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O PANTANAL E A CONTAMINAÇÃO POR MERCÚRIO


Luiz Marques Vieira

Não se pode negar que a poluição do Pantanal, por mercúrio, é uma realidade. Resultados de análises realizadas pela Embrapa Pantanal e outras instituições de pesquisa, em amostras de vários indicadores de contaminação ambiental (sedimento, moluscos, peixes, aves e jacarés), evidenciam os fatos.

Na Baixada Cuiabana, principalmente nos municípios de Poconé e Nossa Senhora do Livramento, em Mato Grosso, o mercúrio foi largamente utilizado no processo de extração (garimpagem) de ouro de aluvião durante dez anos (1980/1990).

Dessa ocorrência podemos avaliar o grau de poluição instalado na região, pois o mercúrio lançado no ambiente tem potencial de contaminação por um período, relativamente grande, em geral de dez anos, mesmo após ter cessado a fonte de contaminação. Esse elemento, altamente poluidor, é um metal muito tóxico aos organismos e bioacumulável, ou seja, com elevado potencial de se magnificar nas cadeias alimentares.

No ecossistema aquático as mudanças ambientais são muito dinâmicas, podendo ocorrer alterações físicas, químicas e biológicas, que podem promover oxidação do mercúrio, viabilizando a formação de metilmercúrio. A literatura registra que o metilmercúrio pode se formar ao nível do sedimento, na coluna d’água e no intestino dos peixes. O metilmercúrio é bioacumulável, extremamente tóxico ao homem e, principalmente, aos organismos aquáticos. Nos peixes, níveis subclínicos podem alterar o crescimento, o comportamento e o sucesso reprodutivo.

No homem, níveis elevados levam à morte e subletais, avarias irreversíveis no sistema nervoso central e nos rins, principalmente. Dessa forma, uma das principais demandas da Embrapa Pantanal é conhecer o nível de contaminação dos ecossistemas aquáticos por este metal pesado, que se destaca como o mais importante, regionalmente.

No processo de lavra do ouro, o mercúrio era utilizado, inicialmente, na etapa de lavagem do cascalho, e posteriormente na bateia. Além disso, na etapa de purificação, a amálgama (liga constituída de ouro + mercúrio), era queimada à céu aberto, e os gases exalados, contendo mercúrio, passavam diretamente para a atmosfera. Muito embora tenha ocorrido avanço tecnológico significativo na etapa de purificação do ouro extraído, face à adoção de retortas com circuito fechado para evitar a contaminação direta da atmosfera, o mesmo mercúrio continua sendo utilizado no processo de extração. Além disso, os tanques de decantação,, contendo os rejeitos contendo mercúrio, provenientes dos garimpos atuais e antigos, por ocasião de fortes chuvas podem se romper, permitindo que o mercúrio atinja o Pantanal.

Em função dos impactos ambientais criados pelo emprego do mercúrio, pergunta-se: Será que não existem outros métodos para se extrair ouro sem a utilização de mercúrio? É claro que existem. E muitos. Por isso, os fatos sugerem que há necessidade de maior empenho das autoridades e das associações empresariais ligadas ao setor, visando o desenvolvimento de estudos de viabilidade técnica e de custo/benefício, para eleição de outros métodos de extração de ouro menos lesivos à saúde do homem e que promovam menos impactos negativos ao ambiente.

Estudos realizados pela Embrapa Pantanal no início da década de 90, demonstraram níveis de mercúrio em sedimentos, moluscos e peixes provenientes da planície do rio Bento Gomes, em Poconé. As pesquisas também evidenciaram contaminação por mercúrio nas penas e no fígado do gavião caramujeiro, carão, garça branca grande e biguá. Além disso, constataram-se níveis de contaminação por mercúrio na carne e no fígado de peixes, principalmente nas espécies carnívoras (nível final da cadeia alimentar) capturadas nos rios Paraguai e Cuiabá. Estudos mais recentes, realizados por outras instituições de pesquisa  pela mesma Embrapa Pantanal, como o publicado em 2003, que detectou pela primeira vez a contaminação da carne do jacaré do Pantanal por mercúrio, comprovam essa realidade.

Sabe-se que o Pantanal é uma grande planície em formação, susceptível à inundação, formada pela deposição de sedimentos oriundos dos planaltos adjacentes. É aí que o problema de contaminação da região pantaneira se complica porque, em conseqüência disso, todas as substâncias passíveis de serem arrastadas pelas águas (dentre elas, o mercúrio, terminam contaminando os corpos d’água ou se depositando no sedimento de fundo dos rios, vazantes e corichos. Pelo fato dos organismos bentônicos se alimentarem do sedimento de fundo, eles se tornam vulneráveis ao mercúrio, podendo se contaminar e repassar a sua “carga de mercúrio” aos peixes detritívoros, estes aos onívoros e finalmente aos grandes peixes carnívoros, tais como o pintado, cachara, jaú, jeripoca, jurupensem, dourado, piranhas e traíra, que na região são muito apreciados pelo homem. É, principalmente, através da ingestão de peixe que o homem pode se contaminar com mercúrio. A probabilidade maior de contaminação está relacionada à freqüência de consumo e à quantidade de peixe, consumido por dia, e também ao nível de mercúrio existente na carne desse animal.

Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde estabeleceu que a carne de peixe para consumo humano não deve possuir concentração de mercúrio acima de 500 nanogramas por grama de carne de peixe fresco. Em função disso, a legislação brasileira também adotou esse mesmo nível de mercúrio na carne de pescado para consumo humano. No Pantanal, muitos dos peixes mais apreciados evidenciaram níveis de mercúrio na carne acima dessa concentração permitida pela legislação atual. Assim, além da necessidade de se continuar monitorando os níveis de mercúrio nos diferentes indicadores de contaminação ambiental, torna-se necessário a adoção efetiva da legislação em vigor quanto à utilização atual de mercúrio na extração de ouro, bem como gerar tecnologias capazes de mitigar os impactos ambientais negativos decorrentes dessa atividade.
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Luiz Marques Vieira ([email protected]), Engenheiro Agrônomo, MSc. em Zootecnia e Doutor em Ecologia. É Pesquisador da Embrapa Pantanal na área de Qualidade Ambiental.

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