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Soja, o fenômeno brasileiro


Amélio Dall’Agnol

O Fenômeno Brasileiro não é o Ronaldinho; é a soja. Ela fez por este País muito mais do que o penta campeão da bola. Em menos de meio século, a soja passou de uma cultura marginal de pequenos produtores do interior gaúcho, para a principal lavoura do País. Originária da China, a soja foi introduzida no Brasil em 1882 e setenta anos depois converteu-se num verdadeiro negócio da China para o Brasil. Em 2003, ela respondeu pelo ingresso direto de US$ 8,4 bilhões ou 12% de tudo o que o Brasil exportou. Mas, mais importante do que os ingressos diretos provenientes das exportações, são os benefícios indiretos derivados da sua extensa cadeia produtiva, que inclui a indústria de máquinas e insumos, antes da porteira e o complexo agroindustrial de transporte, armazenamento e processamento, depois da porteira. O valor monetário desses benefícios indiretos, representados, principalmente, por empregos no campo e na cidade, é várias vezes maior que o montante auferido pelas exportações.

A soja ponteia soberana no horizonte do agronegócio nacional. Ela ocupa, no Brasil Moderno, o lugar que já foi da cana de açúcar, no Brasil Colônia e do café, no Brasil Império/República. Um, de cada quatro dólares exportados pelo complexo agroindustrial brasileiro provem da soja, que promete exportar ainda mais em 2004: US$ 10,8 bilhões ou 14,2% do total a ser exportado pelo País. A expectativa de plantio para 2004/05 é superior a 23 milhões de hectares e a colheita estimada, de 65 milhões de toneladas; 30% maior que as 50 milhões de toneladas colhidas em 2004, que resultou prejudicada em 20% pela Ferrugem Asiática na Região Centro Oeste e pela estiagem na Região Sul.

Atualmente a soja comanda o espetáculo das exportações brasileiras, assim como a cana e o café comandaram em distintos períodos dos séculos 17 a 20. Tudo indica que a hegemonia da soja, no contexto do complexo agroindustrial brasileiro, permanecerá inalterada por muitos e muitos anos, de vez que o Brasil é a grande promessa de oferta mundial dessa oleaginosa, visto possuir imensas reservas de terras selvagens, aptas e disponíveis para a sua produção. Apenas no ecossistema do Cerrado dispomos de área superior a 50 milhões de hectares de terras com tais características e com potencial para uma imediata incorporação ao processo produtivo da soja, quando e se o mercado o demandar. E o mercado está francamente comprador, de vez que o incremento da demanda tem sido de aproximadamente 4,5 milhões de toneladas/ano, ao longo dos últimos 33 anos (42 milhões de toneladas, em 1970, contra 194 milhões de toneladas, em 2003) e promete manter-se ou crescer, pelas razões seguidamente indicadas.

Nosso país é único, dentre os grandes produtores mundiais de soja, com capacidade para incrementar a produção em condições de atender o esperado aumento da demanda derivado do crescimento natural da população mundial; do aumento do poder aquisitivo dessa população; dos potenciais novos usos industriais da soja (biodiesel, tintas, lubrificantes, plásticos...); do crescimento do consumo de farelo na fabricação de rações para bovinos, suínos e aves; entre outros.

Apesar de ser conhecida e explorada no Oriente (China, principalmente) há mais de cinco mil anos, o Ocidente ignorou a cultura da soja até a segunda década do século vinte, quando os Estados Unidos (EUA) iniciaram sua exploração comercial; primeiro como forrageira e, posteriormente, como grão. Foi somente a partir de 1941 que a área cultivada para grãos nos EUA superou a cultivada para forragem, cujo cultivo declinou rapidamente até desaparecer em meados dos anos 60, ao tempo que a área cultivada para a produção de grãos crescia de forma exponencial, não apenas naquele país, como, também, no Brasil e na Argentina, principalmente. Em 2003, o Brasil respondeu por 26,8% da safra mundial de 194 milhões de toneladas.

Apesar da atual liderança no mercado das commodities agrícolas brasileiras, a soja é uma cultura relativamente nova no Brasil. O primeiro registro do seu cultivo comercial data de 1914, no município de Santa Rosa, Rio Grande do Sul (RS). Foi somente a partir dos anos 40 que ela adquiriu alguma importância econômica. O primeiro dado estatístico nacional de sua produção é de 1941 (área cultivada de 640 hectares, produção de 450 toneladas e rendimento de 703 kg/ha). Nesse mesmo ano instalou-se a primeira indústria processadora de soja do País (Santa Rosa, RS). Em 1949, com produção de 25 mil toneladas, o Brasil figurou pela primeira vez nas estatísticas internacionais.

Até início dos anos 60, o cultivo da soja concentrava-se nas pequenas propriedades do interior gaúcho e os poucos grãos produzidos eram consumidos na propriedade, principalmente, na alimentação de suínos. Do RS ela se alastrou pelo interior de Santa Catarina e Paraná. Até 1969, 98% da produção nacional concentrava-se nesses três estados.

O impressionante crescimento de 74 vezes da produção de soja no correr de duas décadas (206 mil toneladas, em 1960 e 15.156 mil toneladas, em 1979) ou, em outros termos, de 7.357%, se deveu, não apenas ao aumento da área cultivada (171 mil, para 8,8 milhões de hectares), mas, também, ao expressivo incremento da produtividade (1.140 kg/ha, para 1.730 kg/ha). Esse crescimento continuou acelerado e em 2003, a área plantada superou os 21 milhões de hectares e a produtividade se acercou aos 2.800 kg/ha.

A produção continuou concentrada no sul até o final dos anos 70, quando mais de 80% da soja ainda era colhida nessa área, embora as terras de Cerrados do meio oeste já davam sinais de sua vocação para promover um novo ciclo de desenvolvimento da cultura no Brasil. A partir dos anos 80, repetiu-se na região tropical do Brasil central, crescimento da produção da oleaginosa semelhante ao ocorrido nas duas décadas anteriores na Região Sul. Em 1970, menos de 2% da produção nacional era colhida no meio oeste. Em 1980, esse percentual passou para 20%, em 1990 já era superior a 40% em 2003 ultrapassou os 60% e alcançou os 64% na safra colhida em 2004, com tendências a ocupar maior espaço a cada nova safra. Essa transformação promoveu e consolidou o Estado do Mato Grosso de produtor marginal, a líder nacional de produção e produtividade da soja, com perspectivas de consolidar-se nessa posição.

O fenômeno soja no Brasil teve dois estágios distintos e várias causas. No primeiro estágio (anos 60 e 70), a produção explodiu na Região Sul apoiada pelo êxito na transferência e adaptação de tecnologias introduzidas dos EUA (variedades, principalmente); pelo êxito da Operação Tatu (intenso programa de calagem e correção da fertilidade do solo) no RS em meados dos anos 60; pelos incentivos fiscais ao cultivo do trigo, que beneficiaram a soja por igual; pelos altos preços da soja no mercado internacional em meados dos anos 70; pela crescente demanda por óleos vegetais, mais saudáveis que as gorduras animais; pelo estabelecimento de importante parque industrial de insumos, de processamento e de maquinário agrícola; pelas facilidades de mecanização da cultura; pelo estabelecimento de um sistema cooperativista eficiente no apoio à produção, industrialização e comercialização das safras; pela melhoria dos sistemas viário, portuário e de comunicações; e, pelo estabelecimento de uma rede de pesquisa oficial bem articulada, apoiada financeiramente pelo Setor Privado.

O segundo estágio de desenvolvimento da cultura ocorreu na região Central do Brasil a partir dos anos 80 e teve como causas principais a construção de Brasília e os melhoramentos da infra-estrutura regional daí resultantes; os incentivos fiscais para investimentos no desmatamento, calagem e fertilização do solo; o baixo valor das terras de Cerrado nas décadas de 1960 até 1980; a topografia favorável à mecanização; o regime de chuvas favorável aos cultivos de verão; o bom nível financeiro e tecnológico dos sojicultores do sul que migraram para a região; as boas características físicas dos solos de Cerrado; e, não menos importante do que tudo isso, o êxito da pesquisa brasileira no desenvolvimento de um conjunto de tecnologias genuinamente brasileiras, adaptadas às condições tropicais do País (variedades, muito particularmente), tornando o nosso país único na produção de soja em larga escala em latitudes inferiores a 24º e com produtividades semelhantes às dos Estados Unidos, cujos solos apresentam fertilidade natural muito superior à nossa.

Apesar de ser o nº 2 na produção de soja, o Brasil já é o nº 1 na exportação do complexo soja (grãos, farelo e óleo) e podemos afirmar que será, também, o nº 1 na produção, antes que termine a presente década, dadas as limitações de área dos nossos competidores.

A soja também é a cara do Brasil. Do Brasil vitorioso, do Brasil que deu certo e que precisa ser mostrado. Vamos dar um basta à fracassomania nacional, que prefere ressaltar as nossas misérias, corrupção, injustiças sociais e violência, esquecendo-se dos êxitos que muito orgulham o País, como este da soja, assim como, a liderança mundial nas exportações de café, de suco de laranja, de carne bovina, de carne de frango e de açúcar, apenas para ficar no âmbito dos produtos agrícolas.

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