimentação saudável) diretamente ligada à produção de alimentos de boa qualidade, o que implica na utilização de produtos químicos, sem os quais não mais se concebe uma boa produção agrícola. Sobre o tema, ainda, pertinente a colocação de Damasceno, ao afirmar que “Em face das novas tecnologias que hoje se apresentam para a agricultura, entendemos que a legislação em vigor, ainda que ampla e significativa no aspecto do potencial de controle, via de regra acaba por legitimar uma prática agrícola que já não atenta para as questões como a compatibilização do desenvolvimento com a manutenção da qualidade de vida, visto que o texto de lei não abriga uma forma de viabilizar a disseminação de novas técnicas, à medida que tal substituição tecnológica fosse compatível com a manutenção da produtividade”

E, com a certeza de que a responsabilização jurídica (ambiental, administrativa e criminal) é apenas um pequeno fator envolvido na complexa problemática do tema, finalizamos questionando qual, afinal, deve ser o caminho a ser seguido pela lei, já que a mera criminalização de condutas em nada contribui para a busca do que, de fato, interessa, que é a manutenção de uma produção farta e saudável, com a diminuição dos impactos ambientais e à saúde das pessoas.

Leis para encher códigos, vazias de conteúdo e alheias às discussões que realmente interessam aos produtores, profissionais, comerciantes e demais envolvidos com o agronegócio, de nada valem, a não ser para ocupar espaço em cadernos de notícias.


BIBLIOGRAFIA

DAMASCENO, Marcos José Pereira. A utilização de agrotóxicos: risco ambiental e condição para a sobrevivência do homem. Dissertação de mestrado, PUCSP, 1997;

DANTAS, Marcelo Buzaglo. Transação penal e suspensão do processo-crime e o dano ambiental. Revista dos Tribunais, 2000;

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª Ed, Saraiva, 2009;

FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a natureza. Revista dos Tribunais, 2006;

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. RT, 1998;

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Ambiental: problemas fundamentais. RT, 1992;

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente. Saraiva, 1998;

VAZ, Paulo Afonso Brum. O Direito Ambiental e os agrotóxicos. Livraria do Advogado, 2006.

*Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Sócio no escritório Pozzobon & Associados Advogados, em Porto Alegre

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