CI

O que é uma praga?



Altamiro Alvernaz

Bem-vindo a um novo mundo de possibilidades!

Antes de iniciar mais um bate papo, gostaria de recapitular o que falamos na coluna passada, para solidificar os conceitos. Será fundamental para entrarmos no próximo assunto: praga.

Na última coluna, em setembro, chegamos à conclusão através de diversos testemunhos nas mais variadas áreas do agronegócio, da academia ao produtor final, que para nos anteciparmos a doenças e melhorar os nossos parâmetros produtivos é necessário inserir saúde ao nosso sistema produtivo, equilibrar nosso ecossistema. E trazer saúde passa necessariamente pela inserção de microrganismos vivos, benéficos, projetados e variados no coração do seu sistema produtivo. O mundo científico está descobrindo seus benefícios através do estudo do micro bioma. Equilibrar a balança é o grande segredo. Inserir microrganismos vivos e diversificados ajudam a equilibrar e harmonizar o sistema produtivo, desencadeando uma série de reações e funções que aumentam a imunidade, a saúde e, consequentemente, a produção. Quanto mais microrganismos benéficos e que exerçam variadas funções nós tivermos, mais eficientes, resistentes e resilientes a doenças será o nosso sistema produtivo. Teremos menos doenças e alcançaremos maior produtividade. O nosso próprio desempenho diário está diretamente ligado a essa balança equilibrada: mais saúde, maior imunidade, mais resistência, maior produtividade. Vimos também que a ciência vem descobrindo que autismo, psoríase, transtorno obsessiva-compulsivo, obesidade, alergias, algumas doenças autoimunes, como diabetes, dermatite e a doença celíaca estão relacionadas diretamente aos microrganismos do nosso intestino. Ou à falta deles. Concluímos que antibióticos indiscriminadamente matam os microrganismos do intestino. Matam a diversidade microbiana essencial para uma vida saudável. E quando não absorvemos corretamente os nutrientes, nosso sistema imunológico piora, ficando mais suscetíveis às doenças, e pioramos nosso rendimento.

E a partir do que concluímos sobre prevenção e saúde, terminamos setembro deixando uma pergunta: o que é PRAGA? Ela de fato existe? Ou o manejo que aprendemos nos levou a elas? É sobre o que falaremos hoje.

 

Vou iniciar te fazendo uma pergunta: Quando um lobo consegue capturar um coelho, qual dos dois seria a praga? O lobo ou o coelho? Pare por uns segundos para responder a essa pergunta.

 

Vou repetir de um outro modo a mesma pergunta: O lobo é uma praga porque captura um coelho para servir de sua própria alimentação? Ou o coelho é uma praga porque usa as hortaliças da sua horta para a própria sobrevivência?

E agora? Quem é a praga? O que definiria uma praga?

Na primeira pergunta, a grande maioria não soube responder quem é a praga. Mas, provavelmente, na segunda pergunta você soube me responder que a praga é o coelho. A verdade é que nos referimos a esses animais como pragas, sempre que eles nos incomodam. Porém quando eles incomodam outros organismos, nos quais nós não temos nenhum interesse imediato, eles não são considerados pragas.

Podemos concluir que praga então é uma rotulação que damos àquilo que nos incomoda.

Nós temos relações profundas e íntimas com bactérias, fungos, vírus, nematoides, insetos, repteis, anfíbios, mamíferos ou pássaros de todos os tipos. A imensa maioria desses organismos são benéficos e benignos em um ecossistema saudável, equilibrado. Quando o ecossistema é degradado, por qualquer motivo, e ocorre o desequilíbrio, esses atores se proliferam, aumentam em população e começam a se alimentar de plantas ou animais nos quais nós teríamos um interesse econômico mais direto. Nós, então, começamos a rotulá-los de pragas ou patógenos.

Rotulação então é também um mecanismo sutil e subconsciente de desvio de responsabilidade: “eu não sou responsável por essas pragas. Elas que apareceram aqui no ambiente onde estou”.

Está claro que o aparecimento da “praga”, ou a proliferação desses “seres vivos indesejáveis”, só existe quando há um desequilíbrio no ambiente e, principalmente, quando esse ambiente desequilibrado é algo que nos interessa diretamente. É o que acontece nas lavouras pelo Brasil ou nos sistemas produtivos de proteína animal ou mesmo no nosso intestino. Eles andam sistematicamente em desequilíbrio e usamos os defensivos e antibióticos de modo sistemático para acabar com essas “pragas”. E vimos que atuando desse modo nós estamos ajudando na questão da resistência bacteriana e no aparecimento das superbactérias hospitalares. Já percebeu que para todas essas “pragas” existem remédios para combatê-las? Mas que mesmo usando esses remédios para combatê-las você nunca está livre delas? Sempre precisa utilizar esses remédios em dosagens cada vez maiores? Como já vimos, é daí que nasce a resistência bacteriana..

Então nós, como os responsáveis pela degradação ou gerenciamento do ambiente, seja ele uma plantação, ou um sistema produtivo de proteína animal, poderíamos ser taxados de “pragas”?

O manejo que utilizamos a décadas é o responsável pelo aparecimento das pragas. E os “remédios” que nos vendem são a chave para a proliferação desse ecossistema desequilibrado. Hoje, com o estudo do microbioma é possível afirmar isso. Não à toa as empresas de químicos estão correndo atrás de biológicos. Eles sabem disso. Não à toa uma empresa jovem brasileira na área de biológicos foi vendida por alguns bilhões para uma multinacional europeia.

A grande verdade é que se você tem um ambiente equilibrado, você não tem aparecimento de “pragas”. E hoje, o melhor jeito de equilibrarmos é trazendo saúde para dentro do coração do sistema produtivo.

Vou dar um exemplo prático de que em ambiente equilibrado não existem “pragas”. Nosso intestino é casa de bactérias patogênicas também. Um exemplo é a Escherichia coli, frequentemente abreviada como E. coli. Bactéria que desempenha um papel importante na manutenção da saúde do intestino, auxiliando na digestão e competindo com outras bactérias patogênicas. No entanto, pode causar doenças quando presentes em quantidades elevadas ou quando possuem genes de virulência que lhes permitem causar infecções. Essa bactéria convive com milhões de outras no nosso intestino. Se estamos em equilíbrio, com a imunidade alta, boa saúde, elas não se manifestam. Mas se nosso corpo estiver em desequilíbrio elas se manifestarão através de uma simples diarreia ou de uma febre mais intensa. Elas podem ser a porta de entrada para minar seu corpo e possibilitar a entrada de uma doença mais séria. Preste bem atenção: enquanto essa bactéria está no nosso intestino equilibrado, ela auxilia e é importante para a nossa saúde intestinal!! Quando estamos com o nosso intestino em desequilíbrio essa mesma bactéria se torna perigosa, vira “uma praga”.

Outro exemplo prático de que em um ambiente equilibrado não existem pragas. Na cultura do camarão existe um temor enorme contra uma doença chamada vibriose. Ela é uma das doenças mais comuns e devastadoras na produção de camarão e é a porta de entrada para a doença mais temida, chamada mancha branca. A vibriose é causada por bactérias do gênero Vibrio, principalmente Vibrio parahaemolyticus e Vibrio harveyi. E essa bactéria, assim como a E.coli para os humanos, faz parte do ecossistema natural do camarão. Essa bactéria, em um ambiente equilibrado, decompõe matéria orgânica, compete com microrganismos patógenos, e reciclam nutrientes mantendo o ambiente saudável. Quando temos excesso de matéria orgânica, promovida pela alta densidade, geramos desequilíbrio no ambiente e essa bactéria aumenta substancialmente sua população, gerando infecções e doenças nos camarões. Perceba, é o mesmo caso da bactéria E.coli para o ser humano. Em um ambiente equilibrado, a bactéria do gênero vibrio é importante para a manutenção da saúde do ecossistema aquático para a produção do camarão!! Mas quando esse ecossistema é desequilibrado ela se torna uma “praga”.

Para tentar resolver esse problema do vibrio o produtor ficou dependente de determinados produtos que, em conjunto, dizem resolver os problemas do setor. Eles ajudam a solucionar o problema que se propõe, mas outros problemas permanecem ou surgem como efeito colateral. E à cada ciclo o problema está lá novamente. E à cada ciclo o produtor tem mais gastos e menos eficiência. Alguma semelhança com a nossa lavoura ou produção de proteína animal? Toda! Absolutamente toda! Estamos permanentemente usando defensivos ou antibióticos para controlar “pragas”.

Eu e minha equipe desenvolvemos um protocolo para o camarão onde cuidamos do equilíbrio do sistema inteiro trazendo saúde para ele. Inserimos os microrganismos vivos e benéficos corretos, em conjunto com seus metabólitos, dentro do sistema produtivo. Conclusão: quem usa essa metodologia hoje não tem problema algum com a doença. E melhor: diminuiu seu custo produtivo, aumentou em mais de 30% sua produção e melhorou seu manejo. Enquanto você lê esse texto, eu estou na Fenacam, Feira Nacional do Camarão, em Natal, Rio Grande do Norte, para mostrar e apresentar testemunhos de produtores que utilizam essa metodologia e têm sucesso. Estou falando de alguns dos maiores nomes da aquicultura do nosso país. Ao adotar essa metodologia eles perceberam que praga é o resultado de um ambiente em desequilíbrio.

Se tivermos nossa lavoura equilibrada, com saúde, não teremos problema com pragas. Se tivermos nosso sistema produtivo equilibrado, com saúde, não teremos problema com pragas. Se tivermos nossa saúde intestinal equilibrada, não teremos problema com pragas. Se tivermos um ambiente aquático equilibrado, não teremos problema com pragas.

Nem o coelho e nem o lobo são pragas. Eles são dependentes de um ecossistema maior que oferece, ou não, as condições necessárias para que eles se mantenham. O nosso manejo é quem irá determinar se esses organismos irão se expressar como sendo benignos ou como pragas. Nem pratylenchus e nem fusarium são pragas ou patógenos. Nem qualquer outro inseto, nematoide, bactéria ou fungo. Eles são simplesmente organismos presentes no ambiente. Se eles se proliferaram ao ponto de provocarem perda de safra, ou doença em animais, é porque nós manejamos o ecossistema de um modo que criamos o ambiente ideal para eles se proliferarem. E se quisermos que eles não estejam presentes ao ponto de causarem perdas, nós apenas precisamos manejar o ambiente de forma diferente.

Precisamos trazer saúde e equilíbrio para o nosso sistema produtivo.

E trazer saúde e equilíbrio para o nosso sistema produtivo é inserir microrganismos vivos, benéficos e variados dentro do coração do nosso sistema produtivo. E desse modo prevenimos o aparecimento de “pragas”. Menos custo, mais produtividade.

Lembre-se: prevenir é trazer saúde para o sistema, equilibrá-lo. Seja ele nosso intestino, o intestino de um animal, ou o solo. Remediar é matar todo o sistema e começar o ciclo de novo até que se precise remediar novamente, gerando resistência, mais gastos e menos produtividade.

Vou repetir algo que já disse aqui: o conhecimento nos faz evoluir.

E a evolução está sempre acontecendo. Não tem um ponto que ela acontece e depois não acontece mais. E a evolução é baseada no conceito de benefício mútuo e na oferta de generosidade. Fazemos isso dentro da nossa casa. Pare para pensar: quando a gente vê, a gente entende. Quando a gente entende, a gente se importa. E quando a gente se importa, a gente faz algo para proteger.

Eu tive a infelicidade da doença da minha mãe, mas eu desenvolvi algo para proteger a ela e que hoje divido com muito carinho com todos para que vocês possam se proteger também. E tenho certeza: no meu lugar você faria o mesmo, dividiria aquilo que você aprendeu. Afinal não somos 01 indivíduo. Somos uma vasta rede de moléculas, energia. A interconectividade do ser é o que nos define. Sem isso não somos nada. Até a próxima coluna. E que Deus nos abençoe. Bem-vindos a um novo mundo de possibilidades.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.