A Usucapião Rural e suas Peculiaridades

A Usucapião Rural e Suas Peculiaridades
O instituto da usucapião rural, também chamado de usucapião “pro labore”, é regulado em nosso ordenamento jurídico pelo Estatuto da Terra, pela Lei n° 6.969/81 e pela Constituição Federal de 1988, a qual buscando beneficiar a posse agrária a elevou a princípio constitucional.
Suas raízes históricas remontam à antigüidade, já tendo a "usucapio" sido preocupação dos gregos.
Constituindo-se em forma originária de aquisição de propriedade (razão pela qual isenta o pagamento de imposto de transmissão), é este instituto tema interessante a proprietários rurais no que diz respeito a posteiros, contratos de arrendamento, compra e venda de imóvel rural, assim como a questões atinentes a ações possessórias, principalmente sob o ponto de vista da proteção da propriedade.
Mais do que nunca cabe aos proprietários rurais buscar resguardar o que é seu, o que está cada vez mais está ameaçado conforme denota a conjuntura atual.
É sob este enfoque que torna-se válido, portanto, despender certa atenção a este instituto, o qual dentre tantas outras formas é capaz de intimidar o proprietário rural, posto que permite àquele que se encontra tão somente na posse de imóvel, invocá-lo com o intuito de tornar-se proprietário do mesmo.
O art. 191 de nossa Constituição Federal serve de fundamento a usucapião, visualizando-se ali suas características e requisitos, assim expostos:
a) o possuidor deve estar na posse mansa e pacífica de imóvel rural por 5 (cinco) anos ininterruptos e sem oposição, como se o imóvel fosse seu;
b) aquele que está na posse não pode ser proprietário de imóvel rural ou urbano;
c) a área deve ser exclusivamente rural e não superior a 50 (cinqüenta) hectares;
d) o possuidor deve ter tornado-a produtiva por seu trabalho ou de sua família e deve ter nela sua moradia;
e) imóveis públicos – terras devolutas - não podem ser usucapidos.
Relevante notar que só é possível alegar a seu favor usucapião especial rural se observadas estas condições, as quais por exigência legal, devem se fazer presentes.
Característica importante deste instituto é que para comprovar a posse sobre o imóvel, não se exige do possuidor a prova do justo título ou boa - fé, sendo requisito para tanto apenas que a posse seja ininterrupta, sem oposição e exercida com “animus domini”, isto é, com ânimo de dono – como se o possuidor dono fosse. Assim, pode-se dizer que afora os prazos*, esta é a diferença mais veemente entre os tipos de usucapião agrários.
*(enquanto na usucapião especial rural o prazo é de 5 anos, na usucapião extraordinário é de 20 anos e na ordinário, de 10 anos entre presentes e 15 anos entre ausentes).
Observe-se que a posse deve ser pessoal, não podendo ser transferida a outra pessoa, com exceção apenas da Sucessão Causa Mortis (posse adquirida pela sucessão causada pela morte).
No que tange à área passível de usucapião - 50 (cinqüenta) hectares - esta deve expressar a idéia de unicidade, o que equivale a dizer que deve ser contínua, proibindo-se a soma de áreas.
Vale notar que atualmente o módulo rural não mais serve como limite para usucapir área rural. Tal referência é importante na medida em que em zonas rurais onde o módulo rural alcança até 120 (cento e vinte) hectares, excepciona-se o Princípio da Indivisibilidade do imóvel rural, e se admite a usucapião rural.
Por outro lado, quando a área for inferior a 50 (cinqüenta) hectares e simultaneamente inferior ao módulo rural, o imóvel não poderá ser usucapido em observância ao Princípio acima referido. Já em situações em que a área for superior a 50 (cinqüenta) hectares, igualmente não poderá ser o imóvel objeto de usucapião, vez que deve ser respeitado o limite imposto pela Constituição Federal.
O processo legal da ação de usucapião especial rural segue o rito sumário, sendo mais célere que os processos de rito comum e além do mais, visa "a olhos nus" proteger esta forma de aquisição da propriedade e conseqüentemente, o possuidor, sendo que apenas se exige deste a prova dos requisitos de sua posse se estes forem contestados pelo(s) proprietário(s)!
Uma das particularidades da ação de usucapião especial rural com a qual deve-se tomar muito cuidado, é que uma vez instaurada a ação pelo possuidor, a este é garantida a proteção possessória integral, verdadeiro absurdo pois admite que qualquer ameaça ou esbulho, mesmo que praticada pelo proprietário, possa ser reparada no próprio processo da ação de usucapião (!), bastando apenas que o autor/possuidor comunique a prática destes atos atentatórios a sua posse no mesmo processo, independentemente do ajuizamento de outra medida ou outra ação.
Ora! Como pode o proprietário estar cometendo alguma ameaça ou esbulho em sua "própria propriedade"? Chega a ser redundante! É justamente neste ponto que reside o absurdo, já que é o proprietário quem está vendo sua propriedade ameaçada e esbulhada pelo possuidor e não o contrário!!!
Outra peculiaridade, com o que também deve-se ter muita cautela é a possibilidade de o possuidor alegar a usucapião como forma de defesa em Ação Possessória. Assim ocorrendo e havendo reconhecimento na sentença de que o réu/possuidor preencheu os requisitos necessários, esta decisão quando transitada em julgado, isto é, quando dela não exista mais recursos cabíveis, habilita o possuidor de título para transcrição da propriedade no Registro de Imóveis.
Neste caso deve-se cuidar para que o “feitiço não se volte contra o feiticeiro” pois a partir de uma ação proposta pelo proprietário buscando resguardar sua propriedade, a coisa pode inverter de tal forma que o possuidor poderá, uma vez atendidos os requisitos legais, obter sentença que o declare como proprietário.
Observe-se, outrossim, que em se tratando de arrendamento rural, não pode o arrendatário que não esteja em dia com suas obrigações, em Ação de Despejo opor exceção de usucapião da área arrendada ao mesmo tempo em que pretende depositar os aluguéis atrasados. Ao julgar caso idêntico a este, nosso Tribunal de Justiça entendeu o pedido como malicioso e decretou o despejo do arrendatário.
Isto porque entende-se que o arrendatário não possui o imóvel como seu, já que pelo arrendamento é paga uma certa quantia ao proprietário, que é quem continua responsável pelo pagamento do ITR e demais encargos, tendo-se portando bem definida a figura do proprietário. Evidencia-se claramente que o possuidor não age com ânimo de dono.
Naqueles casos em que o proprietário fornece moradia gratuita a outra pessoa, (como ex-funcionário, posteiros, etc. ) sugere-se assinar um contrato de comodato com a mesma a fim de tornar claro o caráter desta ocupação, a qual constitui-se num empréstimo, retirando do possuidor a possibilidade de invocar a usucapião posto que inexistente o "animus domini".
Pela mesma razão, a posse vintenária (20 anos – requisito da usucapião agrária extraordinária) sobre imóvel rural, decorrente de arrendamento e posterior comodato, não autoriza a concessão de usucapião.
De outra banda, num contrato de compra e venda de imóvel rural em que o proprietário/vendedor compromete-se a entregar o imóvel livre e desocupado de arrendatários e posseiros e a gleba vem a ser desfalcada de parte da área por ação de usucapião acolhida, intentada por posseiro, cabe ao vendedor indenizar os adquirentes pelo desfalque resultante.
Em ambos os exemplos, percebe-se que procede a usucapião porque esta se dá sobre gleba exclusivamente rural, com residência, trabalho e “animus domini” por mais de 5 (cinco) anos.
Com o presente artigo, pretendeu-se esclarecer algumas questões atinentes a usucapião rural e ao mesmo tempo alertar para os cuidados e resguardo que se deve ter com a propriedade, seja das ameaças propriamente ditas, seja das atitudes de má fé e fraudulentas daquele que de forma "fácil" e injusta e muitas vezes também através de manobras ardilosas, pretende para si imóvel de quem realmente proprietário é.
Quaisquer dúvidas e questões pertinentes acerca do presente assunto, bem como outras questões relacionadas a Direito Agrário poderão ser encaminhadas a nosso escritório com endereço à rua Mostardeiro, 157, conj. 807, Porto Alegre/RS, fone/fax: (51) 32 22. 2509 ou ao site Agrolink.
Fontes de pesquisa:
- Barros, Wellington Pacheco, Curso de Direito Agrário e Legislação Complementar, Ed. Livraria do Advogado;
- Luiz Pinto, Nélson, Ação de Usucapião, Ed. Revista dos Tribunais;
- Moraes Salles, José Carlos, Usucapião de Bens Imóveis e Móveis, Ed. Revista dos Tribunais;
- França, R. Limongi, Jurisprudência do Usucapião, Ed. Revista dos Tribunais;
- Apelação Cível n° 196210694 do TJRS;
- Apelação Cível n° 586047557 do TJRS;
- Apelação Cível n° 185009487 do TJRS;
- Apelação Cível n° 584008627 do TJRS;
- Apelação Cível n° 58304450 do TJRS.