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Lei 12651 e as Cooperativas: Oportunidades com Ativos Ambientais


Opinião Livre
Por Eder Zanetti
Foi um agricultor que observou as estações do ano e o comportamento das plantas em relação à floração, produção de sementes, germinação e outros. Foi ele que descobriu como coletar as sementes e realizar o plantio e a colheita. Foi um homem do campo que observou o comportamento dos animais e criou as condições para sua domesticação. Os primeiros ecologistas da história, os produtores rurais são reconhecidos pela sua capacidade de manipular a natureza para atender e melhorar as necessidades de qualidade de vida em sociedade. Da mesma forma, hoje, são os produtores rurais que podem manejar as propriedades como verdadeiras “máquinas” que absorvem os impactos ambientais de resíduos sólidos, efluentes líquidos e emissões gasosas e processam estes elementos entregando para a sociedade alimentos, fibras, madeira, água, ar limpo, biodiversidade, beleza cênica e uma série de serviços ecossistêmicos. Regulamentar e remunerar os produtores rurais pelo trabalho na gestão de ecossistemas significa valorizar a gestão dos ativos ambientais e da sua capacidade de prestar relevantes serviços para a comunidade de humanos.

O reconhecimento de que a atividade humana tem gerado passivos ambientais enormes vem da convivência diária e cada vez maior com os seus resultados. Hoje, cerca de 90% da população brasileira vive nas cidades onde crescem problemas sociais, econômicos e ambientais.
Milhares ou milhões de empresas e indivíduos participam do comércio internacional e produzem Bens e Serviços sem qualidade ambiental, ou que degradam os serviços ecossistêmicos na sua produção. Para ser mais economicamente competitivos, exploram a base de recursos além do seu máximo de capacidade de suporte. A valoração dos serviços ecossistêmicos é muito importante para o desenvolvimento sustentável, pois estabelece um preço para o que antes era tomado e tratado como um recurso livre. O uso equilibrado dos recursos vai garantir a sua perenidade, com isso, os Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos geram, em contrapartida, Bens e Serviços Ambientais – Economia Verde.
A Economia Verde desponta no mundo, devendo ultrapassar a marca dos US$ 2,2 trilhões ainda em 2015 (2% do comércio global). Esta prática está voltada para a promoção de cadeias produtivas e de prestação de serviços que incluam o controle da poluição atmosférica, líquida e sólida. É uma forma de favorecer crescimento de renda e emprego com produção e consumo de bens e serviços ambientais, e que preservam os serviços ecossistêmicos. Esta nova realizada econômica vem sendo construída desde a emergência dos programas de ação ambiental, que começaram a existir desde a década de 70, buscando verticalizar e abordar os problemas ecológicos dos setores da economia.
Isso levou a criação da Sessão Conjunta de Especialistas sobre Comércio e Meio Ambiente – OECD/1991, que entre 1991-1995 realizou a conclusão da Rodada do Uruguai e a criação da Organização Mundial do Comércio, um Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente. No período seguinte, entre 1995-2001, estabeleceu-se a Agenda de Desenvolvimento de Doha (DDA), que entre 2001-2008, realizou o trabalho analítico para dar suporte as decisões da Rodada de Doha. Atualmente a temática na OMC trata sobre as discussões sobre liberação de comércio internacional de Bens e Serviços Ambientais, através da busca pelo estabelecimento de critérios para certificação de qualidade como diferenciação para comércio internacional. A primeira proposta negociadora do Brasil no CTE-SS foi em 2005 (TN/TE/W/59).
Com o fortalecimento de uma Economia Verde globalizada, os Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos migram de uma ameaça para uma oportunidade de negócio. O gerenciamento de serviços ecossistêmicos para diminuir os impactos da produção de Bens e Serviços tradicionais gera maior credibilidade para as empresas, e o Pagamento por Serviço Ecossistêmico se estabelece como forma de mitigar, compensar e neutralizar os impactos das cadeias produtivas no meio ambiente. Assim, os Bens e Serviços que tem comprovada ação para manter ou melhorar a qualidade ambiental, através do PSE, podem ser certificados como Bens e Serviços Ambientais. E uma estratégia para avaliar os impactos das cadeias produtivas nos serviços ecossistêmicos é formatada, como forma de estabelecer limites para implantação de negócios e para sua adequação ambiental. Produtos e serviços com qualidade ambiental tendem a tramitar no comércio internacional sem pagar, ou ter reduzidas, taxas de importação e exportação. Da mesma forma, produtos e serviços ambientais, e o PSE no Brasil, podem e devem ser incentivados através de isenções de taxas e tributos, pela qualidade que tem em contribuir para diminuir os gastos com meio ambiente do setor público e melhorar a vida de todos.
A nova Lei da Vegetação (12651/2012) reforçou estatutos e introduziu n ovos conceitos ao código florestal, com ingerência sobre as formas de manejo das propriedades rurais, nitidamente voltada para o múltiplo uso. A legislação impõe e reforça, ratificando restrições como a Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP). A Responsabilidade civil, criminal, administrativa e social dos proprietários rurais, sócios e administradores no que se refere aos crimes ambientais é mantida na nova legislação. Em contrapartida este instrumento semeou na legislação de gestão das propriedades rurais o tema dos Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos / Ambientais, incluindo aqueles voltados para remuneração de RL e APP e outros usos sustentáveis na propriedade rural. Está expressamente incluída a demanda no sentido da criação de mercados (Art. 41). Fazer com que estes mercados sejam operacionalizados e gerem benefícios concretos para os produtores rurais é um desafio p ara o setor.
A lei gerou a possibilidade dos proprietários rurais fornecerem compensação ambiental de grandes investimentos, baseados em critérios de elegibilidade. A Lei também resultou na flexibilização do estatuto da Reserva Legal, na busca de otimizar o uso da terra produtiva e a compensação em áreas de interesse ambiental. Com isso os cenários rurais podem atingir maior eficiência econômica (com o uso de áreas com potencial produtivo), melhorar a qualidade ambiental (com foco em áreas suscetíveis) e promover a inclusão social (gerando a possibilidade de remuneração de áreas de baixo interesse produtivo - normalmente em poder da população de menor poder aquisitivo).
Isoladamente o novo estatuto da Reserva Legal é um instrumento de compensação, mas em conjunto com outras medidas torna-se uma ferramenta de promoção de desenvolvimento sustentável territorial, principalmente em tempos de Economia Verde. O planejamento estratégico gera diferencial para os territórios, que podem aumentar a atratividade destes para os negócios verdes.

A possibilidade de gerar renda e trabalho com a comercialização de Cotas de Reserva Ambiental – CRA, utilizadas para compensar passivos ambientais através dos Planos de Regularização Ambiental – PRA é uma das formas de valorização dos ativos ambientais das propriedades rurais que estão surgindo, assim como a possibilidade de receber recursos financeiros e técnicos de compensação ambiental.
No mundo todo o esforço pela redução da pobreza vem ganhado contornos críticos pela crescente ameaça das mudanças climáticas globais, que pressionam sobremaneira os que se encontram em situação de maior fragilidade. Os grandes desastres naturais tendem a atingir a população mais carente em maior proporção. A possibilidade de participar de uma economia alternativa, que remunera as atividades de menor impacto ambiental, interessa como forma de transferência de renda para fixar uma população rural cada vez menor. Essa população rural de baixa renda que vive em locais de fragilidade ambiental deve ser priorizada para receber pelos serviços ecossistêmicos ou ambientais que manejam em sua propriedade.
No Brasil, dos mais de 5 milhões de produtores rurais identificados pelo Censo Agropecuário, 7% são associados a cooperativas e destes, 57% estão classificados no grupo de área de 5 a menos de 50 hectares. Estes produtores podem se tornar grandes fornecedores de bens e serviços ambientais, além de créditos de serviços ecossistêmicos – carbono, água, biodiversidade, polinizadores e outros – para a sociedade. Embora a logística para a comercialização e transporte de bens e serviços ambientais seja a mesma utilizada para os bens e serviços tradicionais, os PSE/PSA precisam ter seus veículos de distribuição desenvolvidos, e as cooperativas são entes fundamentais para esta ligação entre os produtores rurais e os mercados para compensação ambiental.
Qualquer atividade agropecuária é uma atividade econômica onde o produtor planta, cria, produz e muitas vezes até industrializa. O maior problema no planejamento é escoar a produção e, da mesma forma, os créditos de serviços ecossistêmicos. Cooperativas servem para conseguir escoar, da melhor maneira possível, a produção. Elas podem servir também para escoar os créditos de serviços ecossistêmicos. Com o produto da produção de muitos produtores rurais, as cooperativas conseguem fazer negócios melhores que, individualmente, os cooperados talvez tivessem maiores dificuldades para realizar. Com os créditos de serviços ecossistêmicos de vários produtores, distribuídos ao longo de projetos de conservação ambiental em escala, as cooperativas podem conseguir melhor negócio do que os produtores isolados conseguem.
A cooperativa é um local de referência para os produtores rurais. O setor cooperativista é de singular importância para a sociedade, na medida em que promove a aplicação de recursos privados e assume os correspondentes riscos em favor da própria comunidade onde se desenvolve. Por representar iniciativas dos próprios cidadãos, contribui de forma relevante para o desenvolvimento local sustentável. As cooperativas são entidades de livre adesão de pessoas que estejam aptas para participar do objeto que foi constituída, desta forma, as cooperativas exercem grande influência regional, principalmente no meio rural.
Elas contribuem para a evolução dos seus associados em duas grandes dimensões, a econômica e a social. Na dimensão econômica com o melhoramento da renda através da disponibilidade do produto ou serviços do cooperado para o mercado consumidor. Na dimensão social através da inclusão social e da disponibilização, ao cooperado, de novos conhecimentos, além de aproximá-lo de uma rede de contato com outros cooperados. Agora também na dimensão ambiental, com o potencial para contribuir no arranjo local de sistemas integrados de gestão de serviços ecossistêmicos, o chamado planejamento de Infraestrutura Verde das regiões onde atuam. A construção desta nova realidade vai demandar investimentos em Treinamento & Capacitação, dos agentes das cooperativas e dos cooperados, assim como de toda a sociedade, para reunir esforço em torno dos projetos de infraestrutura verde local para melhorar a qualidade ambiental.
O Sistema CNA/SENAR realiza constante melhoria da qualidade no Brasil. Os programas de treinamento e de capacitação são até mais relevantes do que outros aspectos – como condições de armazenamento e de transporte – para a obtenção de um produto de qualidade. Além de promover treinamentos de formação profissional rural e de capacitação, o SENAR prevê a qualificação de produtores rurais com foco na produção dentro dos novos parâmetros legais e de mercado. O SENAR é uma escola sem sala de aula que leva o conhecimento até onde o produtor e o trabalhador rural atuam. O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural dissemina informações e ações para melhorar a vida de homens e mulheres do campo. No campo da Lei 12651/2012, as ações concentradas das cooperativas para trazer o comércio de créditos de carbono, água, biodiversidade e outros para a realidade podem estar alinhadas com as do SENAR e também do SEBRAE, para que o tema seja nivelado entre o rural e o urbano, focando no aumento da competitividade das empresas de todos os tamanhos, na Economia Verde.
A atuação do SEBRAE traz maior benefício para as micro e pequenas empresas, que recebem todo o apoio necessário para crescerem e se tornarem competitivas no mercado. Este entendimento é fundamental para oferecer aos associados às condições apropriadas para a busca da qualificação e do aproveitamento de oportunidades comerciais. Graças a isto muitas empresas garantem uma importante parcela de suas produções, assegurando renda e emprego, movimentando toda a economia. O SEBRAE tem por objetivo fomentar o desenvolvimento sustentável, a competitividade e o aperfeiçoamento técnico das microempresas e das empresas de pequeno porte industriais, comerciais e agrícolas e de serviços, em consonância com as políticas nacionais de desenvolvimento. A diversidade de clientes do SEBRAE vai do rural ao urbano, das empresas que faturam menos de R$ 60 mil por ano até aquelas com receitas de R$ 3,6 milhões anuais. Uma amplitude gigantesca, na qual se concentram 99% dos empreendimentos e 52% dos empregos brasileiros. As ações do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em parceria com os municípios partem de uma premissa básica, que é o protagonismo local.

As cooperativas como agentes de agregação dos produtores rurais na sua integração em torno de um projeto de prestação de serviços ecossistêmicos regionais – infraestrutura verde, o SENAR e o SEBRAE articulando ações de Treinamento & Capacitação para o setor público e privado no campo e nas cidades, podem trazer a realidade dos mercados de serviços ecossistêmicos para o dia-a-dia dos cidadãos, com ganhos para a sociedade, a economia e o meio ambiente. O equilíbrio do desenvolvimento sustentável depende da capacidade dos ecossistemas em absorver a crescente população de humanos, sem comprometer qualidade ambiental e inclusão social no processo.
Para atender as demandas das cidades que não param de crescer, é necessário sempre mais espaços, alimentos, fibras, madeira, água, ar limpo, biodiversidade, beleza cênica e uma série de serviços ecossistêmicos. São os proprietários rurais que fornecem todos esses serviços, integrados em uma rede de usos da terra que inclui unidades de conservação públicas e privadas, zonas de amortecimento, áreas de uso restrito – RL e APP, Terras Indígenas, Quilombos e outros. Hoje, cerca de 10% da população brasileira vive nas áreas rurais onde a pressão para conversão de usos da terra buscando mais eficiência é contínua, e diretamente proporcional ao aumento do número de habitantes nas cidades. São necessárias estratégias para garantir que o crescimento populacional contribua para melhorar a qualidade ambiental.
Estas estratégias também devem estar focadas nos ganhos para o País e seus produtores rurais, nas agendas comerciais internacionais, como a Rodada de Doha na OMC. A Certificação de bens e serviços ambientais e de commodities verdes através de políticas públicas focadas na inclusão dos serviços ecossistêmicos nas cadeias produtivas – como o PLS 309/2010, fornecimento de incentivos na forma de isenção de taxas e impostos no comércio internacional e desconto e isenção de taxas e tributos para empresas que apoiam estas atividades. Para ter efeito, as iniciativas e estratégias têm de estar baseadas em instrumentos de gestão apropriados, incluindo Metodologias de Mensuração, Relatório e Verificação (MRV) reconhecidas e no Monitoramento da implantação e execução. A produção de bens e serviços ambientais para o comércio internacional e interno deve estar baseada na possibilidade de investir em arranjos territoriais que contemplem elementos de atratividade para os negócios - Busca por qualidade ambiental é essencial para competitividade.
As cooperativas tem um papel fundamental para o estabelecimento de estratégias territoriais de desenvolvimento sustentável na Economia Verde, garantindo a competitividade dos associados e integrando o planejamento econômico, ambiental e social das atividades. Com a Lei 12651/2012 é possível desenvolver arranjos organizacionais para difusão de melhores práticas, implantação e monitoramento de sistemas MRV de serviços ecossistêmicos, elaboração, registro e certificação de créditos ambientais e sua comercialização nos mercados. Projetos desenvolvidos a partir das cooperativas podem ter a escala necessária para criar o impacto ambiental e social que as empresas buscam para adequação de suas cadeias produtivas. As cooperativas que incorporam a gestão de serviços ecossistêmicos geram maiores oportunidades de mercado para seus associados, seja através de reconhecimento das melhores práticas, seja através da possibilidade de gerar trabalho e renda com gestão de carbono, água, biodiversidade, polinizadores e outros.
A valorização dos ativos ambientais das propriedades rurais passa pela organização dos produtores em torno de uma infraestrutura verde que justifique os investimentos globais em conservação ambiental. A infraestrutura verde no cenário rural tem de ser tão importante como a infraestrutura cinza. Para as cooperativas, a gestão de serviços ecossistêmicos tem de considerar um nível de importância semelhante à logística para entrega de produtos como soja, feijão, milho, carne, leite e outros e à organização sistemática do cenário rural para entrega de serviços ecossistêmicos como carbono, água, biodiversidade, polinizadores, beleza cênica e outros.
As cooperativas podem elaborar projetos regionais que envolvam todos os seus associados, preparar metodologias e procedimentos MRV para monitoramento dos créditos produzidos anualmente e buscar os negócios mais lucrativos. O fortalecimento da qualidade ambiental da produção rural já representa uma vantagem competitiva significativa, associada a estratégias de gestão de serviços ecossistêmicos pode aumentar a sinergia da produção rural com a manutenção da qualidade de vida da população. A Lei 12651/2012 abriu a oportunidade para a valorização dos ativos ambientais rurais.
**Engenheiro florestal, pesquisador da Universidade Federal do Paraná e consultor sênior da Anda Brasil
Artigo originalmente publicado no Portal Dia de Campo

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