Carne de cavalo: o assunto é polêmico. O tema envolve religião, afeto e sentimentalismo, preferências de paladar, cultura e, principalmente, desconhecimento. Consenso, aparentemente, só há do ponto de vista nutricional. A carne de cavalo assemelha-se à carne bovina na aparência, sabor e composição. A cor, ligeiramente mais avermelhada que a do boi, nem sempre é notada pelo consumidor. Da mesma forma, o paladar, um pouco mais adocicado, pode passar despercebido. Muitos viajantes internacionais já consumiram carne de cavalo em países como França e Itália e nem sabem, pensam que consumiram carne bovina.
Do ponto de vista religioso e cultural, o grande marco na história do consumo de carne de cavalo nos remete à Idade Média. O avanço da popularidade das festas pagãs no norte europeu era motivo de preocupação para Igreja Católica. Como o consumo de carne de cavalo era um componente destas festas, o Papa Zacarias proibiu o consumo de carne de cavalo pelos cristãos em meados do século VIII. O preconceito e a restrição religiosa atravessaram séculos, sendo que somente no século XIX o consumo voltou à normalidade na Europa (as guerras contribuíram para o crescimento do consumo de carne de cavalo).
Hoje o cavalo é consumido
A principal utilização da carne de cavalo na Europa é na forma de embutidos. As qualidades da carne de cavalo permitem uma excelente liga em salames e mortadelas, inclusive dispensando produtos químicos que são utilizados quando os produtos são fabricados com outros tipos de carne.
No assunto embutidos, surge o primeiro mito brasileiro. De tempos em tempos surgem boatos que a mortadela nacional é feita com carne de cavalo. Alguns boatos vão mais longe: hamburgers produzidos em grandes redes de fast food também estariam sendo produzidos com cavalos. Mesmo não havendo restrição do ponto nutricional, estas histórias são falsas. A carne de cavalo produzida no Brasil destina-se ao mercado externo, sendo que o Brasil é dos principais produtores de carne de cavalo, abastecendo Europa e Ásia com este produto. É verdade que existem matadouros clandestinos, que abastecem pequemos açougues e chegam a produzir embutidos com carne de cavalo. Mas esta atividade ilegal, esporadicamente noticiada após apreensões policiais, ocorre em pequena escala, passando longe de restaurantes e mercados tradicionais.
Como dito, o Brasil é um grande produtor de carne de cavalo, com frigoríficos em atividade e outros sendo implantados. Relacionados aos frigoríficos, há um outro mito difundindo até mesmo entre pessoas mais esclarecidas: o sofrimento dos cavalos. Nada mais irreal que histórias sobre mortes violentas, cavalos que sagram até a morte da forma mais sádica possível. A realidade é outra, muito diferente (lógico que a referência é aos frigoríficos oficiais, legalizados). O abate do cavalo ocorre, como no caso dos bovinos, de forma indolor, com pistola de ar. Veterinários sérios fiscalizam os frigoríficos em tempo integral. Os frigoríficos são locais higiênicos e sem práticas que lembrem torturas.
Por fim, há o debate relacionado ao afeto depositado no animal de companhia. Muitos conhecem e utilizam o cavalo para esporte e lazer e criam laços afetivos. Estes podem ficar tranqüilos. Animais de companhia são bem tratados, recebem muitos cuidados veterinários, inclusive com a aplicação de medicamentos quando necessário. E estes medicamentos veterinários restringem a utilização da carne para consumo humano. Os cavalos abatidos em frigoríficos não são estes animais de companhia. São os cavalos de lida, de serviço, que encerrada a vida útil são descartados. Se não fossem os frigoríficos, o sofrimento destes animais abandonados seria muito grande. Carroceiros, pequenos pecuaristas e muitos outros proprietários de cavalo não têm espaço nem recursos financeiros para manutenção de animais improdutivos, restando o abandono e mal trato a estes animais.
Como dito logo no início desta coluna, o tema é polêmico. A expectativa deste curto texto é provocar algumas reflexões sobre a indústria de carne de cavalo, que é geradora de muitos empregos, renda e divisas por todo Brasil, mas também é, intencionalmente, de pouca visibilidade diante de lendas e histórias irreais divulgadas para gerar, invés de informação, apenas preconceito.