Timão tinha muita raiva do seu apelido.
São-Paulino roxo, conhecia a escalação completa de todos jogadores nos campeonatos dos quais o seu time participou desde 1978, ano em que nasceu. Mas de tão fanático pelo clube, seus amigos o presentearam com o apelido de Timão para provocá-lo. E, para piorar, o apelido "pegou".
Quando eu o conheci, perguntei a ele o porque do seu apelido e ele me explicou, bastante contrariado.
Após eu ouvir suas explicações, eu falei para ele:
AMV: Pense pelo lado bom, Timão é por onde se guia o navio, é o instrumento que na época das grandes navegações era sagrado, e somente o capitão e o timoneiro tinham acesso a ele. Se te chamam de Timão, pense que estão te tratando como o capitão, que é o líder maior do navio.
Timão: Dr., pensando por este lado, acho que fica bom!
Mas voltando a saga do nosso herói, Timão era técnico agrícola e começou a trabalhar aos 18 anos em usina sucroenergética. Incentivado pelas suas primeiras chefias, resolveu fazer administração de empresas no período noturno. Com muito sofrimento, conseguiu concluir o curso, dormindo no máximo 5 horas por noite nos dias de semana e muitas vezes sacrificando as oportunidades de estar com a mulher e os filhos nos finais de semana. Tudo isso pela grande aposta que tinha feito em si mesmo de crescer na vida.
Embora tenha passado por todos os processos de produção da cana-de-açúcar, foi na operação de colheita mecanizada da cana que Timão se apaixonou pela "vida de usina".
Começando como auxiliar, Timão foi ganhando experiência e crescendo nas empresas por onde passou.
Timão passou a fazer parte do meu time quando eu estava com a idéia de testar um novo modelo de gestão de frentes de Colheita & Transbordo (C&T), baseado no conceitos das células autônomas de produção.
Solicitei à minha consultora interna de RH que elaborasse uma avaliação baseada em 4 disciplinas, sendo:
1) Experiência de sucesso na gestão de equipes e pessoas;
2) Domínio das ferramentas de gestão da produção, sendo que o conhecimento na elaboração e análise de orçamentos, além de planejamento de produção eram mandatórios;
3) Conhecimentos avançados de manutenção mecânica básica aplicada aos equipamentos agrícolas;
4) Conhecimentos avançados de operação de colheita e transporte.
Timão seria um candidato natural, mas ainda haviam dúvidas se ele realmente era capaz de absorver o novo conceito e se os seus conhecimentos em mecânica eram suficientes, já que sua grande experiência estava na operação e não na manutenção.
As provas de conhecimentos foram elaboradas em conjunto entre RH, e os gerentes das divisões de produção e manutenção automotiva, além das entrevistas individuais dos candidatos com os mesmos elaboradores.
Para minha surpresa os resultados do Timão foram excepcionais em todas as disciplinas, inclusive com destaque para sua performance nas avaliações de ferramentas de gestão da produção e seu domínio sobre manutenção.
Decidi então chamar o Timão para uma entrevista final, e reforçar a ele o que nós esperávamos do seu trabalho na nova posição:
AMV: Timão, nós queremos te dar uma nova oportunidade, mas precisamos ter certeza de que você está preparado para ela. Não podemos dar um "tiro n'água"! Quem assumir esta posição tem que estar comprometido 100%, não pode ser 99%.
Timão: Dr., eu estou comprometido, pode confiar.
AMV: Nesta nova função você vai ter que encarar seu trabalho como o "Dono da Frente". Você terá autonomia para contratar quem você quiser, desde que não ultrapasse a sua verba orçamentaria para mão-de-obra. Também fará a gestão da manutenção, controlará o estoque de peças na frente, terá autonomia para realizar compras e contratar treinamentos, mas sempre respeitando as políticas da empresa. Você terá sob sua responsabilidade 4 colhedoras de cana, 8 conjuntos de transbordo e toda a infra-estrutura de apoio para esta frente.
Timão: Mas Dr., eu estou acostumado a cuidar de 40, 100 ou até 150 máquinas. Acho que eu estou "voltando para trás" ao cuidar de menos de 15.
Esta colocação me deixou muito preocupado, pois percebi que o Timão ainda não tinha enxergado as diferenças. No conceito tradicional, o Coordenador do Processo Corte-Carregamento-Transporte (CCT), "cuida" de todas as frentes e maquinários, mas ele não é de fato um gestor. Este coordenador de CCT nada mais é que um capataz. Ele não tem gestão sobre o seu orçamento, não tem autonomia na construção do time e muito menos gerencia a manutenção dos equipamentos. Em resumo, ele não tem um serviço "para vender".
Mas minha intuição me fez insistir com ele:
AMV: Eu não estou procurando um empregado. Estou procurando um "empresário". Eu quero que você encare este desafio como a oportunidade da sua vida. Pois aqui você vai aprender a gerenciar um negócio. Você vai atuar como se fosse um prestador de serviços, porém interno. A palavra-chave é "DONO". Quero alguém com perfil de "DONO". Aqui você vai ter 15 equipamentos onde você vai fazer a gestão de fato, e não os 100 ou 150 que está acostumado, mas sem gestão alguma.
Timão, ainda incrédulo: Então eu vou ter autonomia para montar meu time?
AMV: Não só vai como deve ter. Escolha os melhores que você puder, pois espero de vocês uma frente que quebre todos os recordes de produtividade.
Timão: Dr., pode confiar. Vou fazer o meu melhor.
E Timão não perdeu tempo. Imediatamente saiu atrás dos melhores profissionais disponíveis que tinha em seu networking: operadores de máquinas, motoristas, mecânicos e um assistente administrativo muito experiente, tanto na burocracia interna da usina como também já havia atuado com muito êxito como controlador de tráfego e planejador logístico.
Começou a safra, e a frente do Timão, cumpriu o que se esperava dela. Rapidamente organizou-se de forma muito afinada e coordenada. Fiquei tão bem impressionado que a apelidei de "Dream Team" em alusão ao famoso time estadunidense de basquete, quase invencível. Enquanto as demais frentes de mesmo porte produziam uma quota diária de 2 mil toneladas, o "Dream Team" produzia 3.2 mil em média.
Mas o grande diferencial da frente do Timão não estava nos equipamentos, nas áreas planejadas ou nas pessoas como "virtuosi" individuais. Estava na liderança e no senso de equipe.
Fiquei emocionado quando cheguei em uma visita na frente para comemorar o ganho integral dos bônus por produção, logo após terem sido fechados os indicadores-chave de performance. Para minha surpresa, por iniciativa própria, todos os trabalhadores da frente utilizavam um boné com o logo da Usina e o logo que desenharam para si mesmos (incluindo aí um grito de guerra como aqueles que as tropas da elite militar possuem). Eles vibravam em cada caminhão carregado como se tivessem feito uma cesta de três pontos no basquete ou uma cortada indefensável no voleibol.
Por ter tido este sucesso na gestão de uma frente de trabalho, considero Timão o Telê Santana da colheita mecanizada. Parabéns Timão, e que a sua carreira cresça de "vento em popa"!
São-Paulino roxo, conhecia a escalação completa de todos jogadores nos campeonatos dos quais o seu time participou desde 1978, ano em que nasceu. Mas de tão fanático pelo clube, seus amigos o presentearam com o apelido de Timão para provocá-lo. E, para piorar, o apelido "pegou".
Quando eu o conheci, perguntei a ele o porque do seu apelido e ele me explicou, bastante contrariado.
Após eu ouvir suas explicações, eu falei para ele:
AMV: Pense pelo lado bom, Timão é por onde se guia o navio, é o instrumento que na época das grandes navegações era sagrado, e somente o capitão e o timoneiro tinham acesso a ele. Se te chamam de Timão, pense que estão te tratando como o capitão, que é o líder maior do navio.
Timão: Dr., pensando por este lado, acho que fica bom!
Mas voltando a saga do nosso herói, Timão era técnico agrícola e começou a trabalhar aos 18 anos em usina sucroenergética. Incentivado pelas suas primeiras chefias, resolveu fazer administração de empresas no período noturno. Com muito sofrimento, conseguiu concluir o curso, dormindo no máximo 5 horas por noite nos dias de semana e muitas vezes sacrificando as oportunidades de estar com a mulher e os filhos nos finais de semana. Tudo isso pela grande aposta que tinha feito em si mesmo de crescer na vida.
Embora tenha passado por todos os processos de produção da cana-de-açúcar, foi na operação de colheita mecanizada da cana que Timão se apaixonou pela "vida de usina".
Começando como auxiliar, Timão foi ganhando experiência e crescendo nas empresas por onde passou.
Timão passou a fazer parte do meu time quando eu estava com a idéia de testar um novo modelo de gestão de frentes de Colheita & Transbordo (C&T), baseado no conceitos das células autônomas de produção.
Solicitei à minha consultora interna de RH que elaborasse uma avaliação baseada em 4 disciplinas, sendo:
1) Experiência de sucesso na gestão de equipes e pessoas;
2) Domínio das ferramentas de gestão da produção, sendo que o conhecimento na elaboração e análise de orçamentos, além de planejamento de produção eram mandatórios;
3) Conhecimentos avançados de manutenção mecânica básica aplicada aos equipamentos agrícolas;
4) Conhecimentos avançados de operação de colheita e transporte.
Timão seria um candidato natural, mas ainda haviam dúvidas se ele realmente era capaz de absorver o novo conceito e se os seus conhecimentos em mecânica eram suficientes, já que sua grande experiência estava na operação e não na manutenção.
As provas de conhecimentos foram elaboradas em conjunto entre RH, e os gerentes das divisões de produção e manutenção automotiva, além das entrevistas individuais dos candidatos com os mesmos elaboradores.
Para minha surpresa os resultados do Timão foram excepcionais em todas as disciplinas, inclusive com destaque para sua performance nas avaliações de ferramentas de gestão da produção e seu domínio sobre manutenção.
Decidi então chamar o Timão para uma entrevista final, e reforçar a ele o que nós esperávamos do seu trabalho na nova posição:
AMV: Timão, nós queremos te dar uma nova oportunidade, mas precisamos ter certeza de que você está preparado para ela. Não podemos dar um "tiro n'água"! Quem assumir esta posição tem que estar comprometido 100%, não pode ser 99%.
Timão: Dr., eu estou comprometido, pode confiar.
AMV: Nesta nova função você vai ter que encarar seu trabalho como o "Dono da Frente". Você terá autonomia para contratar quem você quiser, desde que não ultrapasse a sua verba orçamentaria para mão-de-obra. Também fará a gestão da manutenção, controlará o estoque de peças na frente, terá autonomia para realizar compras e contratar treinamentos, mas sempre respeitando as políticas da empresa. Você terá sob sua responsabilidade 4 colhedoras de cana, 8 conjuntos de transbordo e toda a infra-estrutura de apoio para esta frente.
Timão: Mas Dr., eu estou acostumado a cuidar de 40, 100 ou até 150 máquinas. Acho que eu estou "voltando para trás" ao cuidar de menos de 15.
Esta colocação me deixou muito preocupado, pois percebi que o Timão ainda não tinha enxergado as diferenças. No conceito tradicional, o Coordenador do Processo Corte-Carregamento-Transporte (CCT), "cuida" de todas as frentes e maquinários, mas ele não é de fato um gestor. Este coordenador de CCT nada mais é que um capataz. Ele não tem gestão sobre o seu orçamento, não tem autonomia na construção do time e muito menos gerencia a manutenção dos equipamentos. Em resumo, ele não tem um serviço "para vender".
Mas minha intuição me fez insistir com ele:
AMV: Eu não estou procurando um empregado. Estou procurando um "empresário". Eu quero que você encare este desafio como a oportunidade da sua vida. Pois aqui você vai aprender a gerenciar um negócio. Você vai atuar como se fosse um prestador de serviços, porém interno. A palavra-chave é "DONO". Quero alguém com perfil de "DONO". Aqui você vai ter 15 equipamentos onde você vai fazer a gestão de fato, e não os 100 ou 150 que está acostumado, mas sem gestão alguma.
Timão, ainda incrédulo: Então eu vou ter autonomia para montar meu time?
AMV: Não só vai como deve ter. Escolha os melhores que você puder, pois espero de vocês uma frente que quebre todos os recordes de produtividade.
Timão: Dr., pode confiar. Vou fazer o meu melhor.
E Timão não perdeu tempo. Imediatamente saiu atrás dos melhores profissionais disponíveis que tinha em seu networking: operadores de máquinas, motoristas, mecânicos e um assistente administrativo muito experiente, tanto na burocracia interna da usina como também já havia atuado com muito êxito como controlador de tráfego e planejador logístico.
Começou a safra, e a frente do Timão, cumpriu o que se esperava dela. Rapidamente organizou-se de forma muito afinada e coordenada. Fiquei tão bem impressionado que a apelidei de "Dream Team" em alusão ao famoso time estadunidense de basquete, quase invencível. Enquanto as demais frentes de mesmo porte produziam uma quota diária de 2 mil toneladas, o "Dream Team" produzia 3.2 mil em média.
Mas o grande diferencial da frente do Timão não estava nos equipamentos, nas áreas planejadas ou nas pessoas como "virtuosi" individuais. Estava na liderança e no senso de equipe.
Fiquei emocionado quando cheguei em uma visita na frente para comemorar o ganho integral dos bônus por produção, logo após terem sido fechados os indicadores-chave de performance. Para minha surpresa, por iniciativa própria, todos os trabalhadores da frente utilizavam um boné com o logo da Usina e o logo que desenharam para si mesmos (incluindo aí um grito de guerra como aqueles que as tropas da elite militar possuem). Eles vibravam em cada caminhão carregado como se tivessem feito uma cesta de três pontos no basquete ou uma cortada indefensável no voleibol.
Por ter tido este sucesso na gestão de uma frente de trabalho, considero Timão o Telê Santana da colheita mecanizada. Parabéns Timão, e que a sua carreira cresça de "vento em popa"!