Os primeiros animais domésticos chegaram ao Brasil na época da colonização. Os animais trazidos da Europa não tinham especificação de raça, conceito desconhecido naquela época. Segundo historiadores, tratava-se de animais de pequena estatura e rústicos, para comerem pouco e sobreviverem durante o trajeto marítimo até a América.
Durante anos convivendo com as condições adversas do sertão nordestino, estes animais que aqui se estabeleceram adquiriram características de adaptação e resistência ao calor, essenciais para a sobrevivência. Assim sendo, tais animais formaram diversos grupos com características próprias, isolados geograficamente em seu habitat, dando origem aos ecotipos nordestinos. O desenvolvimento destas raças locais deu-se mais através do isolamento genético e da seleção natural do que pela intervenção do homem.
Desses animais, cinco ecotipos são citados: Moxotó, Marota, Canindé, Gurguéia e Repartida. Dentre esses grupos, talvez o mais tradicional seja a raça Moxotó, originária de Pernambuco, homologada em livro de registro como raça desde 1977. Segundo dados da literatura, são os tipos Repartida e Marota que se encontram em estado mais crítico de preservação. As características principais inerentes aos tipos naturalizados de caprinos são a rusticidade, a prolificidade e a alta qualidade do couro.
Nos últimos cinqüenta anos, o processo de modernização da atividade agropecuária foi fomentado por agencias de desenvolvimento regional que, utilizando enfoques reducionistas da realidade rural, apoiaram vários projetos oficiais visando incentivar de forma sistemática a importação de animais e material genético. Tais aplicações de recursos públicos aceleraram a erosão da biodiversidade caprina do Nordeste brasileiro.
Pesquisa - Pecuaristas que valorizaram a criação tradicional conservaram para o futuro animais ditos naturalizados, termo usado considerado que são descendentes dos tipos trazidos ao País na época da colonização. No mundo científico, grupos liderados pela FAO iniciaram o processo de monitoramento da biodiversidade agropecuária ao constatarem o avanço no processo de erosão genética. A razão para esse esforço de conservação na Europa é manter a flexibilidade para atender a mudanças de demanda do mercado e do sistema produtivo. No Brasil, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia lançou o que hoje se denomina RENARGEN (Rede Nacional de Recursos Genéticos), abraçando e gerenciando vários projetos preexistentes nas Unidades descentralizadas da Embrapa.
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A Embrapa Meio Norte iniciou o primeiro núcleo de conservação do Piauí em 1980, no município de Castelo do Piauí. Nessa base física a Unidade mantém 200 representantes de caprinos Marota, que podem representar o último grande rebanho desae ecotipo do Brasil. Em 2005, mais um núcleo foi incorporado ao patrimônio da Embrapa Meio-Norte. O rebanho Cabra Azul com 48 animais adultos constituíram o núcleo de conservação da Cabra Azul, ecotipo também fortemente ameaçado.
A reserva estratégica de tal patrimônio, repositório de genes inerentes a rusticidade e adaptação, pode garantir a sobrevivência da atividade para os pequenos agricultores familiares. A avaliação do genoma de animais autóctones, pela sua caracterização molecular, fornecerá informação necessária a programas de melhoramento genético no futuro, com grande utilidade para o pequeno e médio produtor rural da região, fornecendo-lhe carne, leite e pele sem a necessidade de grandes investimentos. Sendo assim, a Embrapa Meio Norte consolida-se como uma importante instituição de pesquisa na conservação de recursos genéticos, principalmente, para a pecuária sustentável do semi-árido.
Atualidades - Hoje, com uma visão mais sistêmica do meio rural do Nordeste, vislumbra-se prejuízos ecológicos e sociais da perda da diversidade de recursos genéticos. Os sistemas de produção tradicionais, ecológicos e no âmbito da agricultura familiar são grandes beneficiários dos recursos genéticos autóctone, agregando valor social e ambiental aos produtos originários dos caprinos naturalizados. A possibilidade de agregar valor ao caprino através de certificações de origem acenam com um futuro promissor para os ecotipos caprinos do Nordeste
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Curiosamente, observa-se um fluxo contínuo desse patrimônio genético para os rebanhos particulares. Os criadores do Nordeste começam a se mobilizar em associações de raças naturalizadas e algumas feiras e exposições desses animais começam a aparecer no cenário do agronegócio. O preço de mercado de bons animais naturalizados chega a ser competitivos com o das raças importadas já estabelecidos, como a Anglo-nubiana. Tal mudança pode ser favorável para retirar o recursos genético do perigo de extinção, pois a preservação privatizada “on farm” é uma estratégia de conservação muito eficiente e auto-sustentável.
Entretanto, o sistema de produção tradicional, quase absoluto em algumas áreas com restrições severas de acesso à água e alimentação, embora atingido pela onda de cruzamentos apregoadas por agentes de desenvolvimento, está longe de não depender de recursos genéticos autóctones. Ao contrário, começa a haver uma deterioração completa de sistemas de produção até então recomendáveis, porém insustentáveis na sua aplicação. Assim, as pesquisas na área de melhoramento genético precisam avançar rapidamente para contornar essa falsa teoria de que a incorporação maciça de recursos genéticos gerariam sistemas produtivos eficientes para o semi-árido. Estudos avaliando a eficiência (inclusive econômica) dos sistemas de produção sustentáveis, com recursos autóctones melhorados para o semi-árido, devem ser estimulados, como forma de garantir a sustentabilidade da produção e a conservação dos caprinos autóctones para todos.