Em agosto estive em Brisbane (Austrália), participando do XXII International Congress of Entomology (ICE). Impossível detalhar, mesmo parcialmente, mais de 270 simpósios, divididos entre 18 sessões científicas simultâneas. Vou ater-me ao tema que mais chamou a atenção dos participantes, pois o tom conceitual do Congresso foi modulado pela conferência da Dra. J. Thomson (Universidade de Cape Town, África do Sul), que pretendeu refletir o pensamento dominante no continente.
Grita
A conferência constituiu-se em um libelo reflexivo sobre o momento político das relações internacionais, cobrando menos discurso e mais apoio concreto e factual, a recidiva colonialista, a segregação norte/sul, os caminhos da ciência e sua junção com o agronegócio e os sistemas de duplo padrão do comércio internacional. Alertou para fatos globais, como o crescimento da população mundial, em que 90% dos novos nascimentos até 2050 ocorrerão no hemisfério sul, o mais pobre. Que, em 1966, havia 0,45ha para produzir alimentos para cada habitante do mundo. Em 2000 era 0,25 e será de 0,15 em 2050. Logo, será necessário produzir muito mais alimentos em menor área - e a maior demanda virá dos países pobres.
Crítica
A cientista criticou os subsídios agrícolas, responsáveis diretos por parcela da pobreza da África e de outros países que dependem da agricultura. Responsabilizou-os pelos fluxos migratórios para os países ricos. Condenou o duplo padrão dos países europeus, que adquirem milho e soja transgênica dos EUA, Argentina e Brasil, para formularem rações bovinas, produzindo carne e produtos lácteos. Entretanto, esses mesmos países impõem duras restrições ao ingresso de carne produzida com milho transgênico, procedente da África.
África
Lá, 70% da população têm na agricultura a única fonte de renda. Entretanto, sua produção é a menor do mundo, importando 25% de seu consumo. Prevê-se uma defasagem de 90 milhões de toneladas de cereais, em 2025, nos países ao sul do Sahara. Segundo a pesquisadora, a biotecnologia é uma das ferramentas que podem evitar a concretização desta profecia, melhorando a eficiência, a qualidade e a produtividade dos cultivos. Num encontro de especialistas da UNIDO (Nairobi, 2003), definiu-se o desenvolvimento de cultivares transgênicos resistentes a insetos, a viroses, a plantas daninhas e a fungos que produzem micotoxinas, além de cultivares tolerantes à seca, como a prioridade da pesquisa agrícola continental.
Em andamento
A conferencista referiu sucessos de cientistas africanos, no desenvolvimento de cultivares transgênicas de milho e mandioca resistentes a vírus e à plantas daninhas do gênero Striga, uma das mais importantes na agricultura mundial, pois possui o hábito de entrelaçar o seu sistema radicular com o do cultivo onde se instala, asfixiando a planta cultivada. Um dos maiores problemas de saúde pública da África é o desenvolvimento de micotoxinas em milho armazenado. A solução encontrada foi a introdução de cultivares Bt, as quais, além de serem resistentes a alguns insetos, também se mostraram tolerantes aos fungos que produzem micotoxinas, reduzindo dramaticamente os casos de intoxicações e tumores associados a elas. Além disso, o milho Bt aumentou a renda dos pequenos agricultores, que vendem o excedente de milho para o mercado.
Futuro
Para enfrentar a seca, foram transferidos genes da “ressurection plant”, nativa da África, que pode perder 95% do seu conteúdo de água, e “ressuscitar” em três dias, após uma irrigação. As primeiras variedades de milho transgênico estão demonstrando tolerância à seca, à salinidade de solo e ao calor. Foi ressaltado o crescimento da área de cultivares transformadas nos países em desenvolvimento, que hoje respondem por 30% dos 68 milhões de hectares cultivados com OGMs no mundo. Lembrou que o incremento da área entre 2002 e 2003 foi devido, em partes iguais, ao crescimento observado nos países industrializados e em desenvolvimento. Porém, o crescimento nos países em desenvolvimento foi de 28%, enquanto nos países ricos foi de 1,1%.
Fecho
A conferencista encerrou sua apresentação com um eslaide expondo que o mundo industrializado pode se dar ao luxo de dizer “nós temos comida, portanto dispensamos OGMs”, porém os países pobres clamam que “necessitam, desesperadamente, de comida e que qualquer fórmula que torne sua vida mais digna será bem vinda”.