Atualmente, a comunidade científica reconhece que as populações locais, também denominadas populações tradicionais, possuem os conhecimentos e as respostas necessárias à sua sobrevivência no meio em que vivem. Seguindo essa linha de pensamento, resgatamos a apresentação que os pesquisadores J. Ford (Oregon State University) e D. Martinez (Indigenous Peoples Restoration Network of the Society for Ecologial Restoration), ambos dos Estados Unidos, fizeram para uma seção de trabalhos sobre “Conhecimento Ecológico Tradicional” (CET), para a edição de outubro de 2000 da prestigiada revista Ecological Applications da Sociedade Americana de Ecologia.
De acordo com esses pesquisadores, com o aumento da velocidade das mudanças ecológicas, cresce também a necessidade de informação básica para direcionar as atividades de conservação e recuperação ambiental. No entanto, freqüentemente, as informações são escassas. Contudo, existe uma fonte complementar de conhecimentos sobre os ecossistemas, mantida pelas populações humanas, cujas vidas encontram-se entrelaçadas de maneira complexa a algumas regiões particulares. Esse é um conhecimento muito rico, acumulado ao longo de muitas gerações, através da observação e das adaptações culturais dessas populações, num contexto de modificações ecológicas de longa duração.
Ford e Martinez lembram que a linguagem do Conhecimento Ecológico Tradicional não é a mesma do discurso científico. A compreensão mútua requer o respeito mútuo e um investimento de tempo e disposição, por parte dos cientistas, em aceitar que esse conhecimento é embasado na moral, na ética e numa visão espiritual do mundo. É um erro de percepção avaliar que, por causa desse embasamento, o Conhecimento Ecológico Tradicional seja algo místico ou fora de contato com a realidade. Pelo contrário, ele é eminentemente prático. Longe de ser um corpo estático de conhecimentos, ele deve ser altamente adaptativo para servir às necessidades das populações humanas, através de longos períodos de tempo.
Entre as populações locais de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul destacam-se os pescadores profissionais-artesanais do Pantanal. Eles são detentores de um conhecimento empírico extraordinário sobre a ecologia da região, que vem sendo acumulado e transmitido de pai para filho por muitas gerações. Os pescadores identificam cardumes e seus deslocamentos observando a superfície das águas; conhecem o habitat, horário ideal, época do ano, método e isca específicos para capturar as diferentes espécies de peixes; fabricam os próprios instrumentos de pesca, tais como canoas, tarrafas e anzóis; levantam acampamentos aproveitando os recursos locais; utilizam várias plantas nativas para remédios e aproveitam suas fibras; conhecem as propriedades de muitas madeiras para diversas finalidades e os hábitos de vários componentes da fauna da região, além de possuírem um acurado senso de orientação, deslocando-se com facilidade num ambiente que poderia ser um labirinto para as pessoas acostumadas às áreas urbanas. Em suma, os pescadores profissionais-artesanais são os detentores de um saber tradicional que deve ser amplamente considerado nas decisões relacionadas ao manejo da pesca no Pantanal. Além disso, esse saber lhes confere um modo particular de vida e visão de mundo, que devem ser encarados como um verdadeiro patrimônio cultural da Nação, que seria inevitavelmente perdido com a interrupção dessa atividade.
Como complemento a estas reflexões, retomo as palavras de Ford & Martinez: “acreditamos que, como uma comunidade de ecólogos que vive em um período de mudanças ecológicas sem precedentes, não podemos continuar em nosso trabalho solitário, dentro de nossas próprias tradições, (...) conservar as diversas opções, significa conservar a diversidade de maneiras de pensar sobre os problemas”. Em seguida, eles concluem e advertem: “por tudo isso, as populações locais precisam ser ouvidas e respeitadas em sua maneira própria de pensar, se realmente quisermos aprender a manejar o meio ambiente de modo sustentável”.