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Coronéis e Barões



Francisco Graziano Neto

Como era a agricultura do Brasil em 1808? Há 200 anos, quando aqui aportou a família Real, capengava a mineração. A economia colonial deslocava seu eixo dinâmico, do Nordeste, para o Centro-Sul. Um processo de renascimento agrícola.
Assim o denominou Caio Prado Jr, economista e grande historiador. As primeiras descobertas de ouro em Minas Gerais se fizeram em 1696. Até então, predominara a economia açucareira do Nordeste. A fulgurante ascensão das minas, cujo auge ocorreu em 1750, amorteceu o latifúndio canavieiro.

Gigantesco foi o deslocamento da população rumo aos veios de Ouro Preto. Em poucas décadas, um quinto da população brasileira - 600 mil pessoas - povoa novo território. Junto, migra a mão-de-obra escrava. Nesse contexto, em 1763, a capital se transfere de Salvador para o Rio de Janeiro.

Mas o ciclo da mineração exigia comida, e isso despertou a produção local de alimentos. Começa assim a se formar a pequena agricultura, destinada ao mercado interno, espalhada do Sudeste ao Sul. Arroz, feijão, milho brotam nos campos mais próximos. Dos pampas gaúchos chega a carne charqueada. Animais de trabalho - cavalos, asininos e muares - se criam para garantir o sucesso no transporte das jazidas.

Passado o apogeu, a crise de instala no último quartel do século 18. Nesse mesmo período, a revolução industrial avança na Europa. Entre tantas novidades, uma descoberta é decisiva naquele momento da economia rural brasileira: a invenção, em 1787, do tear mecânico. A tecelagem da Inglaterra começa a demandar algodão. Sorte do Brasil.

Enfraquecido o mercado local, devido à decadência mineradora, surge excelente alternativa externa. Em pouco tempo, a cotonicultura se espalha, ocupando terras e braços desde o Maranhão até Porto Alegre. O boom do algodão, todavia, é curto. Quando Napoleão avança sobre a península ibérica, o mercado mundial já declinara, influenciado pela volumosa produção norte-americana.

Em resumo, na virada do século 18, o Brasil enfraquecera o coronel do sertão. Por sua vez, restavam esfaceladas as Intendências das Minas Gerais, ávidas por arrecadar a “quinta” do ouro. As “derramas”, que forçosamente arrecadavam tributos sobre a mineração, atritaram súditos com Coroa. Tiradentes acaba enforcado em 1792.

Ao adentrar o novo século, a Colônia conta 3 milhões de habitantes, um terço dos quais constituído de escravos. Sem pólo econômico dominante, espalham-se as atividades produtivas. A velha economia colonial cede às novas forças do desenvolvimento. Nesse momento D. João VI atraca no Rio de Janeiro, abrindo as cortinas da nova época.

Veja o caso da pecuária. Num primeiro momento, a criação tradicional, instalada no sertão nordestino durante o ciclo do açúcar, avançou para o vale do S. Francisco. Assenta-se na Bahia e, depois, ultrapassa o grande rio para ocupar o Piauí, transpõe o Parnaíba e invade o Maranhão. Mais tarde, porém, com a mineração, a pecuária se fortalece na capitania do Rio Grande. Caio Prado informa que, em 1793, as estâncias gaúchas venderam 13 mil arrobas de charque. Uma década após, o volume alcançara 600 mil arrobas. Um salto notável.

Essa fase de renascimento da agropecuária brasileira começa a questionar a escravidão. Do mundo exterior faísca um estímulo aos abolicionistas. A Inglaterra, em 1807, encerra o tráfico negreiro de suas colônias. Na diplomacia e nos mares, fortemente, os ingleses combatem o vil comércio de braços. Uma luz contra a escuridão.

Vai demorar, no Brasil, até chegar à abolição. Mas, isso é importante, nas entranhas da nova economia que surge, longe da antiga dominação nordestina, nascia, espalhado nas múltiplas atividades agropastoris, o germe da independência e da liberdade. Aqui entra o café.

A economia cafeeira será a grande sensação do século 18. Se quisesse, a família Real poderia tomar um cafezinho logo ao chegar. Afinal, a cultura que, dentro de pouco, iria comandar a economia nacional havia sido introduzida no país em 1727. Porém, embora cultivada alhures, não assumira valor comercial. A riqueza do café adormecia, latente, como que aguardando a decadência da mineração. A ruína do ouro liberou a energia do café.

Em 1796, no porto do Rio de Janeiro se exportaram, via Portugal, 8.495 arrobas da apreciada bebida. Tal quantidade subira para 82.245 arrobas em 1806. Daí pra frente o crescimento foi extraordinário. Nas circunvizinhanças do Rio de Janeiro os cafeeiros encontraram boa situação de cultivo. Barões do café substituem coronéis do açúcar.

Em 1815, quando o duque de Wellington derrota Napoleão na famosa batalha de Waterloo, as matas nativas da Tijuca estavam dizimadas. Esgotados os morros cariocas, pelo Vale do Paraíba os cafezais seguiram sua marcha vitoriosa. Em 1822, no grito da Independência, a província de São Paulo já lidera a produção. Cresce a nova burguesia paulista, associada aos negócios do café.

Era, todavia, apenas o começo de um grande ciclo econômico, bem testemunhado por D Pedro II. O príncipe regente cresce acompanhando a “onda verde”, que do Paraíba segue para Campinas, desbrava as terras roxas e ruma para Ribeirão Preto, capital mundial do “ouro verde” no final do século 19. Cafezais na frente, ferrovia atrás. Com o porto de Santos, São Paulo assume a locomotiva do país.

A História, vista à distância, parece fácil. A família Real, certamente, não tinha idéia desses acontecimentos. Nunca ninguém relatou, sequer, se apreciavam café.

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