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Desenvolvimento Sustentável e a Agricultura Itinerante


Newton de Lucena Costa

A agropecuária atravessa uma fase de transição, como conseqüência dos processos de globalização da economia mundial, na qual os impactos ambientais e a ineficiência econômica terão que ser amplamente substituídos por sistemas produtivos mais sustentáveis. Contudo, a agricultura itinerante ou migratória, atualmente, está sendo realizada em cerca de 30% dos solos agriculturáveis do planeta e proporciona a subsistência para uma população estimada em mais de 250 milhões de pessoas, notadamente aquelas dos países mais pobres. Na região amazônica, a agricultura itinerante permanece ainda como um dos sistemas de uso da terra mais importante, tanto sob o ponto de vista econômico - responsável por pelo menos, 80% da produção de alimento total da região - como também pela quantidade de pessoas que dela dependem direta ou indiretamente. É um sistema tradicional de agricultura desenvolvida e praticada em quase toda a região por, pelo menos, 600 mil pequenos agricultores, produzindo principalmente, feijão, mandioca, arroz, milho, malva, juta, frutas, algodão entre outros produtos. Grandes áreas de florestas na Amazônia tem sido desmatadas para a prática da agricultura migratória. Estudos realizados pela Embrapa Amazônia Oriental demonstram que, apesar das pequenas áreas individuais usadas na prática desta atividade (entre 10 e 50 ha), os 600 mil produtores, cultivando em média 2 ha por dois anos consecutivos, e deixando esses 2 ha em pousio por cerca de 10 anos, provavelmente tenham provocado no mínimo o desmatamento de 1/5 do total desmatado na Amazônia, num processo que pode ser chamado de desmatamento silencioso .

A agricultura itinerante tem como fundamento a reciclagem de nutrientes. As queimadas liberam para o solo, cerca da metade do nitrogênio e do fósforo da biomassa incinerada e, praticamente todos os demais nutrientes sob a forma de cinzas. As altas temperaturas, predominantes nos trópicos e a alta umidade, aceleram todos os processos de decomposição da biomassa vegetal. Os nutrientes removidos através da colheita, além das perdas decorrentes da lixiviação e dos processos erosivos do solo, resultam na diminuição da fertilidade inicial do solo. Neste caso, as deficiências de nutrientes e o aumento significativo das plantas invasoras inviabilizam novos cultivos, sendo as áreas abandonadas ou deixadas em pousio para o surgimento da vegetação secundária – as capoeiras.

A sustentabilidade ambiental e a viabilidade técnico-econômica-social da agricultura itinerante são pouco consistentes e, consequentemente, não asseguram as bases fundamentais para o processo de consolidação e expansão do desenvolvimento rural. Apesar da sua importância na economia regional, sua expansão tende a declinar, com a diminuição da expansão da fronteira agrícola devido às restrições aos desmatamentos, ao processo de consolidação dos pólos de desenvolvimento, e com o aumento da densidade demográfica e o conseqüente aumento de demanda por alimento e da elevação de preços da terra. Nessas circunstâncias, os longos períodos de pousio - a condição necessária para a manutenção da sustentabilidade agronômica do sistema - já não serão mais tão estáveis como antes e, à longo prazo, a agricultura migratória será substituída por sistemas de uso da terra mais intensivos.

Neste contexto, a pesquisa agropecuária surge como fator de grande importância na disponibilização e geração de alternativas tecnológicas que viabilizem o desenvolvimento sustentável, com a distribuição eqüitativa dos custos e benefícios entre as populações envolvidas. O conceito de sustentabilidade pode ser incorporado no processo de pesquisa como critério de avaliação das tecnologias geradas/ou adaptadas, e na elaboração de projetos. Para tanto, a política de pesquisa deve contemplar a avaliação e o monitoramento dos recursos naturais; a conservação dos recursos genéticos e a biodiversidade em áreas prioritárias, além da geração de tecnologias adequadas com vistas a prevenir os impactos decorrentes das atividades agrícolas. Para a Embrapa, os esforços devem ser canalizados para aquelas atividades que priorizem: zoneamento agroecológico, através de simulação e modelagem para a previsão do desempenho dos sistemas agropecuários; práticas de proteção e conservação de solos; melhoramento genético de variedades e clones resistentes às pragas e doenças; sistemas agroflorestais sustentáveis; exploração de florestas nativas de rendimento sustentável; promoção de alternativas para a diversificação agropecuária e florestal; cultivos múltiplos, intercalares e rotação de culturas; controle biológico de pragas e doenças; aumento do tempo de utilização das áreas desmatadas; recuperação de pastagens e de outras áreas degradadas; domesticação dos recursos genéticos atuais e potenciais; avaliação biológica e química das espécies amazônicas; seleção de espécies florestais para a produção de carvão vegetal; melhoria do rendimento do extrativismo; desenvolvimento da agricultura em várzeas e avaliação dos impactos ambientais decorrentes de projetos de investimento na Amazônia.

Newton de Lucena Costa - Chefe Geral da Embrapa Amapá 

 

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