Manejo da Fêmea bovina na Propriedade Leiteira. Parte 1 - Final da gestação e parto.
Danielle Azevedo – Pesquisadora da Embrapa Meio-Norte
Jandson Vieira Costa - Graduando em Agronomia (UESPI), estagiário da Embrapa Meio-Norte
Parnaíba, 18 de novembro de 2008 - Em toda propriedade leiteira o manejo dispensado às bezerras deve ser o mais cuidadoso possível, pois as mesmas serão as futuras vacas de reposição do rebanho. Neste sentido, a sua alimentação pré-natal, ou seja, ainda no útero da mãe, é uma das etapas de suma importância.
Deve-se considerar que o feto ganha metade de seu peso ao nascimento no terço final da gestação. Neste período a prioridade deixa de ser a vaca e passa a ser o feto em desenvolvimento. Assim, caso haja alguma deficiência na alimentação fornecida à vaca, suas reservas corporais serão mobilizadas para que o desenvolvimento fetal não seja prejudicado e isso, poderá vir a acarretar cetose, um dos distúrbios metabólicos mais freqüentes na propriedade leiteira.
No último terço da gestação as vacas leiteiras devem ganhar de 600 a 800 g/dia (variando de raças de pequeno a grande porte, como a Jersey e a Holandesa). Convém lembrar que as novilhas não devem, de forma alguma, ganhar peso em demasia, visto a possibilidade de infiltração de células adiposas em sua glândula mamária e, conseqüentemente, a redução do tecido secretor, reduzindo sua produção futura de leite.
Um inconveniente muitas vezes encontrando em diversas propriedades é a ausência de balança para mensuração do ganho de peso da vaca. No entanto, o escore de condição corporal deve ser monitorado a fim de que a vaca não venha a parir nem muito magra nem excessivamente gorda, sendo o ideal a parição com condição corporal de 3,5 a 4,0, utilizando-se a escala até 5,0 pontos. Em ambos os casos, vaca magra ou vaca gorda ao parto, problemas perinatais podem ocorrer como parto distócico, retenção de placenta e distúrbios metabólicos, como febre do leite e cetose. No caso destes problemas, há maior probabilidade de mortalidade do recém nascido e, também da redução na produção de leite da vaca. Em casos mais graves, pode ocorrer inclusive a morte da vaca.
Apesar da grande preocupação que a maioria dos produtores têm em relação ao teor de proteína ofertada a vaca no final da gestação, a deficiência em energia tem sido reconhecida como a mais importante no Brasil. Além da energia e, evidentemente da proteína, deficiências em vitaminas A, D e E, iodo, fósforo, cobalto, cobre, manganês e selênio podem afetar o desenvolvimento pré-natal das bezerras tornando-as mais susceptíveis a doenças nas primeiras semanas de vida, aumentado o quadro de diarréias e pneumonias.
Assim, a alimentação da vaca no pré-parto deve ser formulada para atender as exigências de mantença da mesma, gestação e, em caso de novilhas, crescimento. Deve-se atentar ainda que esta é uma fase em que a vaca reduz o consumo de alimentos, sendo uma das causas o aumento do tamanho uterino em decorrência do crescimento do feto. Portanto é importante que no período da cobertura a matriz esteja em condição corporal adequada (escore em torno de 3).
Em relação ao manejo das vacas em final de gestação na propriedade leiteira, o mesmo pode ser facilitado se as vacas forem divididas em três grupos principais (o que vai depender do número de animais da propriedade). O primeiro grupo deve ser constituído pelas vacas até uma semana após o processo de secagem, quando ocorre a interrupção da produção de leite. O segundo grupo deve englobar vacas secas que tiveram sua lactação interrompida há uma semana, provenientes do primeiro grupo, até que as mesmas cheguem a um mês antes do parto – é nesta etapa que ocorre o descanso da glândula mamária e a renovação das células secretoras de leite. O terceiro grupo, deverá ser formado pelas vacas que estão a um mês do parto, quando a secreção do colostro é iniciada.
Vacas do primeiro grupo devem receber toda atenção no que se refere à redução da alimentação, a fim de reduzir o leite produzido, e ao tratamento das glândulas mamárias com aplicação de antitibióticos (em todas as vacas) para que a proliferação de microrganismos seja minimizada e evite-se a instalação da mastite. As vacas do segundo grupo devem receber basicamente volumoso de boa qualidade, visto que seus requerimentos nutricionais são menores que das vacas em lactação. A administração de concentrados a estes animais justifica-se apenas quando o volumoso for de baixa qualidade. As vacas do terceiro grupo, ou seja, 3 a 4 semanas antes do parto, devem receber concentrado (de mesma formulação que o que irão receber após o parto) para garantir o desenvolvimento adequado do feto, adaptar os microrganismos ruminais à futura dieta e, também por considerar-se que o consumo de alimentos é bastante reduzido nesta fase (de 10 a 20%).
Deve ser enfatizado que as vacas prenhes devem ser secas aos sete meses de prenhez ou 305 de lactação (considerando-se o período de serviço ideal de três meses), sendo então conduzidas a um piquete maternidade. Esta prática tem como vantagem o descanso da glândula mamária e conseqüentemente maior produção de leite na lactação seguinte – além de um colostro de melhor qualidade. Após a secagem as vacas que vieram de uma lactação anterior terão a possibilidade de repor suas reservas corporais e chegar ao parto em condição corporal adequada.
É importante que o produtor saiba que no período seco a vaca está bastante susceptível ao estresse, visto que todo o seu manejo é modificado e ela passa por diversas situações novas – o que traz medo e ansiedade. Assim, as melhores condições devem lhe ser oferecidas, incluindo-se um manejo tranqüilo, longe de barulhos ou outras fontes de estresse. Neste sentido, o piquete maternidade deve ter boa drenagem, ser plano, limpo e de fácil visibilidade pelos tratadores, o que possibilitará uma melhor assistência ao parto, caso haja necessidade. O tipo de capim e o seu manejo também é importante, pois pasto alto pode dificultar a percepção de problemas ao parto. Infelizmente, poucos produtores secam suas vacas prenhes e alguns justificam afirmando que a produção de leite nesta lactação compensa a possível redução na próxima. É fato também a resistência à implantação do piquete maternidade.
O momento do parto em uma propriedade leiteira é de suma importância – para o produtor, que “ganhará” mais um animal e para a vaca, que passará por todo o estresse do parto. Porém isso não quer dizer que deva haver interferência no mesmo, sem que haja necessidade. Este é prioritariamente um momento da vaca e sua cria, devendo a fêmea ser auxiliada apenas quando em dificuldades, como por ocasião de partos distócicos, ou seja, se após 4 horas a fêmea não houver realmente conseguido parir. E nestes casos, o médico veterinário deverá ser chamado, abolindo-se a prática de retirada da cria a força pelo tratador, o que pode ocasionar morte da cria e lesões irreversíveis na fêmea.
Logo após o parto a vaca lambe a bezerra, estimulando-a a tentar levantar. As lambidas também estimulam a circulação sanguínea e o aquecimento da cria. Um cuidado que deve ser observado pelo tratador em climas frios ou em dias úmidos é a retirada da mãe e filha para um local protegido. O tratador deve observar também se a bezerra mama o colostro logo após o nascimento. Em caso negativo, deve estimulá-la ou, em casos mais extremos, fornecer o colostro em mamadeira ou balde, visto que este leite é rico em imunoglobulinas. As imunoglobulinas são os anticorpos maternos que protegem as crias nas primeiras duas semanas de vida, até que as mesmas possam produzir seus próprios anticorpos.
O colostro deve ser fornecido de forma integral, sem diluição, durante pelo menos os três primeiros dias de vida da bezerra (aproximadamente 5% do peso vivo, divididos em duas refeições diárias -manhã e tarde). A bezerra deve ingerir o colostro o mais cedo possível (até seis horas após seu nascimento), pois a capacidade de absorção das imunoglobulinas pelo epitélio intestinal diminui muito com o tempo, sendo praticamente inexistente após 36 horas do nascimento. Além disso, a concentração de imunoglobulinas cai bastante à medida que a vaca é ordenhada.
Após o contato inicial entre mãe e cria, durante o qual a vaca já deve ter cortado com os dentes boa parte do cordão umbilical, rompido quando do nascimento (a vaca em geral pare em pé, o que facilita o rompimento do cordão umbilical), o tratador deve cortar o umbigo da bezerra a dois dedos da inserção e mergulhar o coto em tintura de iodo a 10%. Por três dias consecutivos este tratamento com iodo deve ser repetido. Em localidades de clima mais úmido e quente, propensas a instalação de miíases, o uso de repelente de insetos é indicado – apenas ao redor do coto, não em cima do mesmo.
É importante que o tratador, ao pegar o animal recém nascido para tratar o umbigo, verifique se o mesmo não possui defeitos congênitos que possam inviabilizar sua sobrevivência, como por exemplo, a oclusão anal. Outros cuidados que devem acontecer ainda no dia do nascimento são identificação e pesagem da bezerra, com o preenchimento adequado das fichas correspondentes ao controle zootécnico do rebanho. Em uma propriedade leiteira o controle zootécnico correto pode fazer a diferença entre o lucro e o prejuízo.