Soja 2004 – 2010
Décio Luiz Gazzoni
Recentemente, o Sindicato Rural de Londrina recebeu a visita de um sojicultor de Minnesotta (EUA). Durante a discussão o agrônomo e agricultor Wilson Pan perguntou ao colega americano: por que a produtividade da soja brasileira aumentou em mais de 80%, nos últimos 15 anos, enquanto a americana se manteve estável? Impulsivamente, respondi antes do americano: Porque no Brasil temos o Dr. Romeu Kiihl!
Vantagens comparativas
A minha intromissão impulsiva sintetizou o diferencial competitivo conferido ao agronegócio da soja, devido aos avanços tecnológicos do setor. Agregue-se, também, a capacidade empresarial do agricultor brasileiro, a escala de produção, a adequação das condições edafo-climáticas e a disponibilidade de terra. A pergunta feita, com insistência, é: até onde a produção de soja no Brasil deve crescer? Na minha opinião, a pergunta está mal formulada, devendo-se inquirir: qual será a taxa de expansão mundial do consumo de soja, no futuro previsível, e como o Brasil se adequará a ela?
Vetores
Do meu ponto de observação, entendo que a demanda de soja será influenciada por fatores clássicos como o aumento populacional e o incremento da renda per capita. Entretanto, devemos atentar para alguns estímulos peculiares, como o aumento expressivo da renda na Ásia, em especial na China, tradicional consumidora de soja para alimentação humana. Esse mesmo país também impulsionará a demanda, em virtude do aumento de consumo de carnes, das quais a soja é um insumo essencial.
Saúde
A demanda crescente por alimentos funcionais e protéicos, notadamente em países de alta renda, reforçará a manutenção das taxas de expansão do consumo de soja. A descoberta de substâncias com ação terapêutica coloca a soja como modelo entre os alimentos funcionais, o que confere sustentabilidade ao seu consumo continuado. A soja orgânica, ainda um nicho comercial envergonhado, deverá crescer a altas taxas, em virtude da necessidade de atender a uma classe de consumidores que busca fugir do padrão comercial, hoje representado pela soja transgênica resistente a um herbicida.
Preços
A correia que transmite a indução da demanda para a oferta, fazendo com que a curva de crescimento das duas assuma contornos assemelhados sobre o diferencial do tempo, é o preço. Quanto mais atrativo for o preço, maior a indução da expansão da oferta, podendo, inclusive, superar a demanda conjuntural. É importante, também, considerar o efeito de uma variável que modula o preço, acessoriamente à relação oferta/demanda, que é o estoque de passagem. Lato sensu, o estoque não deixa de ser uma forma de oferta do produto, um sinal ao mercado dizendo: “não suba muito o preço porque a oferta sazonal pode ser modificada pela mobilização dos estoques”. Entendo que o preço da soja sempre vai guardar uma relação estreita com a proporção entre o estoque de passagem e o consumo global. Quando essa relação cresce o preço desce e vice-versa.
Considerandos
O agricultor é um ser racional e o sojicultor brasileiro médio é um profissional com elevada habilidade de gestão comercial. Eventualmente, em períodos de entusiasmo excessivo, alguns sinais de curto prazo, emitidos pelo mercado, poderão não ser percebidos adequadamente e a oferta pode superar a demanda pontual, até pelo efeito inércia, ou seja, a necessidade de um sinal claro para frear o crescimento da oferta, o que é uma das funções do preço. Entretanto, projetando o médio prazo, para produtos globalizados e com formação de preços transparente, como a soja, creio piamente que a curva da oferta seguirá muito próxima à da demanda, com eventuais dissonâncias claramente localizadas em algumas safras específicas.
Resposta
Logo, a resposta à pergunta lá do início é: o consumo mundial de soja deve manter um crescimento positivo, no futuro previsível. E a produção brasileira de soja crescerá acompanhando a demanda mundial, possivelmente a taxas superiores ao crescimento global, porque o Brasil é o país que dispõe de vantagens competitivas importantes, o que nos permite apropriar a maior parcela da necessidade de crescimento da oferta de soja no mundo. Embora dúvidas não me assaltem de que, no curto prazo, o Brasil será o maior produtor mundial de soja, esse fato não deve ser tomado como ufanismo e transformado em objetivo que obnubile a percepção dos sinais do mercado, os quais devem modular a taxa de crescimento da nossa produção.
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br