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A cabra Nambi



Adriana  Mello de  Araújo

Nas grandes regiões mundiais de semi-árido, a produção de alimento é uma atividade difícil e restrita ao acesso à água ao longo do ano. A pecuária de pequenos ruminantes assume um caráter de social importante para a população destas áreas, garantindo oferta de carne para consumo e renda ao longo do ano. Na região Semi-Árida do Piauí, é comum encontrar rebanhos de caprinos e ovinos nômades, que são criados secularmente sem intervenção tecnológica, mas de uma maneira extremamente sustentável na caatinga.

Neste cenário tradicional, os produtores de caprinos tem mostrado um interesse especial por animais que nascem com uma característica marcante: orelhas pequenas, quase rudimentares. O nome dado a cabras com orelhas de tamanho reduzido no Brasil é "Nambi", que significa orelha, na língua tupi-guarani.

Segundo a sabedoria popular, tais animais se destacam do restante do rebanho misto de cabras comuns (SRD) devido a sua vivacidade, rusticidade e maior peso. Segundo observações colhidas de depoimentos destes produtores, a cabra Nambi possui acesso facilitado a alimentos espinhosos típicos da caatinga, são presas mais difíceis (a orelha seria pega durante o bote de predadores, principalmente cachorros) e sua docilidade pode estar associada a uma perda auditiva. Tais explicações necessitam ainda serem validadas pela pesquisa, mas o rebanho Nambi tem animado os produtores e crescido assustadoramente no Estado. A orelha reduzida das cabras tem comprimento de cerca de dois centímetros, sendo o tamanho normal de 12 cm na Moxotó, 13 na Canindé e 22 cm em média nas cabras tidas como 'de orelhas longas' dentre as sem raça definida do Ceará (MACHADO, 1995).

A redução no tamanho das orelhas das cabras é devido a gene autossômico de dominância incompleta. Isto quer dizer, o indivíduo heterozigoto tem orelhas de tamanho intermediário. O locus é denominado '/ear lenght'/ ou 'EL' e os seus alelos '/Reduced/' e '/wild'/', representados por 'R' e '+', respectivamente (COGNOSAG, 1986).

As orelhas reduzidas são também o principal traço de identificação da raça caprina 'Lamancha'; formada no Texas, EUA, a partir de cabras espanholas introduzidas através do México. Ocorreu no Brasil uma única introdução de dois machos e duas fêmeas Lamancha, em 1986, no estado da Bahia vindas do Canadá (MACHADO, 1995), introdução esta posterior a notificação de presença deste caráter nas cabras brasileiras (CAPRILEITE, 1979). Portanto, a presença de orelhas reduzidas nas cabras brasileiras sem raça definida não deve ser atribuída, obrigatoriamente, como oriunda da raça Lamancha, pois as orelhas reduzidas também aparecem em populações caprinas da Ásia Central, da Europa e da África.

Levantamento científico realizado em 1991 no Ceará não revelou a presença deste caráter (MACHADO et al., 2000) e levantamento realizado junto a técnicos da caprinocultura brasileira no início dos anos 1990 mostrou que eles conheciam apenas indivíduos, mas não rebanhos inteiros assim caracterizados (MACHADO, 1995). Posteriormente, houve agrupamento de animais 'Nambi', na tentativa de fixação do caráter como raça e dois destes rebanhos foram identificados em levantamento realizado entre outubro de 1999 e setembro de 2000, um na Mesorregião Centro-Norte piauiense, e outro Mesorregião da Borborema, na Paraíba, somando 55 cabeças (MACHADO & MACHADO, 2000).

A Nambi do Brasil, como raça em formação, pode ainda não diferir geneticamente da cabra SRD. Seu futuro enquanto raça depende do aumento do tamanho da população, da caracterização genética e de adquirir ou denotar uma aptidão produtiva peculiar. Para isto, a pesquisa está se unindo à sabedoria popular. Os parceiros neste trabalho são o professor José Elivalto Guimarães, da Universidade Federal do Piauí; e a professora Thea Machado, da Universidade Federal de Viçosa.

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