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Biofungicida ou antisséptico? Ou seria gato por lebre?


Marcelo Hilário Figueira Garcia

BIOFUNGICIDA OU ANTISSÉPTICO?

OU SERIA GATO POR LEBRE?

 

Marcelo Hilário

Químico Responsável – Pesquisa e Desenvolvimento

Pesquisa e Desenvolvimento – SELL AGRO

 

“Passa água oxigenada nesse machucado para matar os micróbios!

Se não tiver, passa vinagre!”

Frases ouvidas com certeza por muitos que estão agora lendo esse texto.

A água oxigenada que compramos na farmácia é uma solução aquosa diluída de peróxido de hidrogênio. Sua ação antisséptica se deve à instabilidade da molécula do peróxido, que libera oxigênio matando grande parte das bactérias que poderiam causar infecções na lesão onde é aplicada. O borbulhamento que observamos se deve à uma enzima presente no sangue, a catalase, acelerar a liberação do oxigênio do peróxido.

O vinagre, por sua vez, é uma solução aquosa diluída de ácido acético, mundialmente utilizado no preparo de alimentos ou mesmo diretamente no consumo de saladas e vegetais in natura. Mas, além da sua utilização alimentar, o vinagre se popularizou como um verdadeiro aliado desde a remoção de manchas até a assepsia de feridas e machucados.

E por que iniciei meu texto de hoje falando sobre a química por trás destes dois produtos comerciais tão presentes em nosso dia-a-dia?

Porque a mistura em equilíbrio destes dois componentes, peróxido de hidrogênio e ácido acético, em água, dá origem ao ácido peracético.

Desde 1988, o ácido peracético tem sua utilização como desinfetante e esterilizante autorizada e regulamentada pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde. E com essa mesma função, este composto tem autorização pelo Ministério da Agricultura para utilização na agricultura orgânica, na sanitização de instalações e equipamentos utilizados na produção animal, assim como na desinfestação, higienização e controle de pragas de colméias.  Além disso, o ácido peracético também é autorizado para ser utilizado no controle de pragas e doenças, nos sistemas de produção orgânica, em formulações que não ultrapassem a concentração de 2% em ácido peracético, e em concentração final na calda que varia de 0,005% a 0,4% em tratamentos preventivos e curativos respectivamente.

O ácido peracético age através da oxidação dos componentes estruturais e funcionais dos microrganismos, com a liberação de oxigênio proveniente da molécula do peróxido de hidrogênio, inativando fungos, bactérias e demais microrganismos, com a vantagem de não deixar resíduos tóxicos para o solo e para as plantas.

Conforme mencionei acima, o ácido peracético tem aprovação como desinfetante para a agricultura orgânica, e para sua aplicação nas lavouras, somente em produtos cuja concentração deste componente não exceda 2,0%.

E por que somente em concentração tão baixa?

Porque estudos realizados para a utilização do ácido peracético como esterilizante indicaram que concentrações acima de 225 ppm deste composto causam fitotoxicidade em plantas e vegetais.

Mas se existe um lugar onde o jargão “Tente, invente, faça algo diferente” é usado muitas vezes de forma equivocada, esse lugar é o campo!

Pois bem.

Eis que nos últimos tempos surgiu um produto mágico com uma concentração de 15% de ácido peracético, sendo ofertado como a oitava maravilha do mundo pelas lavouras deste país afora: um BIOFUNGICIDA!

Oi? Como assim?

Biofungicidas são microrganismos que atuam diretamente nos patógenos que atacam as plantas, fazendo com que eles não consigam se desenvolver. São fungos e bactérias “do bem” que produzem metabólitos que tem ação sobre o fungo “do mal” que está atacando a planta. Em presença do ácido peracético, o que ocorrerá com esses microrganismos do bem? Morrerão, assim como todos os outros, afinal o ácido peracético é um esterilizante de amplo espectro, que não seleciona quem irá oxidar e inativar.

Hummmm....

Mas como está sendo usado essa “oitava maravilha” no campo?

  1. Dose recomendada para utilização no campo: 500 ml/ha
  2. Vazão de aplicação da calda: 50 L/ha

Em termos de ácido peracético:

  • Concentração de ácido peracético no produto: 15%
  • Concentração final de ácido peracético na calda: (15% x 500 mL/ha)/50L/ha = 0.15%

 

0,15% = 1500 ppm!

Seis vezes a concentração máxima para que o produto não cause fitotoxicidade nas plantas. Se a vazão de aplicação for menor, maior ainda essa concentração...

Então quer dizer que este produto “mágico” que não possui registro para a agricultura convencional como fungicida, seja químico ou biológico, está sendo aplicado numa concentração que causa fitotoxicidade? Mas por quê?

Talvez porque não haja trabalho suficiente no campo e estejam querendo fazer “algo diferente” só pra variar....

 

 

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