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Em Chamas



Ailton Reis

Ailton Reis e Carlos A. Lopes, Embrapa Hortaliças

A requeima do tomateiro, quando não controlada, ocasiona prejuízos imensos aos produtores

O tomate (Lycopersicon esculentum) é a segunda hortaliça no Brasil em área cultivada e a primeira em volume total produção, se considerarmos de ambos segmentos "estaqueado" e "para processamento industrial". Após sua introdução na Europa, esta hortaliça foi alvo de intenso melhoramento genético visando torná-la cada vez mais produtiva e com melhores caraterísticas visuais e organolépticas. Como conseqüência, tornou-se cada vez mais dependente do uso de agroquímicos como os fertilizantes, inseticidas e fungicidas, sendo hoje praticamente impossível a sua produção, em escala comercial, sem a utilização desses insumos.

Existem cerca de 200 doenças que afetam o tomateiro, causadas por fungos, bactérias, vírus, nematóides e fitoplasmas. Dentre estas, destaca-se a requeima, também conhecida como mela, que ocorre em quase todas as regiões onde a cultura é conduzida. Em condições favoráveis à doença, pode provocar perda total em poucos dias, se medidas preventivas de controle não forem adotadas. Como conseqüência, são feitas pulverizações freqüentes com fungicidas, resultando em aumento do custo de produção e exposição de aplicadores, de consumidores e do ambiente a produtos químicos de diferentes classes toxicológicas. Existem ainda os problemas indiretos ocasionados pela requeima, que são a restrição da produção de tomates em regiões muito favoráveis à doença devido aos altos custos de produção, e a retirada precoce de determinados fungicidas do mercado devido ao desenvolvimento de populações do patógeno resistentes aos mesmos.

AGENTE CAUSADOR

A requeima do tomateiro, que também afeta a cultura da batata, é causada por Phytophthora infestans, fungo oomiceto que produz esporângios hialinos, papilados em forma de limão, produzidos em períodos de alta umidade relativa (acima de 90%) e temperaturas entre 18 a 22 oC. Estes esporângios podem germinar diretamente em temperaturas acima de 18oC (temperatura ótima de 22 e 25oC) ou produzir zoósporos biflagelados, geralmente oito por esporângio, sob temperaturas mais baixas (temperatura ótima de 12oC). Portanto, em localidades e épocas de cultivo com clima ameno, a quantidade de inóculo é muito maior e, por isso, as epidemias normalmente são mais severas. A germinação direta dos esporângios em temperaturas relativamente altas, desde que haja temperaturas noturnas em torno de 22 °C, explica a ocorrência de surtos de requeima mesmo em regiões quentes, consideradas de baixo risco para a doença, como no Norte e Nordeste do Brasil. A disseminação do patógeno é feita principalmente através do vento, mas pode ocorrer através de insetos, chuva e mudas contaminadas.

Phytophthora infestans é um organismo heterotálico, ou seja, possui dois grupos de compatibilidade (A1 e A2). Para ocorrer a reprodução sexuada é preciso haver o cruzamento de isolados A1 e A2. A ocorrência de isolados dos dois grupos em uma mesma região, na mesma cultura, possibilita o surgimento de recombinantes, que podem apresentar características superiores de adaptabilidade, tais como maior agressividade e resistência a fungicidas, principalmente os sistêmicos, dificultando o controle da doença. Além disso, os oósporos, que são produzidos a partir de reprodução sexuada, são capazes de sobreviver no solo na ausência de uma planta hospedeira viva, constituindo-se em outro tipo de inóculo inicial, com papel importante na epidemiologia da doença por contribuir para o início antecipado da epidemia no campo.

Em estudos realizados há aproximadamente 15 anos, foi constatada a presença de isolados de ambos os grupos de compatibilidade de P. infestans no Brasil. Associados à cultura do tomate, só foram encontrados isolados do grupo A1, enquanto que os isolados de batata pertenciam ao grupo A2. Estudos mais recentes revelaram que, apesar de haver uma pequena possibilidade de ocorrerem os dois grupos em uma mesma lavoura, a população do patógeno continua apresentando somente duas linhagens clonais, altamente especializadas por seus hospedeiros e, por isso, não há evidências de que esteja havendo reprodução sexuada.

Phytophthora infestans apresenta um grande número de raças fisiológicas tanto dentro do grupo A1 quanto no grupo A2 e estas raças são, geralmente, muito complexas. Isto significa que o uso de cultivares com alta resistência à doença, do tipo resistência vertical, é muito difícil, tanto para tomate como para batata, pois o aparecimento de novas raças do patógeno resulta na "quebra" da resistência da planta.

SINTOMAS DA REQUEIMA

A requeima afeta todos os órgãos aéreos do tomateiro. Enquanto a pinta-preta (Alternaria solani) ataca com mais intensidade as folhas mais velhas, a requeima geralmente é mais notada na metade superior da planta. Os sintomas mais típicos da doença são observados nas folhas e iniciam-se com uma lesão aquosa que cresce rapidamente, fica necrosada e com as bordas de um verde mais claro que o dos tecidos sadios. Sob condições de alta umidade, na face inferior das lesões, surge um mofo esbranquiçado, formado por esporangióforos e esporângios do patógeno. A esporulação do fungo é mais freqüente nas bordas das lesões, onde se encontra o tecido afetado, porém ainda não morto. Quando o ataque é severo, pode haver coalescência das lesões, com a destruição rápida da folhagem, dando a ela um aspecto de que foi queimada por geada, daí o nome de "requeima".

Os sintomas aparecem também no caule, no pecíolo e no ráquis, caracterizando-se por lesões escuras, geralmente superficiais, quebradiças, que podem resultar em morte da porção acima das mesmas.

Nos frutos, o sintoma típico é o desenvolvimento de uma podridão dura, de cor marrom a pardo-escura, que pode cobrir parte ou toda a sua superfície, sem entretanto causar sua queda. Este sintoma é mais evidente quando o fruto é atacado ainda verde. Com o tempo, os frutos infectados podem se tornar amolecidos devido à contaminação com microorganismos oportunistas.

CICLO DA DOENÇA E EPIDEMIOLOGIA

No Brasil, ainda não se sabe com precisão como se dá a sobrevivência de P. infestans de uma estação de cultivo para outra. Como aqui é possível se ter plantas de tomate e/ou batata vegetando o ano todo, especula-se que a sobrevivência se dê em plantas voluntárias (resteva, soqueira) ou em lavouras plantadas em sucessão. Há ainda a possibilidade de o patógeno sobreviver infectando outras hospedeiras, principalmente da família Solanaceae, embora este fato não tenha sido relatado no nosso país. Na batata, P. infestans pode ainda sobreviver em tubérculos, que podem servir de fontes de inóculo primário no início da estação de cultivo. No tomate, há relatos de sobrevivência do patógeno em sementes, embora esta possibilidade seja pouco provável nos sistemas de produção comercial adotados pelas empresas de sementes.

Noites frescas (16-20o C) e dias mornos (23-27o C) são ideais para o desenvolvimento da requeima. Além da temperatura, a umidade é outro fator condicionante para a infeção e esporulação do patógeno. Os esporângios são produzidos sob condições de umidade relativa de 91 a 100%. O vento é a principal via de disseminação de inóculo (esporângios) do patógeno. Estes podem germinar diretamente e iniciar a infeção ou, sob condições de temperaturas abaixo de 16o C, podem germinar de maneira indireta, dando origem aos zoósporos. Se houver água livre sobre o órgão afetado, os zoósporos podem se deslocar com ajuda de flagelos, e iniciar vários pontos de infeção, multiplicando o número de lesões em uma única folha ou em outro órgão. Em condições ambientais favoráveis, o patógeno pode completar um ciclo de infeção em 4 a 5 dias. As temperaturas acima de 30o C são desfavoráveis para a requeima; entretanto, o patógeno pode continuar vivo nas lesões e, quando as condições voltarem a ser favoráveis, o patógeno poderá reiniciar seus ciclos de infecção.

CONTROLE DA REQUEIMA

Uma vez que as epidemias de requeima são muito destrutivas e não existem alternativas eficientes para o seu controle, como através de cultivares resistentes, o controle da doença é altamente dependente do uso de fungicidas, que podem ser protetores ou sistêmicos (Tabela 1). Deve ser ressaltado que, quando produtos químicos são usados, as doses, períodos de carência e outras informações do fabricante, constantes no rótulo do produto, devem ser seguidas à risca. É importante que o produto certo seja aplicado na hora correta para evitar desperdícios, que resultam em alto custo de produção, e contaminação ambiental. Para isso, um especialista deve ser consultado antes que a doença ocorra. Após o aparecimento dos sintomas, normalmente o controle não é mais eficiente, mesmo com a aplicação de pesadas doses de fungicidas.

É comum encontrar produtores de tomate que realizam até 30 pulverizações para o controle da requeima. De acordo com estudos realizados na Universidade Federal de Viçosa nos últimos dez anos, com aplicações semanais de fungicidas, seriam feitas 15 pulverizações, considerado ainda um número alto, durante um ciclo de 100 dias do tomateiro. Se fossem usados sistemas de previsão das doença, seriam necessárias apenas de 2 a 4 pulverizações com fungicidas sistêmicos, combinadas com 6 a 8 aplicações de fungicidas protetores.

Através de sistemas de previsão da requeima, pode-se identificar os períodos em que pulverizações são necessárias, ou seja, eles auxiliam na tomada de decisão de quando se deve pulverizar.

Algumas medidas preventivas devem ser levadas em consideração visando à redução da necessidade do uso intensivo de fungicidas, tais como:

· Não plantar em regiões sujeitas a ocorrência e permanência de neblina por longos períodos;

· Não plantar em locais baixos, sombreados ou próximos a reservatórios de água;

· Preferir sementes produzidas por firmas idôneas e mudas produzidas por especialistas;

· Quando produzir a própria semente, nunca usar sementes de frutos infectados e tratá-las com fungicidas sistêmicos;

· Não plantar nas proximidades de culturas velhas de tomate;

· Usar espaçamentos e conduções de plantas que possibilitem uma maior ventilação da folhagem;

· Destruir os restos de cultura logo após a última colheita.

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