Não é de hoje que, melhorar a espécie humana – não só fisicamente, mas também em seus aspectos morais e intelectuais – , tem sido objeto de preocupação de filósofos, de cientistas e de estadistas das mais diversas ideologias e correntes de pensamento. Três nomes, apenas para ilustrar: Platão, Francis Galton e Adolf Hitler. Na sua República, Platão descreve uma sociedade na qual se procura aperfeiçoar a humanidade, por processos seletivos. O estatístico vitoriano, Francis Galton, foi o criador da eugenia (conjunto de técnicas para melhorar geneticamente a espécie humana). E Adolf Hitler e os nazistas, pregando a superioridade da raça ariana, levaram de vez essas teorias e idéias ao descrédito, quando se valeram da eugenia para justificar a eliminação de judeus, negros e homossexuais.
Para entender Francis Galton e suas idéias expressas no livro Hereditary Genius (Gênio hereditário, Gênio herdado ou A hereditariedade do gênio; dependendo do tradutor), poucas coisas são necessárias: compreender o próprio Galton e seus conceitos de gênio e eminência, além de um conhecimento primário em estatística (distribuição normal de Laplace-Gauss).
Começando com Francis Galton: era filho de um grande banqueiro de Birmingham e primo-irmão de Charles Darwin. Nasceu em 1822 e morreu em 1911, no Reino Unido. Começou estudando Medicina, mas por problemas de saúde abandonou a carreira. Sua privilegiada situação econômica permitiu que viajasse muito e se dedicasse a escrever livros sobre múltiplos assuntos. Seus tratados sobre a África, por exemplo, foram premiados pela Sociedade Real de Geografia (em 1853). Também assinou obras nas áreas de fisiologia, antropologia, meteorologia, estatística e história da ciência. Ainda, foi o pioneiro nos métodos de identificação de pessoas por meio de impressões digitais. Seu livro mais famoso é o Hereditary Genius. A primeira edição saiu em 1869, merecendo resenha na revista Nature, de 17 de março de 1870, e a segunda edição, contando com um esclarecedor prefácio do próprio Galton, acabou publicada em 1892. Mesmo tendo sido escrita no século 19, Hereditary Genius, contrariando o senso-comum, é uma obra de leitura fácil e agradabilíssima.
Na concepção de Francis Galton, o gênio deve ser entendido como o mais elevado grau de capacidade mental criadora, caracterizando um indivíduo com extraordinária potência intelectual. Usou essa palavra para expressar uma habilidade extremamente elevada e ao mesmo tempo natural. A posição de eminência, significando reputação elevada em uma dada profissão, na visão de Galton, é uma decorrência da superioridade do gênio em relação aos seus pares.
O que Galton procurou provar com o seu Hereditary Genius era que genialidade e eminência são transmitidas por herança. Para testar a sua hipótese, ele analisou famílias de notáveis, nas mais diversas áreas do conhecimento (direito, letras, ciência, música, política, pintura, etc.), relacionando os graus de eminência e de parentesco entre indivíduos. Acabou encontrando que a freqüência do destaque de eminência declina com a mudança no grau de parentesco, entre os indivíduos analisados. Qualquer coisa tipo: filho de peixe peixinho é. Ou: a fruta não cai muito longe do pé.
Com a eugenia, reservando a reprodução às pessoas selecionadas, Galton sugeriu a possibilidade de aprimoramento da espécie humana, por meio de cruzamentos genéticos premeditados. Não visava à criação de classes privilegiadas e sim a uma evolução positiva da humanidade em seu conjunto.
Não faltaram críticas às suas idéias. Começando pelos aspectos racistas e discriminatórios de uma proposta desse gênero. Seus maiores erros: (1) subestimar a influência do ambiente sobre as pessoas; e (2) tal qual seu primo Darwin, também ignorou as descobertas de Gregor Mendel, particularmente no que concerne à presença de genes nocivos, em portadores normais (heterozigotos) de genes recessivos.
A eugenia de Galton saiu de moda, surgindo, mais por questões de saúde do que propriamente para produzir gênios, os aconselhamentos genéticos da Medicina.
(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo e membro da Academia Passo-Fundense de Letras)