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Bolso cheio, bolso vazio


Nelson Pineda

Desde 2003, o Brasil é o maior exportador de carne bovina. Hoje, os produtores nacionais abastecem 30% do mercado mundial, uma marca considerável, mas que nos coloca diante de um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se encontra no topo quando o assunto são as vendas, com um faturamento de US$ 3,92 bilhões em 2006, o país vive uma série crise interna que reduziu os preços pagos aos produtores ao menor patamar nos últimos 50 anos.

A principal razão disso é a concentração de um número limitado de frigoríficos exportadores nas mãos de poucos empresários, que exercem pressão sobre o mercado interno para a redução do preço, enquanto lucram com a venda direta aos clientes estrangeiros, responsáveis pelo consumo de 21% da carne bovina produzida nos pastos do Brasil.

Para se ter idéia, apenas 18 frigoríficos respondem por 98% das exportações do país - os cinco maiores controlam 65% do mercado, sendo que dois deles abocanham 40% do total. As conseqüências dessa concentração são óbvias. Os frigoríficos fazem negócio com quem se enquadrar naquilo que eles pedem, mas vendem ao Exterior praticando o preço de mercado internacional. Em fevereiro, eles faturaram US$ 351 milhões, com o envio de 201,9 toneladas de equivalente de carcaça, 68,8% a mais do que em fevereiro de 2006. A comparação em torno do volume de carne também é suculenta: aumento de 54,7% nas exportações.

Outra vantagem é que os frigoríficos exportadores gozam de desoneração fiscal sobre impostos como PIS e Cofins, o que permite reduzir seus custos de produção, provocando distorções no mercado interno, deixando os frigoríficos não exportadores na insolvência e sem possibilidades também de melhorar o preço da arroba paga ao produtor. Como se não bastasse, a cada sinal de aumento de preço da arroba, os frigoríficos se mobilizam para pressionar os produtores na direção contrária.

Em agosto de 2005, a arroba paga ao produtor paulista pelo frigorífico voltado ao mercado externo era menor do que o valor recebido pelo frigorífico destinado ao mercado interno com a venda do equivalente físico - que corresponde ao traseiro, dianteiro e ponta de agulha sem considerar couro e vísceras.

Um mês depois, com o aumento dos preços pagos pela arroba, a situação se inverteu, provocando uma situação desfavorável aos exportadores, que agiram rapidamente pressionando os produtores a reduzir o preço da arroba, ao mesmo tempo em que vendiam o produto mais caro no Exterior. Esperávamos o pior, como aconteceu com os Estados Unidos após a confirmação de um único caso de vaca louca no final de 2004, com o fechamento dos seus dois grandes mercados, a Austrália e o Japão.

Ocorre que não é fácil substituir o produto brasileiro lá fora, sobretudo pelo volume de carne que o Brasil exporta, o preço baixo e a possibilidade de que qualquer estado substitua outro que não tiver condições de levar a produção adiante. No ano passado, o setor esperava que o valor pago pela arroba subisse, mas isso não ocorreu. Agora faltam bezerros no mercado de reposição e ainda não é possível confirmar uma virada do ciclo de queda, que gira em torno de sete anos. O problema é que quando se fala em alta nos preços, o mercado se agita e surgem boatos de focos de aftosa, embargos da Rússia e assim por adiante.

A liderança no mercado mundial surgiu graças a alguns fatores, como o aparecimento da doença da vaca louca na década passada, o redução do rebanho norte-americano, o alto custo de produção de carne bovina na Europa, a seca australiana e o registro de focos de febre aftosa na Argentina em 2000, o que também ocorreu recentemente por aqui.

O Brasil também acabou penalizado com algumas restrições por 56 países, sobretudo pela carne produzida em são Paulo, no Paraná, Mato Grosso do Sul. Os grandes frigoríficos, com plantas industriais em vários outros estados habilitados, continuaram exportando, com a vantagem de que subiu o preço da carne brasileira no exterior. Desta forma, a suposta retração das exportações não teve grande impacto para a indústria exportadora, mas criou o cenário ideal para baixar ainda mais o preço da arroba paga ao produtor.

Esperávamos o pior, como aconteceu com os Estados Unidos após a confirmação de um único caso de vaca louca no final de 2004, com o fechamento dos seus dois grandes mercados, a Austrália e o Japão.

O governo brasileiro precisa criar medidas urgentes para evitar que a nossa pecuária sofra prejuízos incalculáveis no ganho de produtividade que alcançou nos anos últimos anos. As políticas públicas devem corrigir essas distorções fiscais, que favorecem poucos, incluindo as carnes na cesta básica, e promover a desoneração de insumos. Também se deveria facilitar a entrada de grupos estrangeiros no mercado nacional de carne bovina para aumentar a concorrência no setor. A concentração de poder nas mãos dos frigoríficos exportadores coloca em risco um segmento estratégico da economia. E não contribui em nada para o desenvolvimento do setor.

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